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“O momento é de desbravar o Brasil”, diz Zulu
A camisa branca engomada e o chapéu que combina com a cor do suspensório fazem de Laércio Silva uma figura que não passa despercebida atrás do balcão do bar. Conhecido no universo da coquetelaria com o apelido de Zulu, o baiano de 27 anos foi eleito melhor bartender do Brasil no concurso Diageo World Class, em 2014, e participou do campeonato mundial.
Zulu é responsável também por assinar a carta de drinques do Bar Bom Gourmet La Varenne, coquetel bar que foi inaugurado em maio no Estúdio Bom Gourmet Pátio Batel. Ele criou 13 drinques, entre releituras de clássicos e coquetéis à base de vinho e cachaça, e treinou a equipe de mixologistas que comanda o bar.
Quais são seus projetos? Vai participar novamente do Diageo World Class?
Por enquanto não porque estou tocando uns projetos pessoais e estou trabalhando para difundir o uso da cachaça na coquetelaria, inclusive no exterior. Em julho estarei no Tales of the Cocktail [festival internacional de coquetelaria] em New Orleans para apresentar a cachaça. Ao mesmo tempo estou me dedicando a desbravar o Brasil: vou viajar para Amazônia, Bahia, Maceió e Goiânia para conhecer produtores locais e descobrir novos ingredientes. Em setembro serei jurado do World’s 50 Best Bars [concurso que elege os 50 melhores bares do mundo].
Qual é a situação da coquetelaria atualmente no Brasil?
Depois de muitos anos estagnada, a coquetelaria está crescendo no Brasil. Em São Paulo temos uns 10-15 bartenders competindo internacionalmente e esse ano temos a chance de ter bares brasileiros premiados internacionalmente. O que menos ajuda, porém, é o consumo ainda pequeno de drinques. O brasileiro é um consumidor bastante resistente, mas desde 2010, quando comecei, a diferença é grande. Está mudando, mas vai levar anos. Baste pensar que ainda é impensável abrir um bar que não sirva cerveja.
Nesse cenário, onde se coloca Curitiba?
Aqui vocês têm o Igor Bispo [do Tiger Cocktails]. Além de ser um ótimo profissional é um amigo. Sempre nos encontramos quando ele vai a São Paulo ou eu venho a Curitiba.
Qual tendência você enxerga na coquetelaria no Brasil?
Acho que a coquetelaria é uma vertente da gastronomia, portanto precisamos acompanhar a tendência da gastronomia, valorizando os produtos locais, como a cachaça.
Inclusive a cachaça está presente no Bar Bom Gourmet La Varenne?
Sim, o 1808, por exemplo, é um coquetel feito com cachaça envelhecida na amburana e servido na taça martini. Mas a ideia do bar é servir drinques à base de vinho: fiz releituras de clássicos como o Bellini e o Martini e criei coquetéis exclusivos à base de vinho tinto, vinho branco e prosecco. Foi uma consultoria bacana.
Trabalhar o regionalismo num setor no qual se utilizam muitos ingredientes, como os destilados, que vêm de fora, é um desafio.
Sim, por isso, não tenho restrição com os produtos importados e gosto muito de utilizá-los. Só que vejo que muitos ostentam esses produtos só porque vêm de fora. O que eu quero fazer, e que os outros façam, é usar cada vez mais ingredientes brasileiros. Por isso estou embarcando numa viagem para desbravar o Brasil.
Para personalizar seus drinques você criou também uma linha di bitters (bebidas amargas).
Quando comecei na profissão, eu não imaginava que fosse possível fazer os bitters. Até que um dia me perguntei: será que dá para produzir angostura em casa? Fui estudar e entendi que precisava conhecer a farmacologia, mas não desisti e fiz testes durante um ano. Os bitters são bebidas que surgiram da mistura de ervas e especiarias e por séculos foram usadas como tônico ou medicamento. A certo ponto, elas deixaram de ser remédio e entraram na coquetelaria. Depois de produzir meus primeiros bitters, eu levava para outros bartenders experimentar, no Brasil e no exterior.
Quantos e quais bitters você já criou?
Já fiz umas 50 receitas: fiz bitter de cacau, balsamo, tamarindo, priprioca [erva picante da Amazônia], castanha-do-pará, amburana e por aí vai. Sigo uma linha “brazuca”, só de ingredientes brasileiros.
Uma das maiores mudanças da coquetelaria nos últimos anos é a profissionalização do bartender.
O bartender é um profissional que ainda sofre preconceito. Muitos o associam ao subemprego e o consideram uma pessoa sem cultura. Se for negro, pior ainda. Por isso é importante se preocupar com a postura atrás do balcão: eu, por exemplo, nunca usei a camiseta que o estabelecimento fornece e para me diferenciar uso camisa branca e suspensório. São acessórios que eram utilizados no século XIX nos bares de Londres, Paris, Nova York etc. e hoje se tornaram a minha marca. Além disso, uma boa vestimenta serve para quebrar o estereótipo que a profissão carrega. Outra regra de ouro é, na hora de servir, sempre olhar o cliente nos olhos e mostrar que você conhece a coquetelaria.
Muitos usam um colete escuro por cima da camisa, você não. Por quê?
Para demonstrar que domino a técnica perfeitamente. Usando roupa branca é mais fácil se sujar. Também ela dá visibilidade durante as competições e, no dia-a-dia, atrás do balcão.