Produtos & Ingredientes
Entenda como é rígido o processo de escolha de fornecedores do restaurante de Jamie Oliver
Jamie Oliver ensinou uma geração a cozinhar. Foi a partir de suas receitas que muita gente tomou coragem para preparar seu primeiro risoto ou carne assada. Quando se pensa na comida de Jamie Oliver, vem à cabeça pratos fartos, preparados com técnicas caseiras e uma pitada generosa de política, salpicada sobre o prato com o despojamento característico do chef britânico.
Conhecido por defender uma alimentação saudável, com ingredientes sazonais de pequenos produtores, Jamie construiu sua carreira como apresentador de programas televisivos de gastronomia e autor de livros de receita. Sua popularidade é inegável e ele a tem usado há mais de uma década para provocar grandes mudanças na indústria. São famosas suas brigas públicas em defesa da alimentação nas escolas dos Estados Unidos e a denúncia feita contra a rede de fast food McDonalds em 2013 pelo uso de hidróxido de amônio em carne processada.
A mesma postura ativista é a tônica de seu restaurante, Jamie’s Italian, criado em 2008 e que chegou ao Brasil em 2015. Atualmente, são três no país, dois no estado de São Paulo e um em Curitiba. Para ser fornecedor de Jamie’s Italian é preciso estar dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Grupo Jamie Oliver, com diretrizes criteriosas especialmente para produtos de origem animal — carnes, peixes, frutos do mar, laticínios e ovos.
No Brasil, a preferência por carne vermelha faz com que a maior parte do cardápio do Jamie’s Italian seja adaptada para levar a proteína.
Critérios claros
Todos os ingredientes usados precisam ter a sua origem rastreável e apresentar, se possível, um selo de certificação que comprova boas práticas. Para a criação de animais de corte e de postura é o Certified Humane Brasil, que tem 4.337 fazendas e granjas certificadas no mundo.
Para cada animal, o regimento interno do Grupo Jamie Oliver tem uma lista própria de especificidades. Precisam ser criados em uma área sem ficarem aglomerados, com alimentação sem ingredientes de origem animal e com acesso à área externa e forragem natural. Não podem tomar antibióticos preventivamente, apenas em caso de doença, nem terem mutilações como corte de rabo para suínos, debicagem de aves (corte do bico) ou retirada de presas ou dentes.
Para os bovinos, isso significa passar toda ou a maior parte da vida em pasto e, quando precisarem ser abrigados em ambiente interno, ter forragem de palha e uma área de pelo menos 4,7 metros quadrados por animal. Na parte externa, mínimo de 23,2 metros quadrados para cada. O animal não pode ser conduzido com o uso de bastão que dá choque e precisa ser dessensibilizado antes de ser abatido, ou seja, não pode estar consciente.
No caso das aves, não podem ser criadas em gaiolas, devem ter espaço para ciscar e ambiente rico de estímulos para bicarem. É preciso garantir luz natural ou um padrão de iluminação que simule o natural, com no mínimo seis horas de escuridão por dia. A quantidade de galinhas poedeiras não pode passar de nove por metro quadrado.
A criação de suínos é um dos pontos mais sensíveis: o forro das instalações tem de ser com fardos de palha, e o animal, preferivelmente, tem de ter vivido a maior parte da sua vida com acesso a ambiente externo e alimentação variada. As matrizes precisam ter espaço para se movimentarem à vontade e poderem deitar com facilidade, especialmente durante o parto, com um mínimo de 3,5 metros quadrados por animal.
Os peixes e frutos do mar são provenientes de aquicultura (cultivo em cativeiro, sem pesca selvagem), com monitoramento dos níveis de oxigênio na água, tratamento de resíduos e garantia de que os sólidos não serão eliminados nas vias navegáveis. Os animais precisam ser transportados para o abate com o mínimo de estresse possível e em água de qualidade. A ração usada deve ter origem rastreável e não ter espécies em perigo de extinção como componente. A densidade para os tanques é de 17 quilos de animal por metro cúbico, sejam peixes ou camarões, por exemplo.
Absorção do custo
Conseguir um selo de certificação é um processo que encarece ainda mais a cadeia de produção, pois exige adaptações e investimentos que muitas vezes o pequeno produtor não consegue bancar. Se essa exigência se estende a fornecedores de carnes, ovos e laticínios, o custo do produto multiplica-se exponencialmente, chegando a ser 300% para alguns deles.
É prática do Grupo Jamie Oliver absorver parte deste custo para não repassá-lo integralmente ao cliente. “É possível encontrar tilápia a menos de R$ 20 o quilo, mas o fornecedor não atende aos critérios da rede. Eu não posso comprar um ingrediente que até pode ter um padrão de qualidade, mas que não atende ao padrão ético do restaurante”, explica Cristiano Chiaramonti, sócio-proprietário do Jamie’s Italian Curitiba, localizado no shopping Pátio Batel.
Outro caminho
Para os produtores que têm um insumo que segue os requisitos do Grupo Jamie Oliver mas não têm certificação, há outro caminho: a homologação por apresentação de laudos e fotos que comprovam a adequação. O regimento interno do grupo proíbe o uso de aditivos como intensificador de sabor, a maior parte de adoçantes sintéticos e uma série de corantes. O produtor envia uma amostra e preenche uma lista com cerca de 80 itens que detalham a composição do produto.
“Ser um pequeno produtor sem selo de certificação não é um impeditivo, mas precisa ser documentado de alguma maneira”, diz Lisandro Lauretti, chef executivo do Jamie’s Italian Brasil e sócio da rede Jamie’s Italian no país. “Partimos para protocolos locais para não entrar em contradição com um pilar nosso, que é priorizar o fornecedor local”, completa Lisandro.
É o caso dos embutidos de porco Moura da fazenda Casa Gralha Azul, de Piraquara, região metropolitana de Curitiba. A primeira compra foi de 60 quilos em dezembro de 2019, uma quantidade pequena se pensar que passam 13 mil clientes por mês na unidade. O embutido entrou na sugestão do chef durante um fim de semana e a intenção é inserir o produto aos poucos no cardápio.
“No início da rede, os critérios eram ainda mais rígidos com a questão da certificação dos fornecedores. Até o fornecedor do fermento usado nos queijos precisava ser certificado. Com a internacionalização da marca, essas exigências aumentavam o custo, porque muita coisa precisava ser importada”, explica Lisandro.
Padronizar para garantir
Estabelecer um padrão é algo inerente a redes de restaurantes. Quando abre-se em outro país, os insumos perecíveis precisam vir de lugares mais próximos, mas manterem qualidade e apresentação similares. A exigência de um selo de certificação ou de documentação de procedimentos é um extra, que torna o trabalho de escolha de fornecedores ainda mais detalhista e demorado.
Atualmente, o Jamie’s Italian Brasil tem cerca de 50 fornecedores no Brasil e muitos deles atendem às três unidades. Os ingredientes não perecíveis, como farinha de trigo, passata de tomate e arroz, são importados. “O cinturão verde de Curitiba facilita o fornecimento de hortifruti. Isso foi levado em consideração para colocar Curitiba como uma das cidades a ter uma unidade do restaurante antes mesmo de o Rio de Janeiro”, conta Lisandro.
A logística entre a capital paranaense e São Paulo é mais simples. “A loja de Curitiba é a única que tem toda a cadeia rastreada. Foram três anos para montar a operação. Curitiba e sua geografia foram facilitadores”, revela Lisandro. A segunda loja no Brasil foi em Campinas, que está a pouco mais de uma hora da loja da capital paulista.
De onde vêm os ingredientes?
- Burrata ? receita exclusiva da Mozzarellart, de Curitiba, feita com leite de Witmarsum (PR)
- Outros queijos e laticínios ? São Paulo
- Frango ? Korin (selo abate humanizado)
- Carne bovina ? Marfrig (gado criado solto ? 2 selos) e Angus de estados do Sul
- Carne suína ? Cerrado Carnes (interior de SP)
- Porco Moura ? Fazenda Gralha Azul, Piraquara (PR)
- Tilápia ? São Paulo (selo MSC)
- Salmão ? Chile
- Bacalhau ? Noruega (sazonal)
- Camarão ? proveniente de aquicultura do Rio Grande do Norte e do Ceará
- Hortifruti ? o mais próximo possível
Jamie’s Italian Curitiba em números
- 400 quilos de carne bovina por mês (miolo de alcatra, rib-eye, paillard de miolo de alcatra)
- 400 kg de farinha de trigo por mês
- 380 quilos de limão siciliano por mês
- 200 quilos de carré suíno por mês
- 180 quilos de camarão por mês
- 120 quilos de arroz por mês
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