Quem nunca passeou os olhos por um caderno de receita da avó? Dependendo da família, eles ficam guardados na cozinha, em meio aos livros de receita ou ganham destaque na decoração da casa. Mais que guardar modos de preparo, eles guardam a história da família. Algumas vezes, as receitas saem do almoço de domingo e vão direto para o cardápio de um restaurante, como no MB Brasserie, da chef Manu Buffara, que colocou no menu das sobremesas o pudim de pão de um livro que a sua avó materna Lelia Buffara lhe deu. “Ela me entregou quando comecei a trabalhar com gastronomia. Tem outras coisas que eu uso, porque tem muita técnica de cozimento neste livro de 1930. Por exemplo, o caldo de carneiro usa apenas o osso, tem um bolo doce de foie gras, tem curas de carne, carne de sol feita só no sal e açúcar”, cita.
Na família de Lucas Sales, estudante de jornalismo, é tradição que cada um escreva seu próprio caderno de receitas. Seu primeiro está na casa dos pais, em Campo Grande, Mato Grosso, mas recentemente ele começou um novo, ainda com duas receitas. “Às vezes eu pego receita de embalagem de produto. Cada um anota o que mais gosta. O do meu pai tem bolinho de chuva, arroz doce. Minha mãe é do Nordeste, então no caderno dela tem muitas receitas com peixes, mais portuguesas, com bacalhau”, conta.
A pesquisadora de cultura alimentar Juliana Reinhardt, autora da tese “Dize-me o que comes e te direi quem és: alemães, comida e identidade”, explica que o caderno de receitas era tido como um tesouro há algumas décadas, quando as mulheres não tinham tantos direitos quanto atualmente e exerciam seu poder sobre a comida. “Quem recebe são as filhas mais zelosas ou, às vezes, as mães não acham que as filhas têm esse interesse pela cozinha e davam os cadernos para as sobrinhas. Esses cadernos eram vistos como tesouros dessas mulheres. No passado mais remoto, a mulher não tinha muito poder, seu poder era exercido na comida, na cozinha. A forma de guardar esse poder era no caderno, passado de geração em geração”, explica.
É com carinho que a bancária aposentada Taísa Bauer lembra dos pratos preparados por sua mãe: empadão de frango, salgado de queijos, nega maluca, pavê de sonho de valsa, torta de bolachas com coco. “Gosto muito de cozinhar e me aventuro a reproduzir as delícias de mamãe. Aliás, quando penso nela na cozinha, imediatamente me lembro de sua pizza caseira, que era simplesmente sensacional!”, diz. Única mulher entre os três irmãos, Taísa recebeu o caderno pelas mãos de seu pai, mas não quer guardar as anotações da mãe só para si: “apesar de o livro de receitas estar comigo, pretendo reproduzi-lo e presentear meus irmãos com cópias. Acho que mais que as simples receitas ali impressas, este livro contém fragmentos inesquecíveis que fizeram parte da vida de nossa mãe”. As filhas, Bruna (24) e Gabriela (18), são incentivadas pela mãe a pegar gosto pelas panelas. “Procuro ensinar minhas receitas favoritas”, diz.