Produtos & Ingredientes
Para onde vai a gastronomia? Veja as 5 tendências que você precisa acompanhar
Assim como nas passarelas de alta costura, as tendências gastronômicas também se transformam no decorrer dos anos, com longos olhares para o passado e ajustes para a sobrevivência de mercado de acordo com a necessidade do momento.
Dentre os muitos temas que voltam todos os anos à discussão de chefs, empresários, pesquisadores, investidores e demais profissionais com o olhar voltado à mesa, estão maneiras de se preparar alimento e novas formas de se formatar um negócio.
Os assuntos apareceram como tema nas palestras do Mesa Tendências, parte da programação do Mesa SP, maior congresso e encontro de chefs da América Latina, realizado no final de outubro em São Paulo com o tema “cozinha de transição”.
O Bom Gourmet resumiu em cinco grandes temas as tendências da gastronomia: consumo de carne, aproveitamento total de alimentos, lições do passado, gestão profissional e novos serviços. Confira:
Diminuir o consumo de carnes
O assunto tem rondado as discussões há pelo menos uma década, mas dessa vez tem novas soluções para a diminuição do consumo de carnes ou sua total substituição. São dois caminhos apontados: a produção de carne vegetal e a reprodução in vitro de músculos de animais.
Bruce Friedrich, do estadunidense The Good Food Institute, defende a primeira opção. “Comer frango é jogar oito calorias fora para consumir uma”, apresentou o pesquisador, durante sua palestra no Mesa Tendências, em São Paulo, mencionando o fato de o animal precisar consumir nove calorias de grãos e cereais para “produzir” uma caloria de carne.
Com uma previsão de produção de carne 70% maior até 2050, o alerta de Friedrich se soma ao discurso já conhecido dos ativistas vegetarianos. Em 2019, integrantes da Sociedade Vegetariana Brasileira estavam presentes na programação do Mesa Tendências, um acontecimento inédito no evento. Alana Rox, apresentadora e autora de livros do estilo de vida vegano, e a nutricionista Ale Luglio falaram sobre cardápio sem carne, ética alimentar e a fisiologia do ser humano.
Se a necessidade é por proteína, há as leguminosas e as estratégias para combinar ingredientes em refeições distintas, como arroz e feijão (que suprem o corpo com aminoácidos essenciais), apontam.
Outro caminho é apresentado pela chef Andreia Pimentel, do quadro Cardápio Surpresa, do canal de televisão SBT: colocar no prato insetos como baratas e grilos, ricos em proteína. O interesse por substituições e novos produtos sem ingredientes de origem animal seduzem também granjas e frigoríficos. Um dos lançamentos do ano é o N.Ovo, da Ovos Mantiqueira, um preparado em pó à base de proteína de ervilha e linhaça que, misturado à água, funciona como aglutinador e umectantes e substitui o uso de ovos em receitas.
Não desperdiçar nada comestível
Um discurso que exorte os cozinheiros a aproveitarem um ingrediente ao máximo parece algo óbvio até se ouvir histórias de grandes chefs, como Andoni Aduriz, do Mugaritz, restaurante basco que consta na lista dos 50 melhores do mundo desde 2006.
“Muitas mães e avós sabiam transformar resíduos em comida. O resultado é o desenvolvimento de técnica ao longo do tempo, a cultura alimentar”, conceituou o espanhol Aduriz, que usou como exemplo a cultura alimentar da China: tudo o que não é letal vira comida, seja picado, moído ou extraído em caldo. “O que difere é o nível de atenção que se põe no alimento”, disse. Para ele, o exercício é olhar o resíduo da cozinha como oportunidade. “Lagosta e foie gras nem sempre foram iguarias”, exemplifica.
Janaína e Jefferson Rueda, dos restaurantes A Casa do Porco e Bar da Dona Onça, são cozinheiros que trazem essa filosofia à mesa. A Casa do Porco serve apenas carne suína e foi considerado o melhor restaurante brasileiro pela edição latino-americana dos 50 Melhores em 2019 e recebe mensalmente 16 mil clientes.
Cada parte do corpo do animal é usado em uma receita, como a renda, uma membrana que envolve o estômago, que enrola as carnes para assar, tal qual a função de um barbante, e a cabeça, que vira um embutido. “Você mata um bicho de 100 kg e ao final não tem mais nada na mesa”, diz Jefferson.
Em um caminho parecido segue a paranaense Manu Buffara, do restaurante Manu e Ella. Há pouco mais de um ano, a chef solicitou ao fornecedor de carne de cordeiro que enviasse também a cabeça e os miúdos do animal. Das cabeças fez um caldo que será servido com folha de couve tostada, picle de cebola, fruta do conde e pimenta-de-cheiro no restaurante Ella, em Nova York, que abre em 2020.
O fígado de cordeiro virou um patê servido na entrada do menu degustação do Manu, em Curitiba. Em seu restaurante, o exercício diário é criar pratos que levem todas as partes do mesmo alimento. “No mesmo prato que leva morango, colocar também seus talos”.
Aprender com o passado
O conselho de olhar para os hábitos alimentares de povos originários volta todo ano à baila: seja ao discutir sustentabilidade e evocar o extrativismo de subsistência e a importância de manter a biodiversidade nas matas, seja ao falar de usar técnicas e ingredientes brasileiríssimos, como a mandioca.
A Amazônia é a fonte de inspiração mais conhecida de Alex Atala, que atualmente tem feito um exercício de resgate de “sabores pré-cabralinos”, como ele mesmo define: preparos que fazem parte da cultura alimentar dos indígenas brasileiros e que pouco se alteraram no decorrer dos séculos.
“Água, peixe e mandioca é a tríade que você vai encontrar de Norte a Sul”, crava o chef dos restaurantes paulistanos D.O.M., Dalva e Dito e Bio. “São os ingredientes que compõem a caldeirada, moqueca, peixada, mujica e quinhãpira. Muda o peixe, as ervas, mas a mandioca está lá”, diz. Este foi o ponto de partida para o caldo de traíra, um peixe tido como comum, que integra a receita pirarucu, a estrela dos rios brasileiros, proveniente de lagos de Rondônia.
Processos de defumação, secagem, salga e outros tipos de cura, resgatados dos costumes alimentares de uma vila na Praia do Bonete, em Ilha Bela, São Paulo, surpreenderam a plateia do Tendências. O case da vila de pouco mais de 300 habitantes foi levado ao evento pela dupla que idealizou o projeto A.Mar, Rodolfo Vilar e Ciro Reis, que conheceu a pesca artesanal da comunidade durante seus veraneios na localidade.
Com a nova geração de pescadores, ainda adolescentes, muitos processos mudaram ou minguaram. Além de praticar o resgate proposto por Rodolfo e Ciro, as mulheres da vila passaram a usar outras técnicas, como conservas, fermentação, maturação e até embutidos usando integralmente os pescados da região, como o garum, um molho de peixe fermentado com intestinos de lula; embutido de sangue de atum com barriga de porco; albacora branca dry aged; e cavala curada em baixa temperatura e maturada.
Às vezes a inspiração é além-mar: a tradicional pizza napolitana é o parâmetro da Leggera, pizzaria aberta em 2013 em São Paulo. O prato data do século 18 na região italiana e no decorrer dos séculos definiu um estilo: borda fofa e alta, molho de tomate artesanal, massa elástica, aberta à mão e fermentada no mínimo por oito horas e queijos muçarela de búfala ou fior di latte.
O Brasil conta com um braço da Associazione Verace Pizza Napoletana (AVPN), que certifica as pizzarias que seguem os processos, composição da massa e a maneira de abri-la e de cortar o queijo, por exemplo. O Brasil tem 11 pizzarias na lista da AVPN — a Leggera é uma delas, da qual o presidente da AVPN no Brasil, André Guidon, é sócio.
Gestão profissional
Se o dado de que oito em cada dez restaurantes fecham nos primeiros dois anos de funcionamento é impressionante, a Escola de Gestão em Gastronomia (EGG) completa a informação: dos dois restaurantes que “sobreviveram”, um deles vai fechar antes de completar cinco anos. “Não existe fórmula para abrir um restaurante”, assegura Priscila Nonaka, sócia e coordenadora da EGG.
O ponto pacífico é a necessidade de profissionalização ao máximo: da mão-de-obra da cozinha em salão; da gerência das redes sociais e da gestão financeira do restaurante. “Precisa ser colocado no papel o tempo de treinamento, a fase da inauguração, todo o tempo para colocar para rodar um restaurante. Como isso é ignorado desde o plano de negócios, o restaurante já abre no prejuízo”, alerta Priscila.
Colocar os custos na ponta do lápis, acompanhar tendências de tecnologia e treinar constantemente pessoal, desta forma é possível desenvolver o mercado de alimentação fora de casa, defende Priscila. Especialmente o último ponto, negligenciado por empresários por causa da alta rotatividade de funcionários. “Remuneramos mal e ainda queremos que o trabalho seja bom”, provocou Ivan Achcar, sócio da EGG, durante palestra no Tendências.
Rogério Fasano, quarta geração à frente dos empreendimentos que levam o nome da família, defende a proximidade do empresário no cotidiano da operação. Os sete hotéis e sete restaurantes do grupo são conhecidos por seu alto nível de serviço. “A pessoa sai da casa dela para gastar dinheiro, ela quer ser bem tratada”, disse.
Novos serviços
Os hábitos de alimentação mudam rapidamente, marcando diferentes gerações: enquanto os pais pediam pizza por telefone, os filhos escolhem na tela do smartphone qual o jantar entre dezenas de estilos de cozinha. O que não muda é a eficiência do atendimento: o delivery pode ser uma vitrine do restaurante e atrair o cliente ao salão ou como uma plataforma para vender um produto que suporte deslocamento e seja entregue sem perda de qualidade.
Com a popularização do delivery, novos modelos surgem, como as dark kitchens (operações sem salão), bem localizadas para facilitar a logística e outras maneiras de se relacionar com o cliente. “Mas a interface humana sempre será importante”, alerta Ivan Achcar, da EGG.
Foi ao voltar seu olhar para as pessoas da cadeia de alimentação que Marcelo Vosnika, da Moageira Irati, redefiniu a relação entre os elos. Com o projeto Trigo de Origem, ouviu dos padeiros de Curitiba suas demandas, repassou-as aos produtores e à Biotrigo, empresa de desenvolvimento genético do cereal, e há poucos meses começou a produzir uma farinha de trigo mais adaptada às necessidades dos profissionais de panificação, proveniente da variedade Sossego. A Moageira Irati é a maior empresa do ramo no Paraná.
O cereal cultivado por mais 2 mil agricultores do estado passou a ser usado pelos padeiros no lugar das farinhas importadas do Canadá, França e Itália, e o novo fluxo estreitou a relação de toda a cadeia. “Passamos a entender a demanda de ambas as pontas e prestamos um serviço mais assertivo”, afirmou Marcelo, há 25 anos presidindo a Moageira.