Bom Gourmet
Gabi Mahamud estreia coluna no Bom Gourmet sobre cultura alimentar e consumo consciente
Ainda me lembro das tardes de domingo, em que o aroma do café envolvia os sentidos e convidava a casa toda a desacelerar e lotar a cozinha, ocupando a menor mesa-redonda dali, ainda que houvessem outras maiores disponíveis. Tinha sempre café, pão de queijo, queijo, goiabada, leite fresco, pé-de-moleque e o protagonista: bolo de cenoura da vó.
Nasci na roça, no interior de Minas Gerais — típica caipirinha mesmo, que fala “trem” e “uai” a cada três frases, e morei com minha avó até a pré-adolescência. Vivenciei a comida como cultura, expressão e união. Sempre gostei de comer e por isso me preocupo muito com o sabor de tudo que preparo e ensino. Comida tem que ser gostosa, ela não é “só” nutriente. Temos que nos emocionar a cada garfada!
Falo que minha infância foi mágica. A simplicidade da minha criação me fez criar uma conexão muito forte com a natureza e com as mais diversas realidades. Desde criança entendia como a terra funcionava, seus ciclos, a dificuldade de produzir alimentos com qualidade e a importância de não desperdiçar comida.
Sempre fui muito inquieta e questionadora. Minha mãe conta que com 7 anos eu dizia que queria ser presidente para fazer do mundo um lugar melhor.
Hoje, sei que falei isso porque a desigualdade sempre me deixou angustiada. Minha família era muito humilde. Nasci quando minha mãe tinha 17 anos e não conheci meu pai. Passamos necessidade e eu cresci ouvindo que precisava me dedicar muito para conseguir as coisas na vida. Foi aí que aprendi a dar o meu melhor sempre! Fui a primeira da família a me formar em uma faculdade e sou grata por tudo que passei, porque foi tudo isso que me construiu como eu sou hoje e me trouxe até aqui.
Minha primeira formação foi em arquitetura e urbanismo — achava que trabalhando como urbanista poderia impactar o mundo positivamente. Sempre dou o melhor de mim, não sei fazer nada mais ou menos e por isso meu TCC foi considerado um dos melhores do país. Fiz um intercâmbio no Politecnico di Torino, na Itália, que é considerada uma das melhores universidades do mundo na área. Sou muito grata à Itália porque ela me trouxe algo ainda maior: vivenciei e aprendi muito sobre gastronomia e alimentação e comecei a dividir minhas descobertas sobre saúde e culinária saudável no Instagram. Conforme ele foi crescendo, vi a necessidade de me aprimorar e fiz inúmeros cursos, entre eles de chef vegano. A cada dia percebia o quanto a comida é revolucionária. Era com ela que eu podia contribuir para um mundo melhor.
Deixei a arquitetura para trás, estudei muito e me desafiei estagiando no restaurante da Manu Buffara e no estrelado Michellin e um dos The World’s 50 Best Restaurants, o Relæ, na Dinamarca.
O blog Flor de Sal continuou crescendo, assim como o Instagram e entendi que era hora de fazer ainda mais. Por isso, em 2016 fundei o Goodtruck, um projeto que ensina a importância do consumo consciente. Nele, eu e voluntários preparamos refeições saudáveis e deliciosas para pessoas em vulnerabilidade social usando insumos que seriam desperdiçados.
Sempre falo que o bem atrai o bem e, hoje, além de conduzir esses projetos e dar palestras, cursos e consultorias, sou vice curadora da rede do Global Shapers (do Fórum Econômico Mundial), publiquei o livro Flor de Sal (BestSeller pela Amazon), e criei uma empresa de produtos alimentícios e artigos sustentáveis que leva a alimentação saudável e consciente para dentro da casa e da vida das pessoas.
2018 foi um marco. Em um período curto de tempo o GoodTruck foi premiado duas vezes (pela Revista Tutano e pela Aldeia Coworking), fui escolhida pela ONU para participar do Unleash Lab, evento que seleciona talentos do mundo todo para desenvolver projetos para os famosos “17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”. Cozinhei com Alex Atala e com Manu Buffara, fui capa de revistas e recebi moção honrosa da Prefeitura de Curitiba, palestrei no Mesa Tendências e Vegfest, maiores eventos da América Latina sobre gastronomia, alimentação e sustentabilidade, e publiquei meu amado livro!
2019 promete muito mais e começamos bem, com esse espaço tão especial no Bom Gourmet! Eu sempre acreditei na complexidade do ser humano e na necessidade de olharmos para diferentes rotinas, hábitos, vivências e situações se quisermos ajudar as pessoas de verdade. As pessoas têm realidades e experiências distintas e tento pensar nisso todo o tempo na hora de me comunicar. Meu maior desafio e, ao mesmo tempo, o meu maior trunfo, é ser sempre fiel aos meus valores e ao meu propósito de fazer do mundo um lugar melhor. Porque, no fim, todo mundo quer um lugar melhor para viver.
Sei que isso começa com a transformação de cada indivíduo e, para isso, tenho que me conhecer a cada dia, conhecer ainda mais o outro e me aprimorar. Consequentemente estimulo as pessoas que me seguem a desenvolverem o mesmo olhar para elas. Saímos juntos da zona de conforto e construímos aquilo que acredito desde criança: um mundo mais justo e feliz.
Por fim, estreio com a releitura da receita mais especial da minha trajetória: um petit gateau de cenoura (vegano, sem glúten e mais saudável que as versões convencionais). Essa receita também faz parte do Livro Flor de Sal. Espero que gostem e, caso experimente, compartilhe comigo usando a hashtag #boloflordesal. Até o próximo cafezinho!
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