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Na foto, o prédio da China Central Television (CCTV), um dos ícones de Pequim. (Foto: Bigstock)
Na foto, o prédio da China Central Television (CCTV), um dos ícones de Pequim. (Foto: Bigstock)| Foto:

Na semana passada, as instituições de Bretton Woods − o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional − realizaram suas famosas “Spring Meetings” (“Reuniões de Primavera”) em Washington. Os encontros, que seguem uma estrutura semelhante à do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, reuniram presidentes de bancos centrais, ministros de economia, parlamentares, empresários e representantes da academia e da sociedade civil dos 189 países-membros para discutir o cenário econômico, o desenvolvimento, a situação do sistema financeiro global e a eficácia dos programas internacionais de cooperação e ajuda para a redução da pobreza.

As instituições de Bretton Woods foram criadas em 1944 para reconstruir a economia global no período pós-guerra, reduzindo a fome e a pobreza. O que mais se ouvia nos Spring Meetings era que o Banco Mundial deveria voltar às origens, focando nos países com menor desenvolvimento, principalmente aqueles em situação econômica frágil e em pós-conflito. É estimado que justamente nesses países estará concentrada a metade da população mais pobre do planeta em 2030.

Nesse contexto, a atenção se voltou para a China. O país é a segunda maior economia mundial, mas figura entre os principais tomadores de empréstimos assistenciais do Banco Mundial. Conforme uma recente matéria da agência Bloomberg, a China foi o segundo maior cliente do Banco Mundial nos cinco anos fiscais terminados em 30 de junho de 2017, com US$ 86,2 bilhões em empréstimos assistenciais (a Índia foi o maior tomador, com US$ 185,5 bilhões, a Indonésia ficou em terceiro lugar, com US$ 78,7 bilhões, e o Brasil em quarto, com US$ 77,3 bilhões).

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Está clara a urgência na reformulação das políticas de empréstimos do Banco Mundial em um contexto em que a China se tornou um dos principais players mundiais tanto no comércio quanto nos investimentos, tendo fortalecido seus próprios empréstimos assistenciais a um grande número países ao redor do mundo. Enquanto toma empréstimos assistenciais do Banco Mundial, estende o mesmo tipo de empréstimos aos países em relação aos quais quer exercer sua influência. A propósito, o Brasil também está sendo objeto de análise em termos de volumes de recursos em projetos assistenciais, já que apresenta uma renda média mais elevada.

As discussões se estendem à Organização Mundial do Comércio (OMC), com a proposta de “graduação” da China, com a saída da lista de países em desenvolvimento que precisam de um “tratamento especial e diferenciado”. Se já é um gigante econômico, pode e deve competir em condições iguais com os Estados Unidos, União Europeia, Japão e outros países desenvolvidos.

Guerra comercial entre os Estados Unidos e a China

Os Estados Unidos, que foram o principal protagonista da reformulação das políticas em relação à China, estão tentando resolver uma parte dos problemas de forma unilateral, através da imposição de tarifas mais altas para as importações de produtos chineses. Essas tarifas, juntamente com as sobretaxas retaliatórias aplicadas pela China, já afetam produtos com valor de cerca de US$ 360 bilhões no comércio bilateral. E os Estados Unidos ameaçam sobretaxar mais US$ 200 bilhões em importações chinesas caso o impasse persista.

A administração do presidente Trump alegou motivos de segurança nacional para aumentar as tarifas para os produtos chineses, com o objetivo de restringir importação, reduzir o déficit comercial com a China e estimular a produção doméstica e a criação de empregos nos Estados Unidos.

Entretanto, logo ficou claro que o impasse é muito maior e que os Estados Unidos questionam o poderio chinês na área tecnológica e de inteligência artificial, alcançado através de táticas governamentais e empresariais consideradas desleais. Os EUA pedem que a China reforce as suas regras de propriedade intelectual, reduza subsídios governamentais e abra seu mercado para a atuação de empresas estrangeiras.

Nesse contexto, causa estranheza a atitude de Washington: ora, se é para criar empregos nos EUA, porque exigir que a China melhore o ambiente de negócios e abra mais espaço para as empresas americanas atuarem lá? Isso só vai aumentar a presença de indústrias e do setor de serviços americanos na China, diminuindo, por consequência, a produção nos Estados Unidos…

Mas a contradição só demonstra a amplitude de interesses dos Estados Unidos e as muitas facetas que existem na sua relação com a China.

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O acordo parece estar próximo

O conflito entre esses dois países está prejudicando não apenas as suas economias, que estão desacelerando, mas a economia mundial como um todo, impactando negativamente o comércio, os investimentos e os mercados de capitais. O FMI está projetando um ritmo mais lento de expansão da economia global para este ano, de 3,3%, abaixo do crescimento de 4% em 2017 e de 3,6% em 2018.

Espera-se, entretanto, que as tensões diminuam muito em breve, já que o presidente Trump buscará reeleição em novembro de 2020. O conflito atrapalha a relação de Trump com o agronegócio americano, cujo apoio é importante no cenário eleitoral. É o setor que mais foi afetado pela retaliação da China.

A Bloomberg relata que, como parte do acordo, os chineses prometem aumentar em US$ 30 bilhões suas compras anuais de produtos agropecuários (soja, milho, carnes, trigo, arroz etc.), acima dos valores pré-guerra comercial (cerca de US$ 24 bilhões em 2017), bem como incrementar as importações de outras commodities e de energia, para reduzir o déficit dos EUA no comércio bilateral. Para conseguir mais que dobrar as suas importações de produtos agropecuários americanos, os chineses estão dispostos a transferir as tarifas retaliatórias dos produtos agropecuários para produtos de outros setores.

Esse possível remanejamento das tarifas indica uma provável manutenção de alíquotas mais altas tanto pelos EUA quanto pela China, mesmo após as partes terem alcançado acordo. Assim, o objetivo é continuar restringindo o comércio.

Por outro lado, e ainda conforme a Bloomberg, Beijing sinaliza a possibilidade de permitir a atuação de empresas com 100% de capital estrangeiro no seu território, sem a necessidade de ter um parceiro local ou de licenciar tecnologia a uma empresa local. O Wall Street Journal especifica que a proposta inicial da China era liberar a atuação de empresas estrangeiras apenas em zonas econômicas especiais, mas os EUA estão pressionando pela remoção dessa restrição.

O jornal informa também que os interesses dos Estados Unidos estão focados nos setores de computação em nuvem e de processamento de dados, que são estratégicos para o desenvolvimento de vários outros setores empresariais, mas onde há várias restrições em relação à operação de empresas estrangeiras. É possível que a China faça concessões nesse segmento.
É possível uma “convivência pacífica”?

O professor de Economia Política Internacional da Universidade de Harvard Dani Rodrik tem uma teoria interessante em relação às raízes do impasse entre os Estados Unidos e a China. Ele chama de “hyper-globalism” (hiperglobalização) a visão de que “os países precisam abrir suas economias para as empresas estrangeiras, independentemente de consequências para as suas estratégias de crescimento ou modelos sociais”.

Rodrik explica que quando a China aderiu à OMC em 2001, era esperado que ela se tornasse uma economia de mercado conforme o modelo ocidental. Isso não aconteceu e, provavelmente, não vai acontecer num futuro próximo. Pelo contrário, a China se tornou uma potência econômica usando políticas industriais heterodoxas, em violação às regras da OMC. E com isso, inclusive, impulsionou o crescimento da economia global.

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Rodrik acha compreensível que o gigante asiático queira continuar com a abertura gradual e sequenciada de sua economia para a concorrência internacional para evitar impactos negativos para o seu mercado de trabalho e seu progresso tecnológico.

Rodrik defende a “coexistência pacífica” (termo usado no período da guerra fria para descrever a relação entre os Estados Unidos e a União Soviética): os EUA não vão conseguir reformar a economia chinesa seguindo o conceito de economia de mercado capitalista e a China precisa reconhecer as preocupações americanas, aceitando eventuais restrições de acesso ao mercado americano, baseados nessas preocupações. Essas preocupações dos EUA são em relação aos empregos domésticos (ameaçados por importações baratas por conta do “dumping social” − regras trabalhistas, ambientais e sociais menos rígidas na China) e quanto à proteção da propriedade intelectual e de interesses de segurança nacional (investimentos estrangeiros em áreas consideradas sensíveis, como por exemplo, a quinta geração de redes de telefonia móvel).

Essa visão de coexistência pacífica aparentemente norteou um recente relatório da Comissão Europeia (“EU-China – A strategic outlook”) que caracteriza a China como “simultaneamente, em diferentes esferas de políticas, um parceiro para cooperação, com quem a UE tem objetivos muito alinhados, um parceiro para negociação, com quem a UE precisa achar um balanço de interesses, um competidor econômico em busca de liderança tecnológica, e um rival sistêmico que promove modelos alternativos de governança”. O documento propõe uma política europeia única, “flexível e pragmática”, que “encoraje a defesa de interesses, princípios e valores”.

É comum ouvir a frase: “quando a economia chinesa espirra, o mundo pega resfriado”. O balanço entre interesses e oportunidades é a melhor tática para lidar com a China no contexto global e de países individuais. Em breve, estão sendo planejadas visitas de várias autoridades brasileiras, inclusive do próprio Presidente Bolsonaro, à China. Vale a pena pensar em uma abordagem balanceada e pragmática, que mais atenda aos interesses do Brasil.

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