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O pesquisador da gastronomia brasileira
Com sotaque que puxa o erre do interior e apaixonado por descobrir a comida brasileira. O chef sul-mato-grossense Paulo Machado começou a carreira gastronômica meio que por acaso quando foi fazer faculdade de direito em São Paulo. Precisou aprender a se virar e começar a cozinhar. E como o orçamento era baixo, restaurante não podia ser uma opção. Abandonou a profissão de bacharel e passou a se dedicar à sua paixão. Estudou no Instituto Paul Bocuse, fez estágios em vários restaurantes, inclusive no espanhol Martin Berasategui. Foi lá que o clique para o foco de atuação aconteceu. “No final do estágio eu tinha que fazer um prato brasileiro e eu não sabia preparar uma feijoada. O chef Martin então me disse para voltar e aprender o prato típico”.
Depois disso se tornou mestre em hospitalidade e atualmente é professor de gastronomia em diversas universidades. Em 2010 inaugura o Instituto Paulo Machado para pesquisas na área de alimentação, no intuito de investir e oferecer cursos, palestras e consultorias na área. Levou a gastronomia brasileira para países como Tailândia, China, Quênia e Etiópia. Participou como chef convidado do Royal Gourmet, o cruzeiro temático da Royal Caribbean que passou pelo Brasil, Uruguai e Argentina. Fez aulas-show onde mostrou o preparo de pratos típicos do seu estado natal: caribéu (um picadinho com carne seca) e chipa guaçu (bolo salgado de milho).
Entre uma aula e outra conversou com o Bom Gourmet.
Você cita nas suas aulas e entrevistas que a mandioca é um ingrediente muito brasileiro. Tem algum outro que consegue estar presente de norte a sul do país?
O arroz, feijão, a farinha de mandioca e a carne são típicos. Mas o arroz com feijão é um prato regional brasileiro, o que é difícil em um país tão grande como o nosso. Mas eu acredito também na regionalização do Brasil, cada local tem um ingrediente, uma técnica. Como a cozinha Amazônica que é incrível.
A Amazônia inclusive é apontada como o futuro da gastronomia brasileira. O que ainda podemos esperar da região?
O Alex (Atala) fala que é a maior dispensa do mundo. Mas o que mais temos que valorizar são aquelas receitas que se perdem. Aquela senhora que assa uma pimenta para fazer um prato, indígena ou não, por exemplo. Isso que está se perdendo. E no Brasil tem muita gente que utiliza suas próprias técnicas. É mais importante achar a técnica que o ingrediente porque ali já houve a reflexão sobre o produto e como podemos utilizá-lo. A sofisticação na comida está no uso e aprimoramento de técnicas que não são as de cozinha de laboratório.
Quais são os exemplos que podemos seguir para aumentar nossa participação no mundo?
A culinária mexicana foi elevada a patrimônio cultural porque tem uma técnica muito particular. E o Brasil também tem isso. Existem processo indígenas que são milenares que foi feio intercambio com Incas, Maias e Astecas e isso está se perdendo. E isso tem que ser valorizado para conseguir preservar. A farinha de Morretes, por exemplo, é maravilhosa. Ela é puro amido. Se eu pegar a farinha e colocar água, ela vira uma cola, uma goma. Aí você pega uma farinha de mercado que é ruim, que já é a quinta vez que é processada e por isso fica muito mais barata para indústria e vende como farinha de mandioca. Exportamos esse tipo de produto para fora. Está errado.
E é isso que você tenta levar para fora do país?
Você falou certo, eu tento levar. Porque muitas vezes os produtos não têm nem rótulo, mas eu sei como é o produtor, eu conheço, fui ver como é feito. Em alguns casos quando não existe o registro, pode ter adulteração também. O mel da abelha nativa é muito controverso nesse quesito. A Anvisa não reconhece ele como ingrediente. Então tem adulteração. Você pode comprar no mercado mas nem sempre é um conteúdo bom. Quando eu levo eu tenho a obrigação de levar produtos industrializados e dentro desse nicho procuro encontrar melhores. Mas a minha vontade era levar esses produtos, não necessariamente em larga escala, mas que estejam lá para vender também.
Quais ingredientes ou pratos que podemos classificar como autenticamente paranaenses?
O que tem no Paraná e é muito tradicional no interior do estado é o porco no rolete. A gente usa essa festa em muitas cidades do Mato Grosso do Sul. Mas o que eu mais gostei de comer foi o barreado porque me serviram um grande banquete com salada, peixe e vários pratos. Então ele não é só um prato, é mais do que isso. É um prato pra comer com bastante gente. O que mais me chamou atenção na gastronomia paranaense foi o comer junto. É um ritual de comensalidade.