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Evaristo Sa/AFP
Evaristo Sa/AFP| Foto:

O aparelhamento político da Advocacia-Geral da União (AGU) no ano anterior ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) levou ao desmonte operacional da instituição e reduziu a recuperação de valores decorrentes de condenações impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Em 2015, foram obtidos os menores resultados desde a criação do Grupo Proativo da AGU, especializado na recuperação de dinheiro público desviado. Mesmo após o impeachment, o percentual de recolhimento continua baixo – cerca de 16% no ano passado.

Após a criação desse grupo de combate à corrupção, em 2009, os percentuais de recuperação ficaram em 33% do valor dos ressarcimentos e multas impostas pelo TCU durante cinco anos. Em valores atualizados, R$ 3,2 bilhões entraram nos cofres públicos. Esse percentual era de apenas um dígito duas décadas atrás.

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O melhor desempenho se deveu à montagem de um grupo de 100 advogados da União munidos de sistemas informatizados para localizar bens de devedores, uma das tarefas mais árduas na recuperação de dinheiro público.

Responsável pela elaboração dos relatórios de cobrança executiva encaminhados à AGU, o procurador do TCU Marinus Marsico explica por que o percentual de recolhimento caiu nos últimos anos.

“A AGU sofreu uma espécie de desmonte operacional a partir de 2015, até o final de 2016. Durante o processo do impeachment, a AGU se viu completamente aparelhada. Ela parou de funcionar. Não havia mais condições físicas e materiais para fazer esse tipo de cobrança. Nesse período, praticamente as execuções foram suspensas. O advogado não tinha nem como se transportar ao fórum para atender a audiência. Tanto que todos os ocupantes de cargos comissionados da AGU entregaram seus cargos no momento de maior crise”.

“Em 2017, quase não se executou”

Antes dessa crise, destaca o procurador, os níveis de recolhimento chegaram a 70%. Esse percentual é maior do que aponta a AGU porque, além do dinheiro recolhido aos cofres da União, o TCU também contabiliza os bloqueios de bens existentes, honorários advocatícios e acordos extrajudiciais.

Levantamento feito pelo blog, a partir de dados oficiais do TCU, mostra que a média anual de recolhimento – considerando apenas os valores que realmente ingressaram nos cofres públicos – foi de R$ 650 milhões de 2009 a 2013, enquanto o valor médio das condenações do tribunal (ressarcimentos e multas) foi de R$ 1,96 bilhão ao ano – tudo em valores atualizados.

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Marinus afirma que os reflexos daquela crise são sentidos até hoje. “Na verdade, em 2017, quase não se executou. O que se recolheu foi de execuções de anos anteriores que estavam tramitando judicialmente. Chegamos a um nível de recolhimento de 16%. O Orçamento federal deixou de recuperar valores que foram desviados dos cofres públicos. Mas a pior frustração é do cidadão que paga impostos e as execuções não retornaram nesse período”.

AGU admite a crise

A AGU não quis se pronunciar oficialmente sobre a crise de 2015 e a consequente queda na recuperação de ativos. Mas a posição da instituição está expressa no Relatório do Grupo Proativo de 2018, relativo aos trabalhos desenvolvidos em 2017: “Em 2015, é possível verificar o reflexo da crise institucional ocorrida no órgão, sendo o ano que apresentou os menores resultados”.

Mas a Advocacia da União acrescenta que “a conturbação das atividades ocorridas em 2015 está sendo absorvida, representado pelo acréscimo de ações propostas e consequentemente acréscimo dos valores nos ajuizamentos de 2016 e se consolidando em 2017, dado que o quantitativo mais que dobrou”.

Ainda assim a recuperação é lenta, como mostram os próprios números da AGU. “A arrecadação em 2017, realizada pelo Grupo Proativo da PGU, totalizou R$ 104 milhões, dos quais R$ 29 milhões às atuações decorrentes dos acórdãos do TCU”. O blog obteve, ainda, os números de recolhimentos efetuados em 2018, ainda não publicados. Foram R$ 195 milhões até junho.

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Em conversa reservada, um diretor da AGU detalhou a crise ocorrida em 2015/2016. Em meados de 2016, havia 3 mil processos estocados, todos iniciados em 2014. O diretor afirmou que a AGU foi transformada, naquele período, no “escritório de defesa da presidente Dilma”.

Essa atuação começou em meados de 2015, quando o TCU julgou e reprovou as contas da ex-presidente por causa das “pedaladas fiscais”. Aquele processo deu início à mobilização no Congresso Nacional para o impeachment de Dilma.

Dados fora da realidade

A crise de 2015 já havia sido tratada no Relatório de Cobrança Executiva elaborado pelo TCU em 2017, relativo ao exercício de 2016: “Notou-se, em 2015, agravamento do quadro institucional da AGU, com completa ruptura entre os dirigentes da instituição e o corpo de membros e servidores, o que se estendeu para o exercício de 2016, com a substituição repetida dos advogados-gerais da União, trazendo reflexos diretos nas equipes de gestão, impossibilitando a coleta de dados e até mesmo de atuação proativa”.

Alguns dados não foram obtidos e outros foram apresentados com distorção, por não ter sido possível a obtenção da totalidade dos valores recuperados e dos acordos efetivados. O procurador Marinus comenta também esse fato: “em 2015, entrou dinheiro de processos de anos anteriores. Mas, infelizmente, a AGU não fez relatórios dos valores que entraram. São relatórios parciais, algumas regionais fizeram e outras não. Então, os dados ficaram completamente fora da realidade. Isso está sendo recuperado. Depois, mudaram o advogado-geral e as coisas andaram”.

Em ano eleitoral, políticos pagam

O procurador também falou dos obstáculos nessa recuperação das verbas desviadas. “Esse trabalho é incômodo. O tribunal condena gestores públicos e, às vezes, políticos. Condena a devolver recursos. Então, isso fica sujeito, em momentos de crise política, a situações como se passou na AGU”.

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Agora, a AGU está utilizando o sistema de protesto de títulos, relata Marinus. “Quando temos pequenos valores, o pagamento é até mais eficaz do que a ação judicial. Quando os valores são mais elevados, nós usamos o Cadin. Como os grandes devedores necessitam de financiamentos de bancos públicos federais, e esses financiamentos ficam bloqueados, eles procuram a AGU e o TCU para negociar isso e pagar”.

O recolhimento espontâneo, que era mínimo, aumentou 500% no tribunal. “Por exemplo, em anos eleitorais, muitos políticos que querem se candidatar e são devedores, comparecem no tribunal para recolher esses valores. Não creio que seja pelas melhores intenções, mas, de qualquer forma, procuram o tribunal para recolher. Os prazos podem variar de algumas semanas, poucos meses. Há casos muito complexos que levam alguns anos para serem recolhidos”, afirma o procurador.

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