
A confeitaria está trilhando um caminho menos doce. Pode ser um paradoxo, mas tudo aponta para que esse seja o amadurecimento da doçaria brasileira, que não se resume apenas ao brigadeiro. Claro que doces açucarados são os preferidos de muita gente, mas há um movimento de pessoas que buscam sentir outros sabores mais complexos em uma sobremesa, como a acidez de uma framboesa ou o dulçor de uma manga madura.

Mara Lucia Pontes, professora do curso de Gastronomia do Complexo Educacional FMU, que faz parte da rede Laureate de ensino em São Paulo, conta que na verdade, os “doces menos doces” são habituais no mundo da confeitaria, com exceção de países que foram produtores de açúcar, como o Brasil. “Nesses existe a cultura de consumir doces com um alto teor de açúcar. Vemos isso claramente nos estados brasileiros onde doces da época colonial ainda são atrativos, como Minas Gerais ou Bahia”. No entanto, em São Paulo ou Rio de Janeiro, “o que se percebe é que os doces estão com uma quantidade menor de açúcar e isso pode ser verificado nas confeitarias ou padarias e, principalmente, nas sobremesas dos bons restaurantes”, diz.
Sutileza
Os chefs concordam que o chocolate meio amargo foi o precursor desta mudança. Antes, as opções ao leite reinavam absolutas. Hoje, basta passear pelas gôndolas dos supermercados e chocolaterias para observar o “avanço” de outras versões como o meio amargo e até com 85% de cacau. “As pessoas estão se abrindo para experimentar coisas diferentes”, diz Flávio Federico, da Academia de Confeitaria Flávio Federico de São Paulo.
Os seus doces, conta Flávio, têm de 20% a 30% menos açúcar em comparação a uma receita tradicional. Uma das suas criações, por exemplo, que tinha tudo para ser muito doce não o é: uma torta de banana caramelada com avelã e café. “A banana por si só é doce. Então, uso o caramelo no ponto final do dulçor, quase amargo. O café e a avelã contribuem para um sabor diferente”, pontua.
Na mesma linha, em Curitiba, segue a chef Carolina Garofani, da Caramelodrama, e professora da Universidade Positivo. Ela é adepta de uma confeitaria menos açucarada, mesmo porque suas bases seguem a escola francesa, menos doce. Além disso, ela aboliu o leite condensado de suas receitas. “O leite condensado é lindo. É doce, gorduroso, resiste bem ao calor. Mas, acaba virando uma muleta. Trabalhar sem ele é mais complexo”, afirma. Carolina explica que, ao tirar o leite condensado, por exemplo, se “abaixa o volume” de um doce, fazendo outros sabores aparecerem. “A sutileza das coisas se perde quando tudo é muito doce”, diz.
Thays Ferrão, sommelière e professora do curso de Gastronomia da Universidade Positivo concorda que as pessoas estão buscando “mais a acidez, o meio amargo e até a troca do açúcar refinado pelo mascavo ou demerara”, fala. Ela conta que sentiu essa mudança quando participou do programa Que Seja Doce (juntamente com o chef Marcelo Apene do Barista Coffee Bar).
Quem ainda duvida da popularidade dos doces menos doces basta ver o sucesso da rede Funfit Faz Bem, que não usa açúcar refinado e privilegia sobremesas mais saudáveis. Já são cinco lojas e isso em pouco mais de um ano. A empresária Adrielli Unizicki conta que não usa ingredientes que não saiba o significado. “Nosso doce de leite, por exemplo, é feito aqui mesmo e com açúcar demerara. Nas sobremesas usamos apenas o necessário para garantir o sabor doce. Sem exagero”. Além do demerara, ela usa o mascavo, o de coco e agora, o Xilitol (um adoçante natural extraído de alguns vegetais).
França e Japão dão o exemplo
A confeitaria europeia, com exceção da portuguesa e espanhola, sempre foi adepta do açúcar de menos. A japonesa também segue esse caminho. O chef Johnlee Justino, do Centro Europeu, lembra que quem é partidário desta confeitaria mais carregada são os países latinos. Basta ver alguns exemplos de doces típicos. O que falar da torta Rogel da Argentina, formada por várias camadas de massa, intercaladas com doce de leite e coberta com merengue? Ou do Chajá, do Uruguai, bolo de baunilha, intercalado por uma camada de doce de leite, outra de chantilly com pêssego e coberto com chantilly e suspiro?
No Japão é muito diferente, conta o chef Cairo Murakami, da Kinkan Sweet House, em Curitiba. Ele, que trabalhou durante dois anos em confeitarias japonesas, comenta que lá o dulçor vem mais das frutas do que do açúcar. “É engraçado porque a culinária salgada japonesa é mais doce, mas os doces, não”, diz. Além disso, ele ressalta que muitos doces consumidos no Japão são clássicos franceses, como profiteroles (minibombas com massa choux). “Normalmente, os japoneses pegam uma receita, reduzem o açúcar, a gordura e, com isso, aumentam a qualidade e o sabor”, completa.
Abra-se a novas experiências
Quer experimentar novos sabores? Que tal uma barra de chocolate branco com azeitonas secas? Essa é a proposta da marca americana de chocolate Vosges e sugestão proposta pelo livro “Dicionário de Sabores” de Niki Segnit (Casa da Palavra). Outra dupla inusitada, segundo a obra, é a melancia com chocolate vista no prato siciliano gelo di melone – uma calda de melancia engrossada com amido de milho e acrescida de canela, pistache, chocolate ralado e casca de laranja cristalizada.
Se você quer fazer um pão de ló diferente e requintado, experimente colocar estigmas de açafrão em infusão com uma colher de sopa de leite e adicione à massa. Recheie então com uma compota de laranja.
Limão e chocolate? O livro lembra que o chef francês Joel Robuchon oferece suas madeleines de limão acompanhadas por um potinho de chocolate. Já o restaurante francês Taillevent é conhecido por oferecer um sorvete de tomilho com petit gateau de chocolate.
LEIA MAIS:
Onde ir: lugares que servem café colonial em Curitiba
Irresistível: 23 receitas com leite condensado
Conheça walool e kurto kalacs, dois doces exóticos vendidos em Curitiba
Doceria faz brigadeiros com ampolas que liberam bebidas como café, whisky e Amarula
Peças/louças usadas nas fotos:
Bergerson Presentes – Al. Presidente Taunay, 45, Batel – (41) 3304-4426.
Camicado Shopping Mueller – Av. Cândido de Abreu, 127, Centro Cívico – (41) 3307-1164.
Portobelo Shop – R. Reinaldino S. de Quadros, 433, Alto da XV – (41) 3016-1515.
Roca Utilidades – Av. Visconde de Guarapuava, 1.840, Centro – (41) 3075-9950.
Segredos da Cor – Al. Júlia da Costa, 252, São Francisco – (41) 3233-8945.
Sobremesa – R. Bruno Filgueira, 490, Batel – (41) 3014-0017.
Vida Feita à Mão – 99746-6424.
-
Falta de exigência e ideologização do ensino retêm Brasil entre lanternas da educação no mundo
-
Reconhecida internacionalmente, Marina Silva tem influência limitada no governo Lula
-
Como Lula e o Brasil acompanham a crise provocada por Maduro
-
Veículos militares enviados a Roraima não são “tanques” e geram efeito dissuasório limitado