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Lamares, a sereia que ousou amar além do mar
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Era uma vez um reino distante! Era distante mesmo porque ficava no fundo do mar.

O reino, governado por Tritão, era lindo! Havia uma areia fina que se movia lentamente ao menor movimento, conferindo um brilho encantador ao local! Os peixes nadavam livremente em imensos cardumes, espalhando suas cores em uma dança suave. Esta dança era, delicadamente, acompanhada pelas algas marinhas e pelos magníficos corais. Embora que não se vissem músicos ou instrumentos musicais, o fundo do mar tinha uma melodia única, que emanava beleza, paz, harmonia e serenidade. Era algo mágico, que hipnotizava até Chronos, que desacelerava por se deixar flutuar nos domínios do filho de Poseidon.

Lamares era uma das centenas de filhas de Tritão. Uma sereiazinha linda e sonhadora! Ela gostava de conhecer novos lugares e sempre acompanhava o pai, nas diversas incursões pelos sete mares.

Como toda criança, amava ouvir histórias de contos de fadas e a sua preferida era, certamente, aquela que contava sobre a pequena Ariel, uma sereia que foi viver entre os homens.

A despeito das descrenças que muitos manifestavam ao seu redor, ela acreditava que aquela narrativa era mais que uma “historinha”! Era uma verdade que muitos insistiam em desqualificar e duvidar… Seu pequeno coração vibrava de alegria, a cada capítulo que lia, sobre aquela irmã  tão corajosa.

Talvez, as aventuras de Ariel calassem tão fundo em seu coração porque Lamares se sentia da mesma forma! Mesmo amando o mar, almejava conhecer a Terra, os humanos, comer macarrão e assistir televisão! Queria ter um cachorro e ouvir os segredos que o vento contava aos pés das grandes montanhas.

Desde a adolescência, percebia-se diferente das irmãs, pois suas maiores aspirações eram além-mar e uma forte sensação de inadequação tomava seu ser. Inacreditavelmente, ela se sentia um cachorro submerso na água!

Sua maior alegria era nadar perto da costa, ouvir o barulho dos navios e os gritinhos das crianças ao molharem os pés nas ondas das praias.

E foi em um desses passeios, que viu Paul pela primeira vez. Nadando distraidamente, não percebeu o movimento dos mergulhadores que buscavam a sua morada para a prática do esporte.

Enquanto ela ajudava uma tartaruga a se livrar de uma incomoda sacola plástica, percebeu um leve toque no seu ombro esquerdo. Instintivamente virou-se e deu, literalmente, de cara com ele.

Apesar de ter batido sua cabeça na máscara de Paul, nenhum dos dois se feriu. Apesar do susto, nenhum dos dois se moveu. Observaram-se lentamente, como se quisessem eternizar, pelo olhar, a magia daquela situação inusitada. Apesar de pertencerem a mundos, absurdamente diferentes, reconheceram-se iguais ao tocarem um na mão do outro. Sorriram, cada um a seu modo! Ela pelos lábios e ele pelo olhar. E sim, um havia fisgado o coração do outro.

Como na história da Cinderela, o alarme da meia-noite tocou no coração de Lamares e ela percebeu a loucura daquele momento! Jogou-se nos braços de Paul, abraçando-o como pode e logo em seguida, sumiu mar adentro, rememorando toda aquela confusão de sentimentos vividos em um mísero minuto…

Sozinha e segura em seu quarto do castelo de Tritão, refletia… Como a vida pode ser ressignificada em segundos? Que doideira tinha sido aquela!?

O fato é que algo mudou dentro dela. E o que antes era legalzinho, agora era muito sem graça e entediante. Não fazia mais seus habituais passeios e nem cantava para o pai.

E se você pensa que ela estava assim porque havia se apaixonado, engana-se! Ao viver aquela experiência “tão humana”, percebeu-se ainda mais conectada ao reino de Gaia.

Julgava-se errada, ingrata, burra, dividida e também desonesta. Porque aquele vazio na alma? Porque não podia ser feliz vivendo naquele lugar tão lindo, com tanta riqueza, beleza e amor? Por que de tanta insatisfação? Ela tinha TUDO para ser feliz, no entanto, não era.

Ensimesmada, entendeu que seu lugar não era ali. Que não nascera para ser só uma sereia. Uma ideia invadiu seus pensamentos! E se ela fosse morar na Terra, junto aos humanos, igual a Ariel?

Conhecia Ursula, a grande bruxa do mar, e ela, certamente, a ajudaria na realização desse desejo. O medo cresceu em seu coração, mas a vontade da sua alma falou mais alto!

Sem demora, foi ao encontro da bruxa para explicar sua ideia e intenção!

Ursula a recebeu com carinho! Lamares conseguiu abrir seu coração e lavou a alma por entre uma enxurrada de palavras e lágrimas!

A bruxa a ouviu com atenção e a confortou! Falou que estava muito orgulhosa por Lamares ter coragem de ouvir seu coração e que sim, iria ajudá-la a ter as pernas mais lindas do mundo! E que faria mais! Transformaria Lamares em um ser híbrido! Ao tocar a terra, teria pés e ao tocar o mar, retornaria a condição de sereia. Lamares chorou de pura emoção e felicidade!

Naquela mesma noite foi ter com o pai e as irmãs para comunicar a sua decisão! Surpreendeu-se ao ouvir que o pai a abençoava e que a única coisa que queria era vê-la feliz.

Grande festa se fez para a despedida daquela pequena sereia. O povo do mar nadou  até as proximidades da costa e junto com ela, encontraram Paul, a esperando.

Não me perguntem como ele sabia. Eu não sei como ele sabia, Lamares não sabe como ele sabia e sim, ele também não sabe como sabia. Apenas atinou que precisava estar no mar, naquele dia, naquela hora e naquela profundidade e local. Coisas que nem Afrodite explica!

Deram-se as mãos e Lamares virou-se apenas para acenar àqueles que ela tanto amava!

Já nos domínios de Gaia, foi estudar oceanografia, relações humanas e geografia. Seu mergulho em nosso mundo foi tamanho que, em dado momento, não sabia qual mundo amava mais!

Sempre que podia voltava para casa e para o povo do mar! Levou aos seus uma nova perspectiva sobre o reino humano! Sim, eles eram muitos! Sim, eles também amavam o mar! Sim, tinham alguns agressores, mas havia uma luta pela preservação da vida marinha!

Em terra, ela tornou-se uma palestrante que versava com uma absurda propriedade sobre a biologia do mar! Explicava, como ninguém, sobre os hábitos de cada grupo de animais marinhos e revelava os segredos e mistérios deste mundo paralelo.

Casou-se com Paul e tiveram filhos! Muitas “lamares e lamaros” estão entre nós, amando o mar e cuidando-o em terra firme! Defendem os cuidados com o meio ambiente, fauna, flora e todos os reinos que coabitam este planeta azul! Até ingressaram no Greenpeace e todos ainda ficam surpresos com a precisão com que ela consegue localizar agressores de baleias e golfinhos!

Lamares hoje tem uma alma plena! Ela encontrou o sentido da sua vida! O que ela identificava como errado nos seus desejos e aspirações foram o grande diferencial na sua existência e na de todos que a cercam! Sua “inadequação” era, na verdade, sua maior virtude! E se ela é feliz hoje é porque ousou quebrar o paradigma de que as sereias só podem viver e amar o mar!

Por Dani Lourenço

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