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SC tem 130 espécies de peixes, mas o salmão é o mais pedido nos restaurantes
A pesquisa de mestrado de Michelle Kormann da Silva, ex- professora do IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina) foi a faísca. Num levantamento em 152 restaurantes ao longo do litoral catarinense, ela descobriu que apenas 6% dos peixes oferecidos no cardápio eram nativos. Santa Catarina é um estado rico e possui 139 espécies de peixes com escala comercial de captura no estado.
O peixe mais pedido nos restaurantes da região é o salmão, um peixe muito celebrado pela gastronomia brasileira que, no entanto, é originário de águas frias da Noruega, Canadá e Alasca. Aquele que normalmente chega às mesas do país é criado em cativeiro, principalmente do Chile. O salmão de cativeiro apareceu em estava em 86% dos pratos com o peixe em Santa Catarina.
Pouca valorização do produto local
O que justifica o desprezo pela biodiversidade local? As respostas foram coletadas pelos próprios pescadores no livro “Que peixe é esse?”, organizado pela professora do IFSC Liz Cristina Camargo Ribas, que da faísca, lançada pela sua colega, trouxe à luz um estudo inédito no estado.
Nos relatos fica evidente a falta de valorização pelo que é local. Sentimento explicado no livro por um extrativista. “Antes de você trazer os turistas para valorizar, as pessoas daqui têm que saber o valor que tem na mão”.
Imperialismo ecológico
O livro foi lançado em 2016 justamente para contrapor o “imperialismo ecológico” – termo usado pela professora para explicar a introdução de espécies exóticas no período colonial. Hoje as espécies exóticas integram a base da nossa alimentação e são responsáveis pela visão de “o que é de fora é melhor”.
A obra alerta sobre a pressão de captura sofrida por algumas espécies e estimula o fortalecimento da identidade da costa catarinense, principalmente de Florianópolis, que tem como umas das suas bases culturais a pesca artesanal.
A publicação contou com apoio de outros dois autores, a nutricionista Elinete Eliete de Lima, o gastrônomo Vilson de França Goes, ambos professores do IFSC e três alunos bolsistas Eliane Izabel da Silva, Franciele Oliveira Dias, Saulo Santana Santos. O livro pode ser baixado gratuitamente e tem diversas receitas.
Confira abaixo 10 peixes nativos do litoral catarinense pouco conhecidos, que que merecem sua atenção:
Corvina
Há 119 anos, Virgílio Várzea, jornalista catarinense, escreveu “não sabemos a razão por que essa gente não aproveita tal peixe, tendo até desdém por ele, como observamos longamente assistindo à pesca aí, nos Ingleses e Canasvieiras”. Ele estava falando da corvina, peixe abundante o ano inteiro, de carne branquinha, que pode chegar aos 4kg e 60cm. Custa pouco, entre R$ 8 e R$ 10 o quilo.
Gordinho
É um peixe pequeno, com comprimento médio de 18 cm e 150 g de peso. Alimenta-se de águas-vivas, pequenos peixes e crustáceos. Como não é um carnívoro voraz tem menor concentração de metais pesados, como o mercúrio. Quando jovens, consomem plâncton. Tem carne é branca e muito saborosa.
Palombeta
É um peixe pequeno e barrigudinho, conhecido quase que exclusivamente por pescadores, e vendido em torno de R$ 4 o kg. Virgílio Várzea escreveu a importância dele há um século para a cultura ilhoa. “Durante o inverno, quem atravessa os caminhos que cortam em várias direções e freguesias e arraiais da Ilha, não encontra uma casinha ou choupana em cujo terreiro se não ostente a secar ao sol, em varais, uma multidão de peixe escalado – tainha, enxova ou palombeta – desenhando um risonho quadro de fartura no meio dessas populações pobres”.
Parati
É parente da tainha, mas tem em média meio quilo. É a base de subsistência dos pescadores da Grande Florianópolis, especialmente nas baías, e já foi valorizado nacionalmente. Segundo o livro Cozinheiro Nacional, escrito no século 19, o parati era considerado um peixe pequeno “superior” e de “preço elevado”, sendo “um dos peixes mais estimados no país, com carne tenra e de fácil digestão”.
Olho de cão
Na Grande Florianópolis, é um peixe de primavera/verão e também chamado de olho-de-boi. É pequeno, mede 30 cm e pesa 800 g. Tem carne suave, saborosa e levemente tenra. Nas comunidades de pesca é vendido em média por R$ 6.
Bonito e Serrinha
Pertencem à família Scombridae, da qual também faz parte o atum, que lembram em textura, sabor e cor. O peixe serrinha, também denominado serra ou sarda, é reconhecido como um tipo de bonito em algumas regiões do Brasil. Em termos nutricionais, a Serrinha apontou teor de 18% de proteínas, assemelhando-se ao teor protéico do atum de 19%.
Manezinho
É também chamado de Carapau e Xerelete. Na Grande Florianópolis pode ser tanto “manezinho” quanto “canarinho”. Possui, em média, 35 cm de comprimento e pesa 1,2 kg. É um peixe carnudo, saboroso, com grande concentração de ômega-3, cuja carne poderia ser comparada à da anchova em textura, coloração e sabor. Acredita-se que esse peixe tem tudo para competir em termos gastronômicos com tainha e anchova, peixes mais populares na região.
Guaivira
O nome é tupi, gwa’ra significa peixe e mbïra, fibra. Sua denominação em inglês “leatherjacket” pode ser traduzida como “jaqueta de couro”, provavelmente em função da sua pele sem escamas visíveis, sendo reconhecida popularmente como “peixe de couro”. A carne da guaivira é de ótima qualidade, tem baixo teor de gorduras e serve para uma gama de preparações gastronômicas que exigem carne rígida – como pratos à base de carne crua. A guaivira é um “superpeixe” pelo alto teor de nutrientes, 100 g contém 22,4% das necessidades diárias humanas de proteínas, 109,7% de ferro, 27% de zinco e 16,5% de potássio. Ele chega ao Sul no verão.
Pampo
São parentes próximos da guaivira, da palombeta e do manezinho. É interessante notar que sua carne é muito apreciada nos Estados Unidos – onde é exportado a preços elevados, mesmo assim não tem expressão em Santa Catarina, onde costuma custar R$ 9 kg. A carne é levemente escura, firme e saborosa.
Olhete
No livro Cozinheiro Nacional, escrito entre 1860 e 1870, o olhete é classificado como um peixe grande, ordinário e de preço ínfimo – percepção que continua atual. Na pesquisa realizada pela professora Michelle Kormann da Silva, aparece em menos de 3% dos pratos, mesmo tendo carne ideal para sashimi de peixe branco.