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George Coyne e o “universo fértil”
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Na semana passada, eu comentei a notícia de que pesquisadores ingleses haviam conseguido criar, em laboratório, nucleotídeos de RNA – superando assim uma primeira etapa na tentativa (cujo sucesso me parece ainda bem distante) de fazer surgir formas muito elementares de vida. E expliquei que, na opinião de teólogos de várias religiões, isso não significava necessariamente um golpe na crença em Deus, pois para esses teólogos não seria necessária uma intervenção divina direta para a criação da vida. A descoberta seria apenas um abalo no chamado “Deus das lacunas”, aquele que serve só para explicar o que ainda não tem explicação científica.

Partindo deste princípio, meu amigo Alexandre Zabot, astrônomo, me sugeriu um texto do padre jesuíta norte-americano George Coyne, ex-diretor do Observatório Vaticano. A dança do universo fértil (o link remete para um PDF em inglês) é escrito numa linguagem acessível para quem não tem conhecimentos avançados de Astronomia, e desenvolve a ideia de que, além de acaso e necessidade, é preciso acrescentar um terceiro componente na busca pelas respostas sobre nossas origens: a fertilidade do universo. Por “fertilidade” entende-se que o próprio cosmo traz dentro de si as potencialidades para o surgimento da vida. “À medida que as estrelas vivem e morrem, elas proporcionam os elementos químicos necessários para a evolução da vida”, afirma o padre Coyne. Mais adiante, ele explica o processo de surgimento e morte das estrelas, muito importante para a nossa discussão: “As primeiras formas microscópicas de vida surgiram apenas depois de 12 bilhões de anos, em um universo de 14 bilhões de anos. Por que tanto tempo para se conseguir uma simples ameba? (…) Não tínhamos a química necessária para se fazer uma simples ameba até que tivéssemos três gerações de estrelas.”

Divulgação
George Coyne foi diretor do Observatório Vaticano até 2006, e ainda trabalha na Universidade do Arizona (EUA).

Se o próprio universo tem a potencialidade (ou a “fertilidade”) para o surgimento da vida, não é necessário um milagre para termos o Sistema Solar, nosso planeta, ou uma ameba. Aí entra em jogo a “dança” do título do artigo: Coyne descreve o balé formado por acaso, necessidade e fertilidade, mostrando como esses três fatores se combinam para que o universo tome o rumo que tem tomado.

Mais adiante, Coyne explicará como se concilia a crença em Deus com essa noção de um universo que aparentemente dispensa a divindade, por conter em si mesmo a potencialidade para desenvolver a vida. “Não precisamos de Deus para explicar o universo como o vemos hoje. Mas, se eu acredito em Deus, o universo como o vejo hoje diz muito sobre o Deus em que acredito”, afirma. Coyne ataca a tentação de transformar Deus em uma “explicação” de tudo, o nosso já conhecido “Deus das lacunas”. E diz que Deus lida com o universo não como o relojoeiro newtoniano, mas como um pai. “Deus trabalha com o universo. O universo tem uma certa vitalidade, assim como uma criança. Você disciplina a criança, mas tenta preservar e enriquecer a personalidade desta criança e sua própria paixão pela vida. Um pai precisa deixar que a criança se torne adulta e faça suas escolhas, seguindo seu caminho pela vida. É desse jeito sábio que Deus lida com o universo”, diz o padre Coyne. Certamente, isto é uma analogia. Mas apenas com analogias, argumenta o jesuíta, é possível falar de Deus.

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