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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente José Alencar, em 2002. Foto: Vanderlei Almeida/AFP
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente José Alencar, em 2002. Foto: Vanderlei Almeida/AFP| Foto:

As alianças partidárias fisiológicas costuradas para a eleição de 2018 lembram a primeira vez que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu a corrida pelo Planalto. Em 2002, após três tentativas frustradas de chegar ao poder coligado somente com siglas de esquerda, o PT decidiu ampliar o seu leque de apoio partidário naquela eleição.

Para começar, Lula escolheu para vice na chapa um empresário, José Alencar (PL). Mas a coligação seria mais ampla. Ali, nas negociações para firmar alianças, começou a ser gestado o escândalo do mensalão, que mais tarde abateria os principais líderes e articuladores do partido, como José Dirceu e José Genoino. Lula cairia 16 anos mais tarde, com a Lava Jato.

O PT entendeu que, não apenas para eleger Lula, mas também para governar, precisaria ter maioria no Congresso. Isso significava ter ao seu lado o PMDB, o PTB, o PP e o PL (hoje PR), entre outros. Mas esses apoios custariam caro, nos dois sentidos. Em dinheiro vivo e nas suas consequências. O mensalão envolveu relativamente pouco dinheiro. Mas o petrolão elevaria as cifras da corrupção para bilhões de reais. Quanto mais recebem dinheiro, mas ávidos ficam os políticos.

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Acompanhei, em meados de 2002, pela Folha de S. Paulo, as articulações que levaram José Alencar para o cargo de vice de Lula. O PT precisava do bem-sucedido empresário, dono da Coteminas, para tranquilizar o mercado. E Lula deixou de ser Lula.

Havia um ingrediente extra naquelas eleições: a verticalização das candidaturas. Ou seja, a coligação na chapa para presidente teria que ser seguida nos demais níveis das eleições. Partido de direita, o PL teria dificuldades de eleger deputados com alianças à esquerda. Sem os 5% dos votos para a Câmara, o partido perderia espaço no horário eleitoral gratuito e no Fundo Partidário.

O líder do PL Valdemar Costa Neto compreendeu tudo isso e fez uma exigência ao PT – queria um reforço no caixa de campanha. Hoje, 16 anos depois e após cumprir pena de prisão por causa do mensalão, Costa Neto embarcou na candidatura do tucano Geraldo Alckmin junto com o Centrão, o bloco partidário que reúne DEM, PP, PR, PRP e Solidariedade. Quase emplacou de novo o vice da chapa, Josué Alencar, por coincidência – ou não – filho de José Alencar.

Valdemar Costa Neto presta depoimento no Conselho de Ética da Câmara, em 2005, no auge do mensalão.

Valdemar Costa Neto presta depoimento no Conselho de Ética da Câmara, em 2005, no auge do mensalão. Foto: Evaristo Sa/AFP

Os bastidores da negociata

Em junho de 2002, Costa Neto buscava incessantemente convencer o partido a fechar com Lula. Numa das reuniões de bancada, no Hotel Nacional, em Brasília, um deputado deixou a sala furioso. Perguntei o que havia acontecido. Ele desabafou: “o Valdemar vai prejudicar todos nós. Ninguém vai conseguir se reeleger. Ele está pressionando porque levou dinheiro para fechar com o PT”.

Fui direto ao assunto: “Ele levou quanto?”. O parlamentar respondeu: “O pessoal tá falando que é coisa de 10 ou 20 milhões (de reais)”. Mais tarde, num gabinete na Câmara, outro deputado confirmou que o assunto corria na bancada. Fui até a liderança do PL, no anexo 2 da Câmara, e pedi uma conversa a sós com Costa Neto. Mais uma vez, fui direto, sem rodeios: “Deputado, ouvi de dois integrantes da sua bancada que o senhor levou dinheiro para fechar com o PT. O que o senhor me diz disso?”.

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O deputado respondeu na hora: “vou te contar o que houve. Nós fechamos um acordo que envolve dinheiro, mas não é para mim, é para a campanha”. Perguntei sobre o valor acertado. “Não tem um valor certo. Nós combinamos assim: tudo o que entrar no caixa da campanha do Lula será dividido na proporção das bancadas na Câmara. O PT tem 50 e nós temos 20. Se entrarem 70 milhões de reais, nós ficamos com 20 milhões. Isso vai ajudar a eleger a nossa bancada. Com a verticalização, a gente não elege os nossos deputados sem dinheiro”.

A gênese do mensalão

No dia 21 de junho, uma sexta-feira, a Folha de S. Paulo publicou a reportagem.  O título era comedido: “PL diz que vai participar do caixa de campanha do PT”. Parecia ser apenas um acordo pontual entre PT e PL. Mas, sem perceber, estávamos diante da gênese do mensalão, que seria descoberto três anos mais tarde.

O acordo de campanha envolveu partidos como o PTB de Roberto Jefferson (condenado e preso no mensalão) e o PP de Pedro Corrêa (condenado e preso na Lava Jato). Mas o esquema de compra de partidos se estendeu pelos dois primeiros anos do governo Lula, de forma sistemática e continuada. A ajuda de campanha transformou-se em mesada – o mensalão.

Em depoimento prestado no Conselho de Ética da Câmara, em agosto de 2005, Costa Neto contou que o dinheiro prometido naquela campanha não tinha sido pago no prazo combinado. “O Delúbio (Soares, tesoureiro do PT) não teve condições de me pagar porque não estava vencendo fazer a campanha nacional”, relatou o líder.

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A investigação da mesada petista teve início na CPI dos Correios, criada em maio de 2005 para investigar o recebimento de propina por um diretor da estatal, Maurício Marinho. Pressionado por denúncias de corrupção nos Correios, que tinha diretorias ocupadas pelo PTB, e sentindo-se desamparado pelo governo do PT, Roberto Jefferson revelou ao país a existência do mensalão.

Em depoimento à CPI, o líder do PTB admitiu ter recebido uma mala com R$ 4 milhões das mãos do publicitário Marcos Valério.  Mas ele acrescentou que o dinheiro não vinha só em malas. Mensaleiros fizeram saques na boca do caixa em uma agência do Banco Rural no 9º andar do Brasília Shopping, na capital federal.

Em depoimento à Polícia Federal no final de julho, o tesoureiro nacional do PL, Jacinto Lamas, confessou que Marcos Valério havia repassado R$ 10,8 milhões de suas contas para Costa Neto entre fevereiro de 2003 e agosto de 2004, por intermédio da empresa Guaranhuns. Os saques foram feitos diretamente no Banco Rural. A ajuda seria resultado de um acordo de campanha fechado com Delúbio Soares, na formalização da aliança que resultou na chapa Lula/Alencar.

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José Dirceu, que foi ministro chefe da Casa Civil; José Genoino, presidente nacional do PT na época; Delúbio e Marcos Valério foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal, em outubro de 2012, por corrupção passiva e formação de quadrilha.

Mas o mensalão foi apenas um experimento se comparado ao escândalo de corrupção na Petrobras. Desta vez, estavam na linha de frente o PT, o PMDB e o PP. A propina saía de obras bilionárias superfaturadas na estatal. O dinheiro era transformado em doações de campanha, uma parte de forma oficial, declarada à Justiça Eleitoral; outra parte em caixa 2, como aconteceu no acordo fechado por Costa Neto em 2002. Desta vez, caiu o líder maior do PT.

Nas eleições deste ano não haverá doações oficiais de empresas, mas o caixa 2 já existia antes mesmo da lei eleitoral que criou o financiamento privado de campanha, em 1994. Caberá ao Tribunal Superior Eleitoral fiscalizar se ocorrerão as doações “por fora”.

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