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Preguiça e displicência em novo filme de Woody Allen
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Carlos Eduardo Jorge é um dos mais renomados críticos de cinema do Paraná. Na coluna de hoje, publicada no JL, ele dá uma bela desancada em Woody Allen, aquele diretor que resolveu se aposentar há 15 anos sem avisar ninguém. Sempre que sai um novo filme de Allen gosto de frisar: o último grande trabalho dele foi “Desconstruindo Harry”. O resto é mediocridade pura patrocinada por secretarias de Turismo. Eis o texto do crítico:

Divulgação

Cidade eterna, eterno retorno

Por Carlos Eduardo Lourenço Jorge, especial para o JL

De todos os passeios turísticos que Woody Allen fez por diferentes cidades europeias nesta ultima década, seu novo trabalho é o que mais claramente evidencia certa preguiça e displicência com as quais vem encarando estas excursões off NovaYork, seu set por excelência, de onde foi banido pelos maus tratos dos produtores e para onde está voltando para rodar seu 48º filme. Em Para Roma com amor, lançamento de hoje na cidade, o cineasta manuseia seu guia de obsessões de sempre, com leveza e sem novidades, num eterno retorno aos seus temas mais caros – na verdade um único tema: a sua eterna persona, constituída por três ids, como diz no filme a mulher (Judy Davis) a seu marido, o personagem de Allen.

Para o bem ou para o mal, a esta altura ir ao cinema para ver um filme de Allen é como assistir um jogo de futebol ou uma performance de um velho astro que já deu o melhor de si. O principal prazer é continuar a vê-lo em ação, esperando que com um toque, um tema ou uma cena ele nos devolva sua carga mitológica. Não é difícil concluir que Allen curtiu cada momento ao fazer Para roma com amor, filme em que volta para frente das câmeras depois de seis anos. Mas parece haver um novo dilema para o personagem: o que ele pretende fazer quando se aposentar. Vendo Para Roma com amor, a resposta parece tão óbvia quanto suas recorrências temáticas. A resposta não está, mas é o próprio filme. É seguir filmando, embora sem se exigir como antes.

A laborterapia de Allen – registrar as velhas obsessões, mas agora rindo delas. Ao que tudo indica, está consciente das “carências” de seu cinema atual, e as está expondo em forma de piadas agora a cargo de um gênio despreocupado. Seu roteiro perfila quatro histórias que felizmente não se entrecruzam, e que compartilham uma atmosfera de homenagem à cultura italiana com outra atmosfera, esta novaiorquina, com a marca registrada Allen.

Seu personagem, duplamente aposentado como diretor de ópera e empresário discográfico, zomba de suas neuroses, de suas velhas ideias progressistas, dele mesmo, e diz à sua mulher, uma irônica psiquiatra, para pedir a Freud a fortuna que ele gastou em terapia ao longo de uma vida. Para Roma com Amor tem um par de ideias engenhosamente absurdas, embora excessivamente estendidas. A do agente funerário com formidáveis dotes para o canto lírico, mas que somente desempenha plenamente quando está no chuveiro, e aquela do homem medíocre que de repente todos tomam, sem qualquer justificativa, como estrela mediática.

As outras duas histórias estão centradas no dilema passional que é espinha dorsal em toda a obra de Allen: o adultério. O porta-voz de uma delas é vivido por Alec Baldwin, que repete aquele Humphrey Bogart imaginário de Sonhos de um sedutor (escrito e interpretado, mas não dirigido por Allen). Ele fala sobre tentação e culpa, sobre a traição que ronda as relações amorosas. Claro que tudo em tom de comédia indolente…

Resumindo. O diretor aqui opta por uma distante leveza ao abordar seus medos e amarguras mais persistentes: o casal em crise, as neuras, o passar do tempo, a morte. Num dado momento ele encerra esses contos como se fossem fábulas que não mais deseja prosseguir. Para alguns pode ser decadência, para outros a plena maturidade. Para saborear esses últimos tempos de Allen, é bom filtrar o rigor da cobrança cinéfila e se deixar levar pelas travessuras da terceira idade do personagem, do ícone, do mito. Fatigado, mas sábio.

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