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Perdido em Shenzhen
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Ni Hao,

Assim que chegamos à Shenzhen, uma experientíssima brasileira me deu uma dica super importante: _Equipe cada um dos seus filhos com um celular e o endereço de casa escrito em caracteres por que, se eles se perderem, nunca mais vão conseguir voltar para casa!

Diante de tal afirmação, equipei-os rapidamente, não só com o telefone e o endereço de casa, como também com vários outros endereços úteis, além do telefone da Liu e de frases-chaves para trocar com os taxistas.

Chris Dumont
Chris Dumont

Apesar de carregar toda esta porcariada na minha carteira, entrar num taxi é sempre uma aventura. Confesso que, agora que sabemos o caminho dos principais lugares que vamos, tais como a escola, o supermercado e o shopping center (nossa, que vidinha de interior né?), tudo ficou mais fácil.

A gente fala o endereço, pergunta se o cara entendeu e aguarda. Se ele não falar nada e ligar o taxímetro, é porque entendeu. Se ele desandar a falar, a gente repete mais 3 vezes com entonações diferentes e fecha com a frase “nididao ma?” que significa, “você entendeu?”. Se ele não ligar o taxímetro de jeito nenhum, melhor sair do taxi e pegar outro, antes de parar em algum lugar longínquo desta cidade de 14 milhões de habitantes!

Houve uma época em que o Dudu pegou uma mania chata de perguntar “nididao ma?” depois que o cara já tinha ligado o taxímetro e arrancado com o carro. O cara reconhecia alguma coisa parecida com mandarim, olhava para o banco de trás e começava a perguntar confundindo tudo que já estava resolvido. Eu e as crianças passamos a entrar no taxi, dizer o endereço e mandar o Dudu calar a boca automaticamente.

Enfim, foi com o Dudu que vivi uma nova e angustiante experiência.

Nosso novo apartamento fica longe da escola. Contratei o marido da Liu para levar as crianças de manhã cedo, mas deixei-as livres para voltar da maneira que achassem mais convenientes: ônibus, metrô ou até a pé.

Meu grande problema é que o Dudu, que tem apenas 10 anos incompletos, parece e se comporta como se tivesse mais (fruto de anos de aprendizado com os irmãos mais velhos). Juntando isso ao fato desta cidade ser totalmente segura no que diz respeito a assaltos, sequestros, balas perdidas etc., eu acabo dando mais reponsabilidade para o Dudu do que deveria.

Semana passada, ele foi à casa de um amigo perto da escola e eu aproveitei para testá-lo:

_Dudu, volta para casa de ônibus. Pega o 109 ou B687 ou o J1 e salta na estação Xin Jie. Vai ser moleza, filho!

Meia hora mais tarde, me liga o Dudu:

_Desci na estação, estou reconhecendo as raízes das árvores no chão, mas não sei onde estou.

_ Raízes? Peraí, Dudu. O ponto de ônibus cheio de raízes no chão fica do outro lado da rua onde pegamos o ônibus para ir. Você está voltando! Atravessou alguma rua?

_Não tô entendendo nada desse negócio de ir e voltar!

_ Onde você está?

_ Não seiiiii!!!!

_ Olha para cima. Dá para você ver o nosso prédio que é super alto?

_ Mãe, só tô vendo árvore!

_ Qual o nome da estação?

_ Onde a gente lê o nome da estação?

_ Naquelas placas cheias de caracteres aí no ponto. É só procurar a única coisa escrita em letra normal.

_ Eu já andei na direção de casa. Não estou mais no ponto.

_ Volta para a p****. do ponto e lê o nome.

_ O nome é Dongjiaotou! Eu me lembro! Desci na Dongjiaotou.

_ Caraca, porque você desceu na Dongjiaotou se eu falei para descer na Xinjie?
(Parênteses: Sentiram como decorar e ler todos esses nomes não é moleza?)

_ Eu achei que era essa! Estou voltando para o ponto. Faço o que agora?

_ Pega o ônibus de novo e salta uma estação para frente porque você desceu uma antes. (Parênteses: agora fui eu quem errei. Ele já tinha descido uma para frente e eu mandei-o ir mais para frente ainda!)

Eu de novo:

_Já pegou ?

_ Já.

_ A trocadora perguntou para onde você vai? (Em Shenzhen, a passagem varia de acordo com a distância percorrida, por isso, antes de cobrar, a trocadora sempre pergunta “qu na li?”)

_ Ela tá falando comigo. Não tô entendendo nada. Fala aqui com ela.

_ Dudu!!!! Du… Ah, Ni Hao. Xinjie, Xinjie.

_ Mãe, ela balançou a cabeça e olhou para trás. Agora fez uma volta com a mão. Não sei onde eu tô. Vou descer, vou descer!

_ Então desce que eu vou pegar o ônibus e te procurar!

_ Ela tá dizendo para eu não descer.

_ Desce!!!!!!!!!!!!!!!!!!

E lá fui eu, num sol de fritar ovo no asfalto, andando até o ponto do ônibus (que saudades do meu carrinho!), atendendo o celular de 10 em 10 segundos para acalmar o Dudu, pegar o J1 e descer 5, eu disse 5! estações para frente!!!

Finalmente, depois de pensar que o Dudu tinha realmente atravessado a rua e pego o ônibus do lado errado, achei-o desamparado e agarrado ao celular falando comigo sem nem perceber que eu já havia chegado!

Abracei o pobrezinho até ele recuperar a autoconfiança e voltei a pé para casa, andando todas as 5 estações, para ele poder ir reconhecendo o caminho.

Para completar, ainda tive que aguentar a maior ladainha de “nunca mais eu ando de ônibus, eu te avisei que isso não ia dar certo, vou pegar o metrô, só vou andar de taxi, é impossível viver aqui, olha para isso, é tudo igual, tá vendo as raízes no chão…. e, por fim, como é que vocês viviam sem celular quando eram crianças?”.

Boa pergunta. Sei lá. Vocês se lembram?

Enfim, depois disso tudo, o que o Dudu fez ontem voltando para casa, de taxi, com o Marcos?

Perdeu o celular… pela terceira vez!

Merece ou não ficar perdido por aí?

Chris Dumont
Chris Dumont
Chris Dumont

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