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Pão do futuro será mais natural e passará pelos fornos do Paraná
O futuro do pão no Brasil não será mais apenas do campo à mesa com uma padaria ou um supermercado no meio do caminho. Será de produções cada vez mais próprias e artesanais, com diferentes tipos de trigo e experiências — muitas surgindo no Paraná. Pelo menos é o que apontam especialistas ouvidos pelo Bom Gourmet durante o simpósio sobre o Futuro do Pão Artesanal no Paraná, realizado a última semana em Curitiba.
Ao longo dos dois dias de palestras e oficinas, profissionais paranaenses mostraram seus estudos e pesquisas para fazer um pão cada vez menos industrializado, utilizando o método de fermentação natural e outras técnicas que remontam aos tempos antigos, quando a farinha era moída em casa.
Embora possa parecer simples, o resgate cultural passa por questões mais profundas de estudos, como os diferentes tipos de grãos, as técnicas de fermentação natural que se adaptem às regiões do estado, as propriedades nutricionais, entre tantos outros quesitos que passam longe do que nossos antepassados faziam.
Segundo um dos responsáveis pelo projeto Trigo de Origem, Divanildo Carvalho Junior, o Paraná é uma verdadeira biblioteca de variedades do grão de trigo, com lotes e diferentes vocações para cada tipo de uso. Contrariando a fama de que o trigo importado é melhor que o brasileiro, ele considera que só existem dois tipos de grão ruim: o que foi misturado com variedades para outros usos e o que não é utilizado para o que deveria.
“Podemos fazer um pão diferente a cada dia. Pesquisamos e desenvolvemos, desde a seleção da semente até o processo de moagem, uma farinha adequada aos processos artesanais de longas fermentações naturais para a obtenção de pães leves, aerados e de bom volume”, explica. Isso passa pela rastreabilidade e a certificação do trigo paranaense desde o agricultor até o padeiro.
Fermentação natural
Talvez o grande desafio destes profissionais hoje em dia seja conseguir uma fermentação natural que não sofra tanto com as baixas temperaturas em diferentes épocas do ano. Em algumas localidades do Paraná, fazer o pão crescer é a maior dificuldade, mesmo com um clima um pouco mais equilibrado se compararmos a outras localidades do país.
Oscar Pablo Luzardo, da La Panoteca, desenvolve há três anos o projeto Microteca, que pesquisa os processos de fermentação natural a partir de grãos, micro-organismos e leveduras daqui, e agora está divulgando os primeiros resultados das análises feitas.
Junto da esposa, Claudine de Sá Botelho, engenheira de alimentos, e da doutora em engenharia química Bianca Eli Della Bianca, eles descobriram que é possível contornar esses problemas. “A temperatura ideal para se produzir pão de fermentação natural varia de 14° a 20° C, que deixa a massa no ponto certo. No Paraná isso é constante quase o ano todo, embora alguns dias possam ser mais frios ou mais quentes que isso. No entanto, dentro de casa a temperatura se mantém equilibrada, dependendo do tamanho da cozinha, da altura, do isolamento térmico”, explica Luzardo.
O projeto também testou dois tipos de fermentação natural, um utilizando um fermento surgido espontaneamente da mistura dos ingredientes, e outro a partir de três micro-organismos da biblioteca da Microteca. O resultado confirmou a expectativa deles.
“O pão de fermentação natural que fazemos no Paraná não deixa nada a desejar para os europeus, estamos com produções de alta qualidade”, comenta a escritora Marli Kolczycki Dall’Stella, que pesquisou receitas típicas austríacas e alemãs para seu livro de receitas dos imigrantes que vivem em Treze Tílias, em Santa Catarina.
Pão da história
Esse uso do pão cada vez mais natural e fresco, com ingredientes daqui, faz parte de um resgate da própria cultura alimentar paranaense. Solange Demeterco, socióloga e doutora em história, conta que a fermentação natural acabou abandonada com o passar dos anos por conta da mudança de perfil dos consumidores.
“E isso afeta a gastronomia como um todo, as pessoas deixaram de fazer pão. É preciso uma reinvenção e uma revalorização do ofício de padeiro e das receitas, recontando a história do pão e de todos os envolvidos nesse processo”, analisa a socióloga que pesquisa os aspectos da cultura alimentar há mais de 20 anos.
Ela ressalta que a tendência de se resgatar a fermentação natural não é apenas mais um modismo, mas sim um movimento que veio para ficar. “As pessoas querem preço e praticidade, mas elas querem saudabilidade também”, completa.