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Jenipapo, a fruta brasileira que deixa tudo azul
Quando maduro, o jenipapo, fruta ácida e doce na mesma medida, rende doces, licores e geleias de cor âmbar. Mas, nos últimos dois anos, é o jenipapo verde que está interessando a chefs e culinaristas como ingrediente, agora com a função de corante natural.
Como quase toda fruta verde, o jenipapo não é saboroso. Amargo e sem aroma, o trunfo de prepará-lo antes de amadurecer é conseguir uma coloração que pode ir do azul acinzentado ao índigo, obtida pela presença de genipina na polpa e casca do fruto. A substância é incolor, mas quando em contato com oxigênio, proteínas e sob calor, dá o tom azulado aos preparos.
“O que ocorre é uma reação química, em que a genipina, uma espécie de açúcar, se complexifica em contato com um aminoácido em temperatura superior a 120 graus C. Essa nova molécula reflete a luz azul, um fenômeno físico”, explica Claudio Oliver, coordenador da Casa da Videira, cozinheiro e zootecnista. Aminoácidos são as substâncias que formam as cadeias proteicas, mas também são encontradas em forma livre, sem formar a molécula.
A sobremesa inspirada na clássica île flottante do chef Cesar Costa, do restaurante Corrutela, em São Paulo, ficou famosa pela tonalidade: três merengues flutuantes em um creme inglês azul escuro, apoiados em uma farofa doce. Costa foi um dos primeiros chefs a incluir um preparo fixo no cardápio usando jenipapo verde, em agosto do ano passado. Os ovos nevados de jenipapo e cumaru do Corrutela saem por R$ 27.
A fruta é fermentada em salmoura por uma semana, triturada e desidratada. O processo é feito em grandes quantidades – de quatro a cinco quilos por batelada – e a proporção usada é de 15 gramas para um litro de creme inglês. “Tentei tirar algumas vezes do cardápio, mas sempre procuram pela sobremesa azul”, revela o chef. Apesar da cor intensa, o sabor do jenipapo não aparece.
O creme inglês leva dois ingredientes com alto teor de proteína – ovo e leite –, ou seja, há concentração de aminoácidos para se ligarem à genipina. Em preparos com menor quantidade, como pães e massas, a cor tende a se apresentar com tons de cinza.
“A cor depende das cores presentes nos produtos. Se tiver a presença do amarelo, a tendência é dar um azul mais esverdeado. Um quarto de fruto para dois quilos de farinha resulta em um azul petróleo profundo”, exemplifica Oliver.
A Casa da Videira, no bairro curitibano de Santa Felicidade, usa o jenipapo verde há mais de três anos. Em um primeiro momento, a principal aplicação era em pães de fermentação natural. Atualmente, tingem massa fresca, fettuccine, cappellini, bolos de fubá ou banana e pão de queijo, de acordo com a demanda e da quantidade de jenipapo verde congelado.
Difusão do uso
Da família das Rubiáceas, da qual também fazem parte o café e a gardênia, o jenipapo prefere clima tropical, por isso é difícil encontrá-lo no Sul – a maior parte vem do Norte, Sudeste e da região centro-oeste do Brasil.
O uso do fruto verde como corante alimentício foi descrito no livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil”, de Valdely Kinupp e Harri Lorenzi, publicado pela Editora Plantarum em 2014. “A informação sempre esteve no livro do Valdely Kinupp, mas passava batida”, atenta Costa.
Três anos depois, Neide Rigo, nutricionista e culinarista, publicou seus vários testes: pão, massa fresca, bolinhos de feijão, tapioca, panquecas, tortilha e queijo de kefir tingidos com genipina. Outra culinarista que difundiu o uso do jenipapo na cozinha doméstica foi a apresentadora Bela Gil, que tingiu quinoa fervendo o cereal em um extrato de jenipapo, feito de 50 gramas de polpa verde batida com 500 ml de água.
Cuidados no uso do jenipapo verde
A chef Amanda Marfil, da Marfil Alimentos Agroecológicos, usa a polpa verde para tingir seus pães de fermentação natural, vendidos nas feiras orgânicas. Como a polpa verde batida com água não tem coloração forte, seus primeiros pães saíam do forno com o miolo “roxo quase preto” e “roxo escuro”. E amargos.
Amanda bate casca, polpa e sementes do fruto com água até ficar um suco homogêneo, sem coar. Com esse líquido, ela faz a segunda hidratação dos pães. “A quantidade de 2% para o peso de farinha é o suficiente para conseguir uma coloração azul sem ter amargor”, ensina a chef.
O jenipapo que a chef usa é orgânico e vem de Ilhéus, na Bahia, pela rede Povos da Mata, colhido entre novembro e dezembro – depois disso, mesmo colhido verde o jenipapo amadurece rápido e a quantidade de genipina no fruto diminui. Para ter o ano todo, ela congela em porções o suco de jenipapo verde.
Outro cuidado ao manipular o jenipapo verde é usar uma luva. “A pele fica tingida de preto por quase dez dias”, alerta o chef Cesar Costa. Este, tradicionalmente, é o uso que o jenipapo verde tem no Brasil: colorir a pele ou tingir tecidos e artesanatos. De origem tupi-guarani, “iá-nipaba” em português seria “fruta que serve para pintar”.