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Chef paranaense é coroado em lista dos melhores restaurantes latinos
O chef paranaense Alberto Landgraf só tem motivos para comemorar. O paranaense, nascido em Cornélio Procópio, há dois anos desembarcou em São Paulo com a proposta de uma cozinha autoral e de valorizar os ingredientes.
Seu restaurante, o Epice, tem sempre as reservas lotadas e foi listado com o 41º. melhor da América Latina pela revista inglesa Restaurant na noite desta quarta-feira (4), em evento em Lima, Peru. A casa fica em uma das regiões mais badaladas da capital paulistana, o bairro Jardins, tem 30 lugares e cardápio enxuto.
Landgraf tem 33 anos. Embora nascido em Cornélio Procópio, foi criado em Maringá, onde sua família mora até hoje. Quando está na casa da mãe, adora comer arroz feijão e batata frita. Da infância, tem a lembrança das viagens até Curitiba, onde comia frango frito em restaurantes de beira de estrada em Ponta Grossa – no meio do caminho.
A paixão pela gastronomia começou por acaso. Quando foi fazer um curso de inglês na Inglaterra, trabalhou em um restaurante para juntar dinheiro. Um dos amigos de ofício lhe aconselhou que a carreira gastronômica poderia lhe render bons frutos. “Mas aos 20 anos eu não tinha fritado um ovo na vida,” revela.
Depois de cursar gastronomia no país da rainha, trabalhou em alguns restaurantes ingleses e franceses, quando resolveu voltar ao Brasil. Após uma rápida passagem por Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte, decidiu abrir um restaurante em São Paulo. “Queria fazer cozinha autoral e contemporânea. Minha intenção era brigar com os pesos pesados”, afirma.
Em março de 2011 abriu o Epice e desde então já ganhou mais de 20 prêmios nacionais e internacionais.
Em agosto, Landgraf veio a Curitiba participar da Feira Mundo Gastronômico, realizada pela Efex (grupo de eventos do Positivo) em parceria com a Gazeta do Povo. Na ocasião, já sabendo que estaria na lista dos 50 Melhores da América Latina, falou sobre tradição e inovação nesta conversa inédita com o Bom Gourmet.
Como você explica o sucesso do Epice tão rápido em um mercado muito competitivo como o de São Paulo?
Abri em março de 2011. Queria que o restaurante se mantivesse. No primeiro ano foi muito bom porque tudo era novidade. No segundo, tinha que manter o interesse das pessoas e conseguimos. Nesse terceiro, está sendo uma coisa complicada porque São Paulo está em uma crise muito forte. O PIB do país está em queda e os protestos acabaram com a gente. Nós estamos em um momento de se adaptar, de entender o mercado. Entender principalmente a questão dos preços pois quando o dólar sobe afeta diretamente o mercado de restaurantes. Além da matéria-prima encarecer, quem frequenta o nosso restaurante também tem algum dinheiro na bolsa de valores ou investe em dólar. E isso afeta o consumo. Mas, apesar disso tudo é gratificante. Não existe restaurante estável. É difícil continuar se reinventando e despertar o interesse das pessoas. Se abrir um estabelecimento do meu lado, pode ser o pior do mundo, mas pelo menos cinco dos meus clientes vão querer conhecer. A quadra em que eu abri há três anos só tinha o Epice. Hoje tem mais três restaurantes.
Em relação ao conceito do restaurante. Você desde o começo o abriu como gostaria ou ainda falta algo?
Sempre foi um restaurante com os melhores ingredientes e técnicas em prol deles. Não uso técnica pela técnica. Faço pratos, por exemplo, em que vão sete ingredientes e dez técnicas para ficar pronto. Em teoria, ele é simples e complexo ao mesmo tempo. Gosto muito da definição do jornalista Josimar Melo sobre a minha cozinha: ‘extremamente difícil de conceber e executar, mas muito fácil de assimilar para quem come’. Minha obrigação é essa: passar para o cliente que a missão dele é comer e gostar, não saber como fazer. Os meus pratos são resultados dos meus gostos. E isso muda ao longo do tempo. Hoje eu tenho esse entendimento. Daqui há dez anos, vou dizer para você que mudei. Hoje fala-se muito de cozinha brasileira. Eu conheço os fornecedores de todos os ingredientes que apresentei aqui na aula show [do Mundo Gastronômico] . Mas, infelizmente, nenhum deles as pessoas identificam como cozinha brasileira porque estão fora da Amazônia.
E qual é o papel do chef enquanto pesquisador na hora de buscar ingredientes brasileiros?
Acho que os ingredientes amazônicos fazem sentido naquele contexto. Trazer um ingrediente de Belém para o meu restaurante é igual a trazer um ingrediente de Paris. Fica fora de contexto. Não que eu deixe de usar insumos importados, mas não quero meu trabalho seja baseado nisso. Quero que o foco seja no que está próximo a mim.
O uso de ingredientes como a pupunha e o mel de abelha nativa do litoral paranaense é o resultado dessas influências?
Há algum tempo, fui convidado por uma revista para fazer uma reportagem sobre ingredientes brasileiros e queriam que eu fosse para a Bahia. Eu falei que só viajaria se fosse para Guaraqueçaba ou Antonina. Quando eu era criança passava férias nesses lugares. Fui tentar buscar as minhas raízes. Achei, inclusive, que lá ia ficar muito em função da pesca. Só que eu encontrei outro universo. Por um lado fala-se que a tradição gastronômica do Paraná é muito forte na imigração. Mas, ao mesmo tempo, tentam achar uma única gastronomia. Não tem por que de buscar uma identidade muito específica. Tenho a obrigação de apoiar o que está perto de mim. Gastronomia brasileira não é só amazônica. Não preciso trazer um pirarucu, um peixe filhote. Tenho que valorizar a criação de porco ou cordeiro que está perto do meu restaurante.
E do Paraná o que você traz?
Minha cozinha é consequência do que eu sou. Meu pai é alemão e minha mãe japonesa. Somos um país de imigrantes e o Paraná é formado à base de imigrantes. O que eu levo é que não existe certo e errado. Existem culturas diferentes. Você pode olhar de fora e absorver o que tem de melhor de cada uma dessas culturas. O que aprendi é isso.
E o reconhecimento da gastronomia brasileira no exterior, torna o país a bola da vez?
Acho que a América Latina está crescendo. Tem o Chile, o Peru. E isso é muito mais ligado ao apoio coletivo. O Peru, por exemplo, está lá por causa do Gastón? Não. É porque tem ele, dinheiro público, outros cozinheiros. Só ele ou o Alex [Atala, chef do D.O.M.] não fazem verão. A mídia também tem que ajudar e o Brasil é um país gigante. O Paraná é maior que o Peru, então é difícil e mais caro. É um momento que os olhos estão aqui, mas, assim como ganhar um prêmio, é importante e preciso usar isso de uma maneira positiva. Porque se usar da maneira errada, pode machucar.
Para você o que ainda falta no Brasil para o setor de gastronomia sob a ótica de chef e de empresário?
Como empresário, precisa ter uma revisão da legislação tributária e trabalhista em relação aos restaurantes. Temos que ter uma revisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em questões sanitárias, porque tem ingredientes como o mel de Guaraqueçaba que não podem ser vendidos e pessoas que poderiam produzi-lo passam fome. Eu vendo um produto perecível e tenho a mesma tributação de uma loja de sapato, que vende algo que não estraga. Eu pago a mesma coisa que uma empresa que termina o expediente às seis da tarde e não abre no sábado e no domingo. Já Como cozinheiro, temos que preparar melhor os jovens profissionais. Hoje temos que aprender a valorizar o profissional, não só os grandes chefs: o Alberto, o Alex ou a Helena [Rizzo, chef do Maní]. Tem que valorizar quem está abaixo da gente, trabalhando na panela.
Como você recebe os profissionais que chegam das escolas de gastronomia brasileiras?
Todo mundo só critica as escolas. Os estudantes chegam no meu restaurante como devem chegar. Só que meus amigos empresários acham que todos têm que ser uma estrela. E não é. Tem cara que tem limitações e cresce mais lento que outro. Acho que a gente tem que ter esse filtro. O chef e o dono de restaurante enxergam estagiários da seguinte forma: uma maneira de eles trabalharem menos. E não é assim. Estagiário está lá para te ajudar e você ajudá-lo em contrapartida. A obrigação tem ônus e bônus, senão a coisa não cresce.
Qual sua expectativa com a lista com a lista dos 50 Melhores da América Latina [Na data da entrevista, Landgraf já sabia que estaria no ranking, porém não conhecia a posição]?
Se há dois anos eu falasse para você que estaria brigando com D.O.M. e Mani em grandes premiações, provavelmente você não acreditaria. Então, dentro desse contexto já é uma grande recompensa. Mas um cozinheiro não pode se acomodar. Quando ficamos sabendo da indicação, eu falei para a equipe: a não ser que aconteça uma zebra muito grande a gente ficará bem posicionado nessa lista. Mas, independente de onde ficarmos, temos o compromisso de ser melhor possível. Sou o único cara em São Paulo que é pequeno. Só comecei com estagiários. Para mim, é uma conquista maior do que a dessas pessoas que costumam ficar bem colocadas. Também é muito importante para ajudar o meu negócio em um momento de crise. Em dois anos, ganhamos quase 20 prêmios. Não é todo restaurante que ganha. É muito gratificante, mas não me deixo iludir.