Produtos & Ingredientes
Olhos voltados ao Brasil
Se até bem pouco tempo, algo em torno de uma década, o Brasil ainda engatinhava no mundo dos vinhos ante um novo cenário econômico, que permitiu a entrada de uma boa variedade de rótulos no país, pode-se dizer hoje que a criança cresceu. E tornou-se um jovem, daqueles populares e atraentes, cheio de pretendentes a lhe cortejar. É difícil listar o número de produtores internacionais que passaram por aqui nos últimos anos. Só em maio, Curitiba recebeu três feiras de vinhos de médio e grande porte, que apresentaram dezenas de vinícolas e algumas centenas de rótulos de diversas origens, como Europa, Estados Unidos, Oceania…
No que todos estão de olho são nos dotes deste bom partido: um país de milhões de habitantes, com crescente poder de compra e interesse por bebidas alcoólicas (vide a cerveja e a cachaça), mas que ainda bebe pouco vinho. E mais: muitos querem avançar um degrau e adentrar um universo onde há consumo de bebidas com valor agregado – em geral mais complexas e, claro, mais caras.
Muito embora a maioria dos brasileiros ainda esteja estagnada nos rótulos “de entrada”, que são principalmente os chilenos e argentinos na faixa dos R$ 15, e deva permanecer assim por alguns anos, este público consumidor que busca novos vinhos e novas experiências também tem consumido mais. “Estão entrando forte no país principalmente os portugueses e italianos. A Itália muito por causa dos lambruscos, vinhos mais básicos e baratos. Já Portugal consegue, mesmo distante, exportar vinhos bons e com preço acessível. Há exemplares de qualidade por R$ 30”, diz o sommelier e professor nesta área André Porto.
E as estatísticas comprovam: Portugal tem exportado uma média de 9 milhões de litros/ano para o Brasil, enquanto a Itália gira na casa dos 13 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Há cinco anos, estes números eram de 20% a 30% menores. “Temos grande interesse no mercado brasileiro. Há muitas afinidades culturais que tornam nossos vinhos palatáveis a vocês”, diz José Maria Soares Franco, enólogo da vinícola portuguesa Duorum, responsável por parte dos produtos enviados para cá. Seu vinho mais consumido no Brasil é o Tons de Duorum, um respeitado rótulo que pode ser comprado por cerca de R$ 30.
>>>Confira a lista dos melhores vinhos tintos portugueses na coluna Notas Báquicas.
Na espreita desta mudança, países como Espanha e França também têm trazido mais bebidas, além de exportadores menos comuns que, embora não sejam significativos em volume, tentam demarcar território. “Apesar de termos excelentes vinhos brancos, sabemos que não conseguiremos vencer o mercado sul-americano. O que pretendemos é ingressar aos poucos nesta faixa de consumidores que estão atrás de diferenciais”, diz Roberto Faillace, gerente de marketing para a América Latina da vinícola sul-africana Nederburg. O país exporta para o Brasil menos de um milhão de rótulos ao ano.
Se existe mudança no mercado é porque há também uma evolução do paladar. É um caminho natural, aponta o crítico de vinhos do Bom Gourmet, Guilherme Rodrigues. E, de certa forma, o Velho Mundo [produtores seculares europeus] tem se esforçado para facilitar esta ponte com os consumidores do Novo Mundo [novos polos vinícolas]. “Os vinhos mais estruturados atualmente nascem mais macios e menos rudes”, diz. “Os vinhos europeus arredondaram, face ao emprego amplo e disseminado de boas práticas enológicas. E arredondaram, sem perder personalidade e o frescor que possuem em relação aos vinhos do Novo Mundo.”
Hermanos de interesse
Na disputa pelo coração dos brasileiros, o pretendente mais bem sucedido ainda é o Chile. Nosso vizinho continental envia para cá cerca de 22 milhões de litros por ano. Isso é mais do que toda a nossa produção nacional, estimada em 20 milhões. E tudo com preços convidativos, afinal, a terra do poeta Pablo Neruda tem um custo relativamente baixo de produção e não paga imposto de importação para o Brasil. A Argentina, beneficiada pelas políticas comerciais do Mercosul, fica na segunda posição.
Os hermanos sequer sentem a sombra de uma possível ameaça europeia a esta hegemonia. Culpa dos impostos, indica Guilherme Rodrigues, mais ácidos fora da nossa vizinhança. “[Os impostos] fazem praticamente triplicar o preço de prateleira do vinho em relação aos dos mercados maduros, como Europa ocidental e Estados Unidos. Baixassem os impostos a taxas razoáveis, o vinho custaria cerca da metade. O consumo explodiria com mais arrecadação do governo face ao volume, mais empregos. Dinamizaria e fortaleceria o segmento, aumentaria até o mercado do vinho brasileiro”, diz.
Capítulo à parte, os vinhos nacionais que chegam ao mercado com preços parecidos aos dos chilenos/argentinos, brigam para eliminar o estigma da falta de qualidade. Dados da União Brasileira de Vitinicultura (Uvibra) apontam que os brasileiros consomem apenas 19 milhões de litros de vinhos finos nacionais por ano, enquanto o de importados é quase quatro vezes maior: 77 milhões.
“No Brasil, a história dos vinhos finos começou nos anos 1980 e, de lá para cá, o país está tendo que correr. Fazer em 30 anos o que os europeus fizeram em séculos. Em relação ao Chile e Argentina, estes países são muito menores. As zonas de produção são mais fáceis de identificar. Por isso, embora produzam há pouco tempo, já estão em um bom patamar. O ponto positivo no nosso país é que temos o que há de mais moderno de tecnologia. O que falta é o consumidor acreditar na bebida produzida aqui”, pondera André Porto.