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Documentos do extinto Serviço Nacional de Informação (SNI) registraram, em setembro de 1991, que o deputado federal Jair Bolsonaro procurou o presidente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), deputado Roberto Freire (PE), para pedir apoio ao reajuste dos militares, que estariam defasados naquela época.

Em 2016, 25 anos mais tarde, o filho do presidenciável, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos maiores articuladores da sua candidatura a presidente da República, apresentou um projeto de lei que criminaliza a apologia ao comunismo e proíbe a veiculação de propaganda que utilize a foice e o martelo para divulgar o comunismo.

No relatório de 1991, o SNI já havia trocado de nome, no governo Fernando Collor. Era a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Mas mantinha ativa a máquina de espionagem do antigo serviço de informação.

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Processado em 2 de setembro, o relatório “confidencial” registra que Freire foi procurado, às vésperas do 9º Congresso Nacional do PCB, “por um grupo de ex-militares, tendo à frente o deputado federal Jair Bolsonaro (PDC/RJ)”. Bolsonaro teria levado a Freire “suas preocupações com relação aos baixos salários dos militares, a decadência da hierarquia e disciplina e, acima de tudo, o abandono a que a tropa vem sendo submetida pelo presidente da República e ministros militares, que nada fazem para reverter tal situação”.

Comunistas temiam “queimar” militantes infiltrados

Bolsonaro teria informado a Freire que este mesmo grupo iria procurar outros partidos de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), para que, junto com o PCB, fizessem pronunciamentos contra tal situação. “Freire prometeu levar tais preocupações ao conhecimento da Executiva Nacional a ser eleita pelo IX Congresso, para, juntos, traçarem uma estratégia de trabalho sobre o assunto, que poderia ser perfeitamente explorado por uma coligação das esquerdas”, diz o documento.

Mas Freire teria recomendado outra estratégia após conversar com os integrantes da nova Executiva Nacional. Ele teria afirmado a Bolsonaro “que seria perigoso para os comunistas fazerem pronunciamentos sobre o tema; que um trabalho aberto de proselitismo nos quartéis ‘queimaria’ militantes infiltrados”. A melhor fórmula, teria dito Freire, “é denunciarmos a situação a jornalistas amigos, que cobrem o Congresso, quartéis e ministérios militares. Isto evitaria, inclusive, o perigo de municiarmos alguns golpistas que ainda estão incrustados nas Forças Armadas”.

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Apesar disso, as articulações de Bolsonaro prosperaram, como mostram jornais da época. No dia 11 de setembro, após uma longa reunião, partidos como o PCB, PT, PC do B, PDT e PSB não criticaram o projeto do governo Collor que concedia aumento de 45% no soldo dos militares do Exército, Marinha e Aeronáutica. Reconheceram que o aumento era “justo e urgente”, embora tenham levantado questionamentos de ordem constitucional. O líder dos militares conseguiu mais apoio na esquerda do que junto a líderes do governo.

“Deve ter acontecido”

Hoje presidente do PPS – partido que sucedeu o PCB – e suplente de deputado federal, Freire foi questionado se lembrava desse encontro: “não estou lembrado, mas deve ter acontecido. Eu era líder do partido. Então, se tinha uma reivindicação dessa, pode ter acontecido. Se está lá… O SNI não devia estar mentindo. Junto dele deveria estar algum infiltrado para ter um relatório desses”.

Sobre as articulações de Bolsonaro naquela época, respondeu: “ele não tem nenhuma dimensão da política. É uma pessoa medíocre. Ele estava procurando (apoio) porque lutava pelos interesses da corporação, do soldo”. Sobre o projeto de lei de Eduardo Bolsonaro, comentou: “O filho é a mesma coisa: não tem nenhuma noção do que é a democracia”.

Procurado pela reportagem, Jair Bolsonaro não quis se manifestar sobre o episódio.

A Infiltração das esquerdas

O Exército temia e monitorava as infiltrações dos partidos de esquerda nas Forças Armadas. Relatório do SNI de novembro de 1987, enviado ao gabinete do ministro do Exército, mostrava as “tentativas de infiltração”. As Forças Armadas seriam consideradas pelas organizações subversivas como “um dos maiores empecilhos para o desenvolvimento do processo revolucionário e para a tomada do poder”.

O relatório “confidencial” cita declaração de Rogério Lustosa, líder do PC do B, para quem “a próxima revolução” não seguiria o modelo da Guerrilha do Araguaia, mas se assemelharia à Intentona Comunista de 1935, “surgindo de um movimento que se iniciará no seio das Forças Armadas”. O documento também relata o surgimento de uma célula comunista no então 4º Regimento de Infantaria (São Paulo-SP), liderada pelo capitão Carlos Lamarca, no fim da década de 1960.

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“Apesar do fracasso nessas tentativas, as organizações subversivas persistem, obstinadamente, em seu objetivo de infiltrar seus seguidores nas Forças Armadas, a fim de desmoralizá-las e dividi-las, transformando-as, assim, em alvo fácil para a concretização dos seus desígnios”, diz o relatório.

A infiltração dos comunistas seria feita de duas formas distintas. “Uma através do ingresso, nos seus quadros, de jovens oriundos de orfanatos e casas de correções, devidamente doutrinados, e outra pela prestação do serviço militar inicial por militantes da União da Juventude Socialista”.

A Convergência Socialista, corrente do PT, pretendia “desencadear um plano de recrutamento voltado para cabos e soldados, aproveitando o descontentamento existente nestes segmentos, fruto da baixa remuneração e da obrigatoriedade da prestação do serviço militar. A Convergência julga que esses militares constituirão uma excelente massa de manobra, na eventualidade de serem empregados na Segurança Interna, pois, jamais atuarão ‘contra o povo’. Podem, ainda, ser utilizados em atos de sabotagem e furto de armamento no interior dos quartéis”.

O documento cita 16 casos de militantes de partidos de esquerda infiltrados nas Forças Armadas.

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