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Tendências

2020 terá uma das melhores safras de café especial da história; entenda por que

Stephanie Abdalla, especial para o Bom Gourmet
25/09/2020 14:00
Em muitos aspectos, 2020 tem sido um ano turbulento; mas para o setor cafeeiro no Brasil o momento promete prosperidade, garantida por uma colheita farta e de qualidade superior a anos anteriores. Entre produtores e baristas brasileiros, a expectativa é a de que a safra deste ano seja uma das melhores da história do café especial, ao menos nas últimas décadas.
Até agora, com as provas de qualidade do produto já realizadas no Brasil, essa expectativa se confirma. O Cup of Excellence, maior concurso de cafés do mundo, que teve os resultados da pré-seleção nacional divulgados no início de setembro pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), teve uma nota de corte de 87,63/100 – valor muito alto se comparado a anos anteriores.
“Recebemos 700 amostras; 249 obtiveram nota acima de 87. É um valor excelente e que não víamos há muitos anos”, diz a diretora executiva da BSCA, Vanusia Nogueira.
De acordo com ela, a qualidade de uma safra está intimamente ligada às condições climáticas. Este ano, em todo o país, o verão com chuvas abundantes e o inverno muito mais seco impactaram positivamente as produções em todas as regiões.
Ainda não é possível, como explica Vanusia, determinar quais foram as regiões mais prósperas, pois alguns estados não fizeram suas colheitas. Mas, de modo geral, ela afirma que o café deste ano está mais doce, com uma uniformidade e uma consistência do lote excepcional.
A doçura acentuada dos grãos, segundo a premiada barista curitibana e proprietária do Lucca Cafés Especiais, Georgia Franco, está muito relacionada à colheita tardia, facilitada pelo clima mais seco, que impede que o café amadureça no pé.
“O grão doce nos permite trabalhar com mais acidez, entregando ao consumidor cafés mais potentes. A ideia é que a partir de outubro o público já esteja provando os primeiros cafés dessa safra, que foram colhidos em maio e junho. A coleção completa deve estar disponível em janeiro”, diz ela.
Enquanto o sabor doce da xícara depende de um clima mais seco, a uniformidade e consistência do lote dependem da umidade. Anterior ao amadurecimento do grão acontece a florada, momento em que desabrocham as flores da planta, e o verão chuvoso pelo qual o Brasil passou fez com que ela acontecesse de uma vez só.
Normalmente, como explica o produtor da Fazenda Pilar em Cornélio Procópio (PR), Marco Antônio Cravo, as floradas são menores e mais frequentes, o que faz com que os grãos amadureçam em momentos diferentes, de forma não uniforme.
No entanto, na maior parte das plantações de café no Brasil, o desabrochar das flores este ano aconteceu ao mesmo tempo e em abundância.
“Menos floradas aumentam o
prazo médio de maturação. Assim, a planta tem mais tempo de armazenar e
distribuir os açúcares para o fruto e, consequentemente, para o grão,
produzindo um café de maior qualidade e em maior quantidade”, afirma Cravo.
Também por conta das chuvas do início do ano, a peneira – tamanho dos grãos colhidos – está maior. Em várias regiões, o valor médio de peneira tem sido de 16, considerado alto se comparado aos anos anteriores.
Esse foi o resultado observado por Afondo de Lacerda, produtor do Sítio Forquilha do Rio, na divisa de Minas Gerais e Espírito Santo. Segundo ele, uma safra promissora significa maior aproveitamento de grãos.
“Enquanto nos outros anos estávamos aproveitando em torno de 60-70% de peneira 16 para cima, este ano estamos aproveitando 80% da mesma medida. A densidade dos frutos está muito boa”, explica o produtor.
Para
além do clima
Depender do clima adequado para
uma colheita farta e de qualidade parece uma tática um tanto arriscada dos
produtores. É por isso que, cada vez mais, eles estão investindo em técnicas de
previsão climática e aperfeiçoando as formas de manejo e proteção das plantações.
O produtor brasileiro, de
acordo com a diretora executiva da BSCA, é referência profissional no setor
cafeeiro no mundo todo. “Condições climáticas não são o suficiente; qualidade e
quantidade não serão maiores se o produtor não explora suas oportunidades desde
a primeira etapa de produção.”
Segundo o produtor Marco Antônio Cravo, é necessário fazer o acompanhamento da lavoura diariamente. No momento da colheita, o ideal é colher os grãos da forma mais madura possível; depois disso, o pós-colheita exige cuidados específicos também.
“Nesse momento eu vou preparar os frutos para virarem grãos e é preciso tomar decisões importantes que serão extremamente determinantes na qualidade do meu produto: vou descascar o café na máquina ou vou secar o fruto com a casca? Vou tirar a mucilagem [película entre a casca e o grão] ou não? Qual técnica vou secar os grãos? Todo produtor deve estar preparado para se perguntar e responder essas questões”, diz ele.
Bianualidade
No universo cafeeiro, safras fartas acontecem, geralmente, a cada dois anos. A tendência é que as plantas se estressem em momentos de grande produção e, portanto, rendam menos frutos no ano seguinte.
A grande vantagem deste ano, como explica Vanusia, é que, além de ter sido um ano promissor em qualidade, também é um ano de safra alta. A previsão da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de 61,7 milhões de sacas - segundo maior da história, perdendo apenas para 2018.
Em anos de safra baixa, a diretora afirma que é possível implementar estratégias que garantam melhor produção. O manejo, técnica de poda realizada pelos produtores, por exemplo, é uma tática que vem sendo eficientemente aplicada em plantações e que equilibra um pouco mais a diferença quantitativa entre um ano e outro.
De acordo com Afonso de Lacerda, o ideal é que os produtores façam a poda lateralmente em metade da plantação, induzindo essa metade ao retardo do desenvolvimento.
“Dessa forma, a planta podada não sofre com o estresse de um ano super produtivo e rende frutos no ano seguinte, garantindo uma colheita mais equilibrada. As lavouras bem conduzidas, manejadas de forma consciente, não sentem tanto com a bianualidade”, afirma.
Preços
e expectativas
Por conta da pandemia, alguns mercados ficaram mais retraídos. No setor, as cafeterias e as microtorrefações foram as que mais sofreram e, por isso, os preços dos cafés especiais não deve mudar muito para o consumidor.
Segundo Vanusia, é de
interesse dos estabelecimentos manter o preço acessível para que a safra
excelente deste ano seja consumida integralmente. Para Georgia Franco, apesar
de abalados, vários estabelecimentos fizeram investimentos motivados pelo
aquecimento do mercado no ano passado.
A barista afirma que isso fará com que a oferta de produtos mais ousados seja maior agora. “No Lucca compraremos 40 lotes, sendo que quatro deles já estão escolhidos. Posso garantir que a oferta será boa e, agora que sobrevivemos à pandemia, temos muitos motivos para sermos otimistas e sair desse momento bem acelerados”, finaliza.

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