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Divulgação/Terra Madre
Divulgação/Terra Madre| Foto:

Em um sábado de outubro do ano passado, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) foi almoçar no Terra Madre, um dos restaurantes mais badalados e premiados de Curitiba. Comeu uma “Grigliata di frutti di mari” (foto acima) e bebeu um vinho Adega Guimarães. Pagou R$ 334 e foi reembolsado em R$ 225 pela Câmara dos Deputados.

Filho do ex-ministro José Dirceu, Zeca liderou os gastos da verba de alimentação dos deputados federais em 2017, com R$ 22,7 mil. Desde o início do mandato, em 2015, ele já gastou R$ 66 mil com alimentos. No total, cerca de 300 deputados consumiram R$ 1,3 milhão no ano passado. Quem paga a conta, na verdade, não é a Câmara: é o contribuinte.

Não há limite mensal ou por refeição para as despesas feitas pelos deputados, desde que não extrapolem os limites da cota para o exercício da atividade parlamentar. São glosadas das notas as despesas com bebidas alcoólicas, gorjeta e aquisição de gêneros alimentícios.

Em 2017, há quem tenha feito despesas mais elevadas. O deputado Marcos Soares (DEM-RJ) fez 11 refeições com valores acima de R$ 200. No mês de maio, a conta na Parrilla Rio Bar, no bairro da Glória, Rio de Janeiro, ficou em R$ 333. Ele comeu um “chorizo argentin” (linguiça) de entrada e um “Ojo del bife” como prato principal, mais a salada, a farofa, papas fritas e uma panqueca de “dulce de leche” de sobremesa.

O deputado Osmar Bertoldi (DEM-PR) pagou R$ 546 numa única refeição, na Churrascaria Irmãos Moresco, em setembro, no município de Pranchita (PR), na fronteira com a Argentina. Mas a nota fiscal não está especificada. O consumo é descrito apenas como “despesa”. Em março de 2010, o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) – aquele da mala de R$ 500 mil – apresentou uma nota com despesas de alimentação no valor de R$ 413, no Londrina Golden Blue Hotel. Seriam R$ 665 hoje. A nota não está especificada.

Comunista come picanha

O segundo maior gasto com a verba de alimentação em 2017 foi feito pelo deputado Roberto Freire (PPS-SP), presidente nacional do PPS. Ele teve reembolsos no valor de R$ 19,3 mil com alimentação – R$ 78 mil desde o início do atual mandato. Numa sexta-feira de setembro, em São Paulo, ele almoçou na Churrascaria Rodeio. Comeu “meia” picanha fatiada, no valor de R$ 118, mais complementos, e pagou R$ 265. Foi reembolsado em R$ 234 pela Câmara.

Em novembro, um domingo, Freire retornou à churrascaria com mais tempo e consumiu uma picanha para uma pessoa, por R$ 165, mais complementos. A conta foi paga às 14h49, no valor de R$ 338, mas ele foi reembolsado em R$ 199. Desde fevereiro de 2011, o ex-secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro esteve por 70 vezes na Churrascaria Rodeio, consumindo um total de R$ 11,8 mil. 

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O deputado Ronaldo Benedet (PMDB-SC) gastou R$ 234 no restaurante Arrastão, em Laguna (SC), em maio do ano passado. A nota traz apenas uma informação: “refeição”. No ano anterior, ele apresentou várias notas de alto valor, como R$ 253, R$ 259, R$ 265 e R$ 280 – a maior delas em Nova Veneza (SC).

A verba de alimentação paga despesas elevadas, mas também pequenos gastos. Os deputados não deixam escapar nada. Em outubro, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) pegou nota de R$ 3 para uma água mineral que pegou do frigobar de um hotel em Vacaria (RS). Zeca Dirceu fez o mesmo num hotel no centro de São Paulo. Ele também apresentou nota de R$ 2,50 pagos por um café expresso curto.

Café colonial e lanche para as bancadas

As bancadas dos partidos na Câmara também contam com a verba para alimentação. A liderança do PT consumiu R$ 140 mil com essa despesa. Só a empresa Antônio Giroto Borges recebeu R$ 104 mil, em 55 notas fiscais, para o fornecimento de refeições. A liderança do PSDB gastou R$ 40 mil. A maior parte foi para pagar o lanche de grupos de 20 a 25 deputados.

A liderança do Solidariedade gastou um total de R$ 29 mil. O Buffet Maison Gourmet serviu café colonial para a bancada, como mostram notas fiscais com valores entre R$ 1,2 mil e R$ 1,6 mil.

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A liderança do PT afirma que todas as despesas com refeições estão amparadas nas normas da Câmara. Disse que “as refeições custeadas abrangem toda a bancada de 57 deputados, os quais participam durante a semana de reuniões para debater as pautas apresentadas pelo governo”. São duas reuniões por semana, mais uma da coordenação da bancada. “Portanto, em média a liderança do PT abriga 12 reuniões por mês. Sendo assim, deputados e deputadas transitam pela liderança nos períodos da manhã, tarde, noite e madrugada, em dias de votações, sempre realizando atividades que demandam estrutura de apoio”.

A liderança do PSDB disse que as notas fiscais apontadas pela reportagem “referem-se ao fornecimento de lanches servidos aos parlamentares quando há sessões noturnas. As despesas realizadas por meio da cota parlamentar são devidamente divulgadas no site da Câmara e seguem estritamente as normas estabelecidas pela Casa”.

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“Qualquer comparação é injusta”

A assessoria do deputado Zeca Dirceu não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem. Mas afirmou que “qualquer comparação entre parlamentares, quanto suas despesas, é inadequada e injusta, pois quem trabalha só três dias da semana não pode ter despesas comparadas com os que trabalham sete dias por semana, inclusive nos feriados e finais de semana. Todas as despesas ressarcidas são legais, analisadas e julgadas pela Câmara dos Deputados com rigoroso controle. A maior parte das notas ressarcidas ao deputado são de despesas abaixo de R$ 50, e comparar quantidade de notas, sem observar o valor, também gerará interpretações equivocadas”.

O deputado Ronaldo Benedet justificou os gastos da seguinte maneira: “Os gastos foram realizados durante minhas atividades parlamentares, no exercício do mandato que me foi conferido, e que dedico todo o meu tempo, sem exercer atividade paralela, ou seja, tenho trabalhado muito para representar meu estado e minha região. Como podes ver, gastei com alimentação, em 2017, uma média de 700 reais por mês, valor inferior ao vale alimentação dos funcionários da Câmara Federal. Os ressarcimentos foram fielmente aos valores das despesas, comprovadas como nota fiscal e o ticket do cartão de crédito, e que, como citastes, tem notas de 200 reais, como também têm de 10, 15 e 20 reais”.

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A assessoria do deputado Roberto Freire respondeu ao questionamento sobre o total de gastos do deputado e sobre as despesas individuais mais elevadas. “Não há irregularidade. Trata-se de uma verba destinada à alimentação do parlamentar; se houver gasto com refeições em restaurantes, há direito ao ressarcimento. O deputado faz suas refeições fora de casa. O reembolso em valor inferior ao da nota se explica por ter havido glosa, ou seja, desconsideração de parte da despesa. Quando se trata de alimentação, a Câmara só admite reembolsar os gastos dos parlamentares com refeições, rejeitando aqueles com bebida alcoólica e consumo de outras pessoas que eventualmente os acompanhem”. A nota acrescenta que Freire gasta, em média, cerca de 50% da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, “proporcionando uma economia considerável para a Câmara”.

Os deputados Osmar Bertoldi, Marcos Soares e Henrique Fontana, e a liderança do Solidariedade não retornaram os contatos do blog.

Os dados da reportagem foram apurados com a utilização do sistema de buscas e filtros do site OPS – Operação Política Supervisionada, uma ONG que faz a fiscalização dos gastos dos deputados e senadores. O site acessa diretamente os dados da página da Câmara dos Deputados na internet.

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