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Será que tem insetos esmagados no seu Negroni? Veja como saber
Sabe aquele vermelho vibrante do seu Negroni? Pode ter vindo de insetos esmagados. É como comer um escargot: melhor experimentar o quão delicioso é antes de saber que são caracóis terrestres.
O Negroni é um icônico aperitivo italiano, feito com partes iguais de gin, vermute e Campari, servido na pedra com uma casca de laranja. Foi criado em 1919 para o Conde Camillo Negroni no Café Casoni, em Florença. O bartender estava tentando atender ao pedido do conde de “algo a mais” no seu Americano (feito com vermute, Campari e soda). Scarselli simplesmente substituiu a soda pelo gin, e assim nasceu o Negroni.
O Americano foi criado no Caffè Campari em Milão por volta de 1860. Gaspare Campari inventou seu licor amargo homônimo de uma receita, ainda secreta, com mais de 60 ingredientes. Para as ervas, casca de árvore e cascas de frutas, Campari adicionou um corante vermelho natural chamado carmim que deu ao licor sua cor vermelha característica por quase 150 anos.
Essa coloração é obtida do Dactylopius coccus, conhecido como cochonilha, um inseto escamoso que parece um pequeno nhoque. As cochonilhas prosperam em figos da Índia na América do Sul e no México, vivendo do suco de cactos. Para se defender de formigas e outros predadores, as cochonilhas fêmeas desenvolveram uma brilhante estratégia: engolir ácido carmínico. Até 26% do peso do seu corpo, na verdade, é ácido carmínico. Se você espremer uma cochonilha nos seus dedos, a cor que sairá é um vermelho carmesim brilhante.
Para os astecas, o “suco” desse inseto era conhecido como nochelzi, o “sangue da figueira da Índia”. Eles a utilizavam para tingir tecidos, pintar o corpo e colorir os alimentos. “Belisque uma fêmea e o líquido vermelho sai para fora. Aplique a tinta em um tecido e ele permanecerá tingido por séculos”, escreveu Amy Butler Greenfield em seu livro Um Império Vermelho Perfeito, Espionagem e a Busca pela Cor do Desejo.
De acordo com Threads of Peru, um comércio de roupas peruano a preço justo, a fibra ainda é tingida na região por artesãos que usam receitas de família passadas de geração em geração. Algumas levam sais minerais, cinzas de madeira, e até mesmo a urina para alterar os níveis de pH, que podem transformar a cochonilha de vermelho para laranja ou roxo.
Com o advento dos tingimentos sintéticos – e possivelmente o mercado crescente de veganos – a Campari (agora pertencente ao Grupo Campari, junto com Skyy Vodka e Grand Marnier) parou de usar o inseto no mercado americano em 2006, optando por algo criado em laboratório ao invés da barriga de um inseto. De acordo com marcas coletadas ao redor do mundo, a Campari vendida na Malásia, na Austrália e no Canadá ainda pode usar o tingimento natural. A companhia não respondeu ao pedido de esclarecimento.
E como você pode saber se a cochonilha está sendo usada no seu drink? Checando o rótulo atrás da garrafa. Se existe alguma menção a cochonilha, extrato de cochonilha, carmim (como no Mentos e no iogurte de morango Yoplait), ácido carmínico, lago carmesim, lago carmínico, vermelho natural 4, C.I. 75470, ou E120, você está engolindo sangue de inseto. Não fique enjoado: algumas pessoas dizem que mel é tecnicamente vômito de abelha.
Enquanto isso, os artesãos estão mantendo a tradição. A Tempus Fugit Spirits de Novato, Califórnia, usa cochilhona no Creme de Noyaux, um licor vermelho vívido com sabor de amêndoa. A St. George Spirits of Alameda, Califórnia, coloca cochonilha no Bruto Americano, um substituto do Campari. Misture ele com uma das marcas assassinas do gin e você estará 2/3 no caminho de um “CaliforNegroni”.
A verdadeira experiência do Negroni italiano com cochonilha pode ser observada com Franceso Amodeo, presidente e master blender no Don Ciccio & Figlid em Washington. Ele apresenta o “sangue do figo” em três aperitivos: Cinque, Luna e Donna Rosa Rabarbaro.
“É um esforço caro”, afirma, “mais caro que químicos”. Estima-se que são necessários 70 mil cochonilha para produzir um quilo de extrato solúvel em água. Cinquenta gramas de cochonilha custam US$ 75, cerca de um terço do preço do mesmo peso de caviar Tsar Imperial Ossetra.
Também é muito potente. “Usamos uma gota para cada cinco litros do nosso aperitivo. São exatas 0,07 gramas pra ser exato”, conta Amodeo. Apesar da forte coloração, as cochonilha não interferem no sabor. Tornou-se o corante vermelho preferido dos séculos passados justamente por ser vibrante, estável e seguro para uso em comidas e bebidas, sem afetar em nada o seu sabor. “Você pode comprá-lo em barris de cinco galões, mas nós compramos o menor recipiente.” Entre a produção da boutique Don Ciccio e a intensidade da coloração, levaria três anos para Amadeo conseguir lidar com os cinco galões.
Não existe colheita mecânica. O processo é feito à mão, principalmente no Peru e na Bolívia, onde há figos em abundância. A alternativa é usar algum corante barato como FD&C No.40, que agitou muitos pais por sua suposta toxicidade. “A marca expandiu tanto que eles precisaram encontrar uma fonte alternativa.”, explica Amodeo sobre a Campari.
A Katty Peru of Impoexpoperu, uma exportadora de cochonilha, afirma que “na nossa área, não temos fábricas para produção. Tudo é feito com os métodos tradicionais por indígenas que falam Quechua, a linguagem dos incas. Eles coletam a cochonilha selvagem da natureza e levam para limpar e secar. Para alguém coletar entre um e três quilos de cochonilha por dia, é um trabalho enorme.”
Amodeo tentou 12 tingimentos diferentes de cochonilha antes de escolher o certo. “É muito consistente. Estamos usando há dois anos.” Depois de toda a pesquisa, não é surpresa que ele não divulgue esse nome. Para os veganos, ele diz “tentamos um milhão de vezes imitar a cor com produtos naturais que não envolvem cochonilha, mas é impossível.”
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