Produtos & Ingredientes
Pará quer desbancar Bahia em produção
A produção de chocolates com alto teor de cacau é a aposta de agricultores familiares, cooperativas e do governo do Pará, que quer incentivar o crescimento do beneficiamento do cacau dentro do estado. Os paraenses são os segundos maiores produtores de cacau do Brasil, atrás apenas da Bahia, e estão de olho em uma tendência de mercado: a elaboração de chocolates gourmet com pouca adição de açúcar ou leite e cujo processo de transformar a amêndoa do cacau em massa de cacau é controlado pelo criador — o chamado “bean to bar”, da amêndoa à barra.
Essa nova forma de acompanhar o cacau (da produção até se transformar em chocolate) é algo relativamente novo no mercado brasileiro, já que, na maioria dos casos, a indústria compra a matéria-prima pronta (não tem o trabalho de plantar e acompanhar o desenvolvimento do fruto).
“O consumo de chocolate fino cresce 25% por ano no mundo, mas o alto teor de cacau não significa qualidade. Amêndoa ruim produz chocolate amargo ruim”, diz Henrique de Almeida, da Associação de Produtores de Cacau. Para Chloé Doutre-Roussel, agrônoma francesa especialista em chocolate, há outras tendências combinadas ao consumo do chocolate gourmet e o bean to bar, como a produção em pequena escala, o cacau processado cru ou a elaboração de um produto combinado com design. “Há todo tipo de consumidor. Existe aquele que vai comprar pelo preço e quantidade de cacau, o que vai procurar os selos de orgânico e fairtrade, mas o consumidor do chocolate gourmet quer saber da textura, do sabor e da traçabilidade, da origem do cacau”, disse durante sua palestra no II Festival Internacional de Chocolate e Cacau da Amazônia, que ocorreu em Belém do Pará no início de abril.
Mercado
Um chocolate feito em pequena escala pode ser melhor trabalhado em cada uma de suas etapas (fermentação, secagem, torra e moagem) e garantir um sabor mais delicado (sem o amargor “conhecido” dos chocolates com alto teor de cacau). Algumas iniciativas que estão surgindo no Pará são de cooperados, como um grupo de ribeirinhos de Barcarena que produz o Organolate, um chocolate em pó feito com cacau orgânico plantado por eles e que não leva açúcar ou leite em sua composição. Orientados por estudantes da Faculdade Cesupa, o projeto está em andamento há dois anos e o grupo pretende começar a produzir barras e outros produtos feitos com alto teor de cacau.
Outro exemplo é a Cacau Way, de Medicilândia, na região da Transamazônica. A cooperativa é formada por 40 agricultores familiares e produz chocolates com alto teor de cacau em forma de barra, bombons e ovos de Páscoa, entre outros. Estes e outros produtores ainda estão no começo do caminho, mas a secretária adjunta da agricultura Eliana Zacca acredita que em pouco tempo os paraenses produzirão tanto cacau e chocolate quanto a Bahia, hoje o primeiro do país. “Estamos crescendo 13% ao ano em área cultivada e 10% em produção. A projeção para este ano é de 104 mil toneladas para os mesmos 147 mil hectares em produção de 2013”, estima.
Para o engenheiro químico indiano e fundador da Cocoa Town, Balu Balasubramanian, existem dois perfis produzindo chocolate atualmente em todo o mundo: o chocolatier, que compra o chocolate processado de grandes empresas para suas criações e o produtor de chocolate em pequena escala, mais preocupado em fazer algo com a sua assinatura e executar o processo “bean to bar”. “O chocolate ainda não é tão popular quanto fazer cerveja em casa ou comprar grãos de café de qualquer parte do mundo para preparar em casa. Isso não aconteceu com o cacau. Há cinco anos não existia maquinário para a produção em pequena escala e isso está se fortalecendo nos últimos dois anos. Chloé [Doutre-Roussel, agrônoma francesa especialista em chocolate] nos mostra que a indústria do chocolate se tornou gourmet nos últimos cinco anos”, cita. A empresa de Balasubramanian produz torradores, moedores e outros equipamentos para o beneficiamento do cacau em pequena escala — um dos modelos maiores tem capacidade para 30 quilos.
Sucesso
No Remanso do Bosque, considerado pela revista Restaurant o 38º melhor da América Latina, o único chocolate usado é o feito por Izete Costa, mais conhecida por Dona Nena. O restaurante fica em Belém e o chocolate “viaja” poucas horas até a cozinha: sai da ilha de Combu, na baía de Guajará, direto para o bairro Marco. A produção é orgânica, com todo o processo feito à mão por Nena e duas ajudantes.
Para os irmãos Castanho, ela vende de cinco a dez quilos de barra de cacau integral, sólida e cheirosa, e as amêndoas, chamadas de nibs. Dona Nena é uma das mais de 17 mil pessoas que cultivam o cacau no Pará. No ano passado, a produção da família mais o seu terreno de 14 hectares com pouco mais de 500 cacaueiros do tipo de várzea espalhados, rendeu 500 quilos de cacau, fermentados, secos, torrados e descascados artesanalmente por Dona Nena e sua equipe. Até abril de 2014, elas já tinham beneficiado cerca de 300 kg. A situação reforça o cenário discutido no II Festival Internacional de Chocolate e Cacau da Amazônia, realizado no início de abril: a produção de cacau no Pará está ganhando força e se destacando pela qualidade da matéria-prima. Em 2013, foram produzidas 90,2 mil toneladas de cacau em 95,7 mil hectares em produção (são 140 mil plantados, 45 mil ainda são recentes), gerando uma renda de R$ 472 milhões de reais para o estado. Apesar da produção maciça, pouquíssimo é beneficiado no próprio estado.
Agricultura
A maior parte das variedades de Theobroma cacao cultivada são híbridos produzidos e distribuídos pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira do Pará (CEPLAC-PA), do tipo terra firme. São 12 milhões de sementes distribuídas por ano de 17 variedades existentes no Pará — o produtor recebe uma mistura de várias para ter segurança no cultivo. Outro tipo de cacau é encontrado no Pará. É o chamado ‘de várzea’ ou ‘cacau dos jesuítas’, que é o cacaueiro que está há pelo menos três séculos no estado e que é considerado o cacau de origem. Com este, a CEPLAC não trabalha, pois ele deve permanecer “puro”.
Um pé de cacau leva dois anos para começar a dar frutos e quatro para ser considerado produtivo na visão do mercado. Por cerca de 50 anos ele vai frutificar um volume comercialmente viável, mas pode chegar a 100 anos produzindo cacau em menor quantidade. “De todas as variedades plantadas no Pará, 90% foram coletadas na Amazônia brasileira. Os outros 10% provém do Equador ou Costa Rica, por exemplo. A estimativa é daqui a oito ou dez anos chegar ao cacau 100% brasileiro”, calcula Paulo Albuquerque, pesquisador do CEPLAC-PA.
*A jornalista viajou a convite da organização do evento.