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"Galileo's battle for the heavens" foi originalmente exibido em 2002. (Imagem: Divulgação)
"Galileo's battle for the heavens" foi originalmente exibido em 2002. (Imagem: Divulgação)| Foto:

Nova é uma série de documentários sobre ciência que está no ar desde 1974 na PBS, o canal público norte-americano de televisão. Temos de aplaudir o simples fato de um programa televisivo desse gênero se manter vivo por quatro décadas. Não sei se todos os episódios estão disponíveis em DVD, mas outro dia encontrei à venda na internet um programa exibido em outubro de 2002: é Galileo’s battle for the heavens, baseado no livro A filha de Galileu, da escritora norte-americana Dava Sobel. Comprei o meu na Amazon, mas o próprio site da PBS tem uma transcrição completa do episódio.

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“Galileo’s battle for the heavens” foi originalmente exibido em 2002. (Imagem: Divulgação)

Com duas horas de duração, o programa é um documentário que mescla entrevistas de especialistas (como o jesuíta Guy Consolmagno, a própria Dava Sobel, o astrônomo Owen Gingerich, além de outros historiadores e cientistas) com dramatizações de episódios da vida de Galileu e de sua primeira filha, Virginia Gamba, que depois entrou em um convento e se tornou a irmã Maria Celeste (nome com um duplo sentido um tanto apropriado, ressalta Dava Sobel). Achei um tanto estranho ver Simon Callow, o ator que interpreta Galileu, recitando para a câmera trechos das cartas e outros escritos de seu personagem, mas o que importa mesmo é a descrição da vida do astrônomo, suas teorias e seu processo inquisitorial.

E, nesse quesito, o documentário vai bem. Não digo que vai muuuuuito bem, mas é uma descrição razoavelmente fiel, melhor do que a média do que lemos e vemos sobre Galileu por aí. Os entrevistados, por exemplo, mostram o contrassenso que era, na época de Copérnico e Galileu, dizer que a Terra se movia em altas velocidades pelo espaço, algo totalmente contrário ao senso comum, pois deveríamos “perceber” esse movimento. A personalidade arrogante de Galileu, que lhe rendeu muitos inimigos desnecessariamente, também é mencionada. Os entrevistados deixam claro que Galileu nunca se viu como adversário da Igreja; era um bom católico que desejava manter a Igreja na vanguarda da ciência. E a descrição feita da famosa carta à grã-duquesa Cristina de Toscana, que levou ao processo de 1616, é correta ao mostrar como o texto vai muito além da astronomia para entrar em temas de teologia e interpretação bíblica.

Galileu é interpretado pelo ator britânico Simon Callow.

Galileu é interpretado pelo ator britânico Simon Callow. (Foto: Divulgação)

Mas é justamente aí que aparece uma das lacunas do filme: ele não explica o contexto da Contrarreforma, que reservou exclusivamente ao clero católico o direito de interpretar a Escritura e, se necessário, propor novas interpretações. E foi justamente isso (e não a mera defesa do heliocentrismo) que causou problemas a Galileu. Também percebi exageros na descrição do geocentrismo como dogma católico, e na maneira como tanto a Inquisição quanto Roberto Belarmino foram retratados. O cardeal é descrito como uma pessoa que até teve, no passado, interesse por temas científicos, mas com o tempo foi ficando cada vez mais “bitolado”. Só de passagem é mencionada sua carta a Antonio Foscarini na qual Belarmino revela, sim, uma abertura à possibilidade de reconsiderar a visão geocêntrica se houvesse uma prova irrefutável. Menos mal que o documentário também lembra que Galileu estava errado ao apresentar as marés como essa prova.

Quanto ao processo de 1633, que resultou na condenação de Galileu, o documentário também tem muitos acertos. O primeiro e maior deles é lembrar que a condenação resultou, principalmente, da desobediência de Galileu às ordens recebidas em 1616. O filme mostra como Urbano VIII se mostrou mais aberto à possibilidade de Galileu publicar suas obras, desde que tratasse o heliocentrismo como hipótese, e os especialistas reconhecem que o Diálogo era uma defesa explícita do modelo copernicano, inclusive colocando argumentações de Urbano VIII na boca do personagem Simplício (mas o filme me parece entrar no terreno da especulação ao dizer que o papa nunca chegou realmente a ler o Diálogo, contentando-se com o que ouviu falar a respeito da obra). A parte de contextualização que faltou na descrição dos acontecimentos de 1616 aparece agora, com Dava Sobel explicando as dificuldades pelas quais Urbano VIII passava e que o impediam de ser condescendente com seu antigo amigo astrônomo. Por fim, o documentário termina de uma forma mais tranquila, descrevendo as demais colaborações de Galileu para a ciência, e encerrando com a reabilitação do astrônomo em 1992, pelo papa João Paulo II.

Enfim, como eu disse, está acima da média, e está ok para quem procura um produto audiovisual sobre o tema. Mas o que eu sigo recomendando mesmo é o livro de Annibale Fantoli Galileu: pelo copernicanismo e pela Igreja, que inclusive aborda muitos aspectos ignorados pelo documentário da PBS, como a existência de outros modelos planetários na época de Copérnico e Galileu.

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