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O engenheiro Michael Spranger e o especialista em harmonização François Chartier apresentam o sistema na Madrid Fusión 2020. Foto: Divulgação/François Chartier
O engenheiro Michael Spranger e o especialista em harmonização François Chartier apresentam o sistema na Madrid Fusión 2020. Foto: Divulgação/François Chartier| Foto:

Um novo sistema de inteligência artificial promete estimular a criatividade de chefs e restaurateurs, criando sabores e harmonizações inéditas. O Laboratório de Ciências da Computação da Sony está desenvolvendo um projeto que pretende coletar e catalogar as características dos alimentos do mundo todo. Dados como a composição molecular, cor, textura, geolocalização, clima e sazonalidade serão armazenados em um grande banco de dados, capaz de identificar correspondências entre esses alimentos e sugerir as melhores combinações.

O engenheiro Michael Spranger e o especialista em harmonização François Chartier apresentam o sistema na Madrid Fusión 2020. Foto: Celeste Sanz Ferramola
O engenheiro Michael Spranger e o especialista em harmonização François Chartier apresentam o sistema na Madrid Fusión 2020. Foto: Celeste Sanz Ferramola

O objetivo do sistema, apresentado no começo deste ano na feira Madrid Fusión, é inspirar os chefs a criarem receitas com base nos mínimos detalhes, inclusive resgatando técnicas e preparos clássicos da cozinha mundial e indicando quais os melhores substitutos para determinados ingredientes. O software, que está sendo concebido pelas divisões japonesa e norte-americana da Sony, deve ser posteriormente abastecido com informações fornecidas pelos próprios usuários.

“O sistema pode auxiliar o trabalho dos chefs criando novas sugestões de preparos, mas não que vá limitar a atuação deles. É como um diálogo com a tecnologia, você dá algo para a máquina, e ela te devolve com uma sugestão de aplicação disso, desde a comida do dia a dia até a alta cozinha”, explica Michael Spranger, pesquisador que lidera a criação do sistema.

Ao Bom Gourmet Negócios, Spranger defendeu que a ferramenta auxiliará chefs a estruturarem melhor o seu processo criativo, procurando os alimentos que funcionam como pares perfeitos. “Nosso objetivo é explorar como a tecnologia pode ser usada para criar pratos mais saudáveis, saborosos e sustentáveis. Podemos comercializar alguns aspectos desse sistema no futuro, mas isto ainda não está decidido”, comentou.

Além do robusto banco de dados, a multinacional também está desenvolvendo um sistema de robótica para preparar as receitas geradas através da inteligência artificial. A tecnologia composta de braços mecânicos, fornos e utensílios vai permitir aos chefs e usuários comuns escolherem os pratos prediletos com apenas alguns cliques, e a máquina fará todo o preparo sozinha.

“O humano pode mostrar como quer que uma batata seja cortada, por exemplo, e o robô vai reproduzir essa orientação. Mas, ele também pode fazer todo o processo, como assar um peru analisando todas as suas características e criando a receita de acordo com o gosto do usuário e do que se aplica melhor a ele”, conta Masahiro Fujita, engenheiro da Sony.

Polêmica na cozinha

O sommelier François Chartier está auxiliando na criação da ferramenta, junto com um pequeno grupo de especialistas em harmonização. Foto: Divulgação/François Chartier
O sommelier François Chartier está auxiliando na criação da ferramenta, junto com um pequeno grupo de especialistas em harmonização. Foto: Divulgação/François Chartier

Embora a Sony ainda não tenha previsão de lançamento para a sua inteligência artificial gastronômica, a tecnologia já está criando dúvidas e polêmicas entre os profissionais. Ainda durante a feira Madrid Fusión 2020, o chef espanhol Daviz Muñoz afirmou que aplicações de inteligência artificial e previsão de tendências podem tornar a cozinha “menos humana, e ser usada pela grande indústria para lucrar ainda mais”, disse.

A afirmação foi rebatida pelo chef canadense François Chartier, que está trabalhando em conjunto com a Sony, como consultor do projeto. Para ele, o que a tecnologia faz é facilitar o trabalho dos profissionais, sugerindo e criando novas aplicações, transformando a cozinha  em um laboratório.

“Um exemplo semelhante de aplicação da ciência na gastronomia é o chef Ferrán Adriá que, há 30 anos, decidiu pesquisar cientificamente os alimentos para poder ampliar seus conhecimentos, o que ajudou a criar diferentes combinações de menus em seu restaurante. Vamos usar essa ferramenta para ampliar a criatividade”, defende Chartier.

No Brasil, alguns profissionais também já se manifestaram sobre o assunto. Para a consultora em serviços de alimentação Ana Paula Esperati Lelis, de São Paulo, o uso da inteligência artificial na gastronomia é um caminho sem volta. Atuando há duas décadas com o desenvolvimento de soluções viáveis para cozinhas profissionais, a técnica em nutrição acredita que a tecnologia só vai melhorar os processos do dia a dia das operações.

“A inteligência artificial na tecnologia de alimentos irá ampliar as opções de ingredientes na indústria e, consequentemente, nos serviços de alimentação. O chef, tendo um repertório maior de elementos, usará a sua criatividade para elaborar e entregar novas experiências sensoriais aos comensais”, analisa.

O chef curitibano Ricardo Filizola, do La Cocina Gastronomia compartilha da mesma opinião. No grupo de whatsapp Bom Gourmet Negócios, o chefe reagiu ao trabalho desenvolvido pela Sony afirmando que as soluções geradas pela inteligência artificial  ajudarão “a entender e superar as nossas limitações”.

Tecnologia daqui

A barista curitibana tem um catálogo de dados de 6,7 mil torras de café. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.
A barista curitibana tem um catálogo de dados de 6,7 mil torras de café. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo.| Leticia Akemi

Um trabalho semelhante começou a ser desenvolvido no Brasil há cinco anos pela barista e mestre de torra Geórgia Franco, que largou a carreira de analista de dados para abrir o Lucca Cafés Especiais, em Curitiba. Na cafeteria, ela gera e cataloga todos os dados possíveis dos cafés que torra através de sensores instalados na máquina torradora, como procedência, características dos grãos antes e depois do beneficiamento, perfil sensorial, entre outros detalhes.

“A intenção é ter dados suficientes para tirar o melhor proveito do café, que varia muito de uma safra para outra. Com esse banco de dados eu consigo analisá-lo ano a ano, safra por safra, ver o que mudou nas características, como os grãos de uma determinada origem estão evoluindo. Isso vai ficar disponível para quem quiser estudá-lo no futuro”, explica Geórgia.

O banco de dados da barista já soma de mais de 6,7 mil torras de 150 variedades de cafés. É com base neles que Geórgia consegue ajustar a produção e ainda auxiliar as famílias que fornecem a matéria-prima utilizada por ela.

Outras aplicações

A inteligência artificial já é utilizada em menor escala no dia a dia de alguns restaurantes, como a otimização e o uso de aplicativos de delivery, o atendimento ao consumidor através de chatbot, os cardápios digitais e sistemas de tira-dúvidas de donos de estabelecimentos – como a Ava, criada pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), com mais de 10 mil perguntas e respostas corriqueiras de empresários do setor.

Há ainda o serviço de entrega por robôs e drones testado por startups brasileiras e americanas, como o iFood e Uber Eats, e aplicativos que fazem uma verdadeira consultoria gastronômica para o consumidor final, como harmonização de vinhos e identificação da receita de um prato através da fotografia.

 

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