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EXPEDIÇÃO SAFRA 2018/2019 - Colheita de soja no município de Montividiu-GO - FOTO: MICHEL WILLIAN/GAZETA DO POVO - 11.02.2019
EXPEDIÇÃO SAFRA 2018/2019 - Colheita de soja no município de Montividiu-GO - FOTO: MICHEL WILLIAN/GAZETA DO POVO - 11.02.2019| Foto:

O Brasil exporta pouco e poucos produtos. Importa pouco também. Acabou se integrando pouco às cadeias mundiais de valor e, por consequência, limitando o seu desenvolvimento econômico e a exposição aos avanços tecnológicos.

O mercado interno ficou protegido por muito tempo. Os consumidores têm que se virar com produtos caros e menos inovadores, e as empresas, sem acesso às tecnologias mais avançadas, muitas vezes precisam reinventar a roda para produzir com equipamentos e componentes caros e, frequentemente, ultrapassados.

Há poucos dias li um dado interessante: hoje, cerca de 2/3 do comércio internacional é movido por empresas transnacionais. A metade disso é representada por transações entre as empresas do mesmo grupo econômico, e a outra metade por vendas entre as transnacionais e seus fornecedores de diversos países.

O Brasil tem relativamente poucas empresas transnacionais, tanto de origem brasileira quanto estrangeiras. Os setores que mais contaram com a participação de transacionais e, consequentemente, com investimento estrangeiro direto, foram os que mais se desenvolveram no país: automotivo, químico, metalúrgico, mineração, petróleo e gás e indústria alimentícia. Até a nossa Embraer se tornou um player importante no mercado mundial de aviação civil por conta da sua integração à cadeia global de fornecimento de peças para aviões, e agora, passando a integrar o grupo Boeing, tende a se desenvolver ainda mais.

O Brasil assinou pouquíssimos acordos de livre comércio e acabou ficando à margem da onda de globalização. E agora? Tanto o setor privado como o governo reconhecem a importância da abertura econômica e do aumento da participação do Brasil no comércio global.

Entretanto, precisamos estar atentos a algumas importantes mudanças que estão acontecendo no mundo, para adequar a nossa estratégia. Em recente relatório, a Organização Mundial do Comércio (OMC) observou o declínio de vários indicadores relacionados ao comércio internacional no começo de 2019. As crescentes tensões mundiais estão contribuindo com a queda. Com isso, é possível que a OMC baixe ainda mais, dos atuais 3,7%, sua previsão de crescimento do comércio internacional para este ano, que já havia sido fixada abaixo do mesmo dado de 2018 (3,9%).

Além das incertezas por conta da guerra comercial, do Brexit e das medidas protecionistas e sanções econômicas aplicadas ao redor do mundo, a redução do fluxo de mercadorias é causada pelas transformações do próprio comércio internacional.

No mês passado, o McKinsey Global Institute (MGI) publicou o estudo “Globalization in transition: The future of trade and value chains” (“Globalização em transição: O futuro do comércio e das cadeias de valor), onde analisa essas mudanças, apontando para a reversão da tendência de expansão da globalização.

A consultoria analisou 23 cadeias industriais de valor no âmbito de 43 países, responsáveis por 96% do comércio mundial, e concluiu o seguinte: apesar do crescimento da produção e do comércio mundiais em números absolutos, a parcela da produção que é vendida no comércio internacional diminuiu muito. Entre 2007 e 2017, as exportações caíram de 28,1% para 22,5% de tudo o que é produzido no âmbito de cadeias de valor de bens.

Durante a última década, apenas 18% do comércio total de bens foi decorrente do deslocamento da produção para os países com mão de obra mais barata. Nesse período, a participação dos mercados emergentes no consumo global aumentou cerca de 50%. Com o aumento da demanda, a China e outros países em desenvolvimento passaram a consumir cada vez mais daquilo que produzem e exportar cada vez menos. Trocando em miúdos: as fábricas não estão mais indo para a Ásia porque a mão de obra lá é mais barata, e sim porque o mercado consumidor na China e em seus vizinhos tem crescido substancialmente.

Em decorrência disso, os países em desenvolvimento estão aprimorando as suas cadeias de produção e dependem cada vez menos da importação de bens intermediários (com exceção dos componentes de alta tecnologia, como microprocessadores, chips etc.). Além disso, o avanço tecnológico com o fluxo de dados, plataformas digitais, automação, inteligência artificial etc. possibilitou que as cadeias de produção de bens, particularmente nos setores automotivo, de bens de informática e eletrônicos, ficassem cada vez mais concentradas regionalmente, especialmente na Ásia e na Europa.

Esse movimento foi apelidado por especialistas de “glocalização”. A produção está mais local, regional, em proximidade aos consumidores. Menos mercadorias atravessam os oceanos.

E o Brasil nesse cenário? Lembrando do economista Celso Furtado, que descreveu a importância dos ciclos da cana-de-açúcar, do ouro e do café no desenvolvimento econômico e no comércio exterior do Brasil, a soja com certeza marca o momento de hoje. É o produto que o Brasil mais exporta (seguido de minérios e petróleo – recursos naturais que tanto a Europa como a Ásia não têm como obter localmente).

Apenas o complexo soja foi responsável por 17% do total de US$ 239,5 bilhões exportados pelo Brasil no ano passado. Praticamente, 1 em cada 6 dólares exportados foi decorrente de soja em grão, farelo ou óleo de soja. Muito por conta do conflito entre os Estados Unidos e a China, chegamos a exportar quase 84 milhões de toneladas do produto, sendo responsáveis por mais da metade das vendas externas globais.

Conforme as projeções do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos (USDA), na próxima década continuaremos sendo o maior exportador mundial de soja, segurando a participação de cerca de 50% do comércio mundial do produto.

E além da soja? As projeções para a exportação de produtos agropecuários em geral são boas. De acordo com o USDA, o Brasil quase que dobrará as suas exportações de milho, saindo de 22 para 42,3 milhões de toneladas em 2018, sendo responsável por 22% das vendas mundiais (perdendo apenas para os Estados Unidos).

O USDA estima um aumento de 49% nas exportações brasileiras de frango e de 56% nas exportações de carne bovina na próxima década, chegando a 5,9 e a 2,9 milhões de toneladas, respectivamente, em 2028. De acordo com as previsões, o Brasil continuará sendo o maior exportador mundial desses produtos.

No caso da carne de porco, está previsto um aumento de 28% das exportações, chegando a um milhão de toneladas em 2028. O Brasil deve manter a quarta posição no ranking dos principais exportadores, atrás da União Europeia, Estados Unidos e Canadá.

Com relação aos produtos manufaturados, que representaram apenas 36% das exportações totais do Brasil em 2018 (US$ 86,6 bilhões) e semimanufaturados (13% do total exportado, US$ 30,6 bilhões), o Brasil precisará observar as novas tendências no comércio internacional.

Tal como os ciclos da cana, do ouro e do café, o ciclo da soja vai acabar um dia. O Brasil precisa aproveitar esse boom de exportações do complexo soja para se preparar para a nova etapa: modernizar o seu parque fabril, investir em inovação e tecnologia digital e em formação e qualificação de mão de obra, além de desenvolver o setor de serviços. O Brasil precisa resgatar a lição do Estado de São Paulo que cresceu muito no século XX porque soube aproveitar a renda do café para criar um parque industrial moderno para aquela época.

O Brasil tem um grande mercado consumidor, mas o seu crescimento depende da inserção internacional. A estratégia passaria por olhar para os países da região: Mercosul, Aliança do Pacífico, Estados Unidos e outros países das Américas. Será preciso se reinventar. Começar a olhar para frente. Só assim podemos aproveitar os benefícios da glocalização. Não será nada fácil. Mas essa estratégia vai engrandecer o País.

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