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Uma vida (e muitas outras) ali pelo Bar Palácio
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Mariana Zarpellon

Por Bia Moraes

Já posso dizer que frequento o Bar Palácio desde sempre. Na infância ainda não: no meu tempo de criança, acho que não se levava criança lá – pelo menos meus pais e padrinhos nunca me levaram junto, para minha decepção (eu podia ter descoberto muito antes os prazeres do churrasco paranaense e do mignon grisê).

Adolescente, fui algumas vezes. Poucas mesmo: nessa época, eu lia muito mais a respeito do Palácio do que verdadeiramente punha os pés lá. Conhecia muitas histórias sobre o restaurante que não aceitava mulher desacompanhada graças a meus ídolos do jornalismo local: Renato Schaitza, Aramis Millarch, Jamur Jr, Sale Wolokita, entre outros.

Mariana Zarpellon

Crônicas e textos desses caras traduziam com perfeição o clima boêmio do lugar, que reunia jornalistas, artistas e intelectuais, e me davam ainda mais vontade de ter cacife (universitário só tem grana pro ônibus, umas beras e olha lá), autonomia (leia-se perder a timidez para encontrar com gente “cabeça”) e parceiros para adentrar noites no Palácio.

Sim, faltavam-me parceiros. Porque com os meus amigos piás, ainda não iniciados na mística do Bar Palácio, os programas eram basicamente beber cerveja no boteco Sinhá, atrás do Guaíra, assistir shows de graça ou a preços populares (sim, isso existia em Curitiba) e andar pela XV. Nossa gastronomia se resumia aos salgados da cantina da Reitoria e, auge da sofisticação, os bombons de morango espelhado da Maria Pia, na confeitaria que ela tinha na Comendador.

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Finalmente, em algum dia do final da década de 80, creio, fiquei adulta. Além de profissão e algum juízo, encontrei um companheiro. De maneira que hoje posso dizer, sem medo, que somos frequentadores do Bar Palácio. Estamos, enfim, entre aquele grupo de pessoas que eu admirava e achava meio inacessíveis na minha imaturidade envergonhada: uma gente estranha que se enfia num lugar esquisito para comer, beber e conversar.

Foi nessa condição que, muito honrada, aceitei o convite do Guilherme e do Rafael para tascar aqui um texto sobre nosso (quase) mais antigo restaurante em funcionamento (parece que o São Francisco ostenta esse título, mas pra mim não tem a mesma aura do Palácio). É claro que a conversa em torno do post de um ano do mapa da Baixa Gastronomia foi um belíssimo pretexto para nos reunirmos, em três casais, à mesa palaciana, em torno de mignon grisê, churrasco paranaense e do cabrito servido às sextas. Ceia inigualável, adornada pelas geladas no ponto e finalizada pelo também incomparável mineiro de botas.

Além de nos conhecermos pessoalmente, o encontro serviu também para que eu me sentisse, de vez – e com uma ponta de orgulho – da velha guarda. Ou old school, que soa mais moderno. Me toquei que somos um casal bem curitibano, que faz do jantar no Bar Palácio um programa romântico de sexta à noite. Ou que leva os filhos para comer bem e barato. Ou mesmo que apresenta pratos e histórias do Palácio para iniciantes.

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Não é uma delícia, numa noite gelada, passar por aquela portinhola e dar de cara com o Jaques Brand, enquanto a certeza de que vamos comer muitíssimo bem aquece a alma? Não é um privilégio escolher a mesa perto da churrasqueira e sermos reconhecidos pelos garçons, que já nem trazem o cardápio porque sabem que a gente sabe o que vai pedir? E encontrar a Mitie Taketani ciceroneando um grupo de artistas jovens de fora, que se deliciam com a comida e o ambiente do Palácio? Tudo isso numa noite qualquer.

Creio então que conquistamos o direito de termos nossas próprias histórias do Bar Palácio. E aqui vai uma de nossa lavra: tempos atrás, numa noite em que o salão estava meio vazio, reparamos que os garçons não conversavam entre si. Parados perto do balcão, próximos uns dos outros, os três senhorzinhos se quedavam a olhar para o nada, quietos. E assim foi o tempo todo. Ficamos intrigados. Será que eles não se gostam? Brigaram? Depois de tantas décadas os caras não se dão? Essas caras de paisagem são de infelicidade?

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Na vez seguinte matamos a charada. Acho que porque ficamos em silêncio como eles, por um bom tempo, nesse dia. De repente caiu a ficha. Concluímos que eles não conversam simplesmente porque já falaram tudo que há para ser dito. Estão ali há tanto tempo, viram tanta coisa, de um tudo mesmo, que já conversaram tudo que há para conversar em uma vida. A cara de “nada”, na verdade, é zen.

Essa não é uma história engraçada, apenas etílico-filosófica (e meio viajandona, afinal somos gente esquisita). Mais divertido é enganar os amigos novatos contando, bem sérios e em voz baixa, que a escada mergulhada na escuridão, que aparece atrás de uma porta misteriosa porque colocada no meio do nada, leva para uma catacumba onde passa o Rio Belém. Todo mundo acredita (eu também), mas ninguém tem coragem de abrir a porta e descer os degraus escuros para averiguar se é verdade (nem eu, prefiro acreditar na lorota que inventamos).

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Por fim, segue uma história adorável, que eu li nos anos 70 numa crônica do Renato Schaitza: para quem não sabe, em tempos idos, o entretenimento masculino incluía locais conhecidos como “dancings”, onde senhores casados e solteiros boêmios puxavam as “taxi girls” para dançar – assim intituladas porque cobravam por tempo de troca de passos na pista com o parceiro.

Pois conta o Schaitza que numa noite dessas o grupo de amigos estava, como sempre, reunido no Palácio, quando chega um deles apressado, atravessa o salão sem cumprimentar ninguém e se posta ao lado da churrasqueira. Ali permanece, em pé e sozinho, até que os companheiros o intimam a vir para a mesa beber. O que tá fazendo aí parado feito um poste?

A resposta é exemplar. O camarada estava “pegando um cheirinho de fumaça”. “É que eu estava dançando com uma moça muito perfumada”, explica. Para disfarçar, melhor chegar em casa de madrugada com cheiro de churrasco do Bar Palácio do que com perfume de mulher. “Assim, a patroa não desconfia”.

Mariana Zarpellon

A gente lembra dessa e de outras histórias. Muito mais gente deve guardar outras memórias bacanas. Qualquer noite dessas nos encontramos ali, numa mesa perto da churrasqueira. Procurem por um casal esquisito…

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Serviço
Bar Palácio

Rua André de Barros, 500 – Centro (verifique a localização no Mapa da Baixa Gastronomia)
(41) 3222-3626

2ª a 5ª, das 19:00 à 1:30
6ª e sábado, das 19:00 às 3:00

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