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Cascavel vive luto após queda de aeronave da Voepass. Vinte e duas pessoas moravam na cidade.
Cascavel vive luto após queda de aeronave da Voepass. Vinte e duas pessoas moravam na cidade.| Foto: Prefeitura de Cascavel/Divulgação

No sábado (10), véspera do Dia dos Pais, o comércio de Cascavel (PR) funcionava normalmente e com horários estendidos para que os filhos atrasados pudessem comprar os presentes. As lojas estavam lotadas, mas pouco se ouvia pelas ruas e nos espaços comerciais comentários sobre a queda da aeronave ATR-72 500 da Voepass um dia antes, apesar do luto coletivo. “A gente sente as pessoas muito tristes, mas parece um luto um pouco mais calado, as pessoas parecem estar em um estado de negação ainda, em choque”, comentou a vendedora Sueli Martins.

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O voo 2283 saiu de Cascavel com destino ao Aeroporto Internacional de Guarulhos às 11h46 de sexta-feira (9). Caiu em uma área residencial em Vinhedo (SP) às 13h21 deixando 62 pessoas mortas, 58 passageiros e quatro tripulantes. Conheça as pessoas que representam as estatísticas.

Vinte e duas vítimas fatais moravam em Cascavel e ao menos uma dezena de outras em cidades da região como: Toledo, a 35 quilômetros; Palotina a 100km; Marechal Cândido Rondon 86km; Guaíra 150km; Ubiratã 80km e Três Barras do Paraná, a 90km. O aeroporto é o segundo mais importante do Oeste do Paraná, atrás apenas do Internacional de Foz do Iguaçu e, por isso, é rota frequente de viajantes de toda a região. “Tenho a sensação que as pessoas estão evitando falar do acidente. Não sei se estão chocadas ou se a ficha ainda não caiu”, seguiu a vendedora.

O assunto também não tomava conta das rodinhas de amigos no Calçadão da Avenida Brasil, principal ponto comercial da cidade de 348 mil habitantes. “Não tem como não ficar mexido. Quem mora em Cascavel e vai com frequência para São Paulo sempre pega esses voos. De certo modo, todo mundo conhece alguém que estava na aeronave da Voepass, mas a gente está evitando falar sobre isso porque é muito triste”, contou o aposentado Odacir Mafiolli que aproveitava os bancos do Calçadão comercial para se aquecer na gelada manhã de sábado, quando fez apenas 2ºC no município.

Para a administradora Ivania Roque, talvez a “ficha só vá cair” quando os corpos chegarem à cidade para um esperado velório coletivo. O que se espera a partir desta segunda-feira (12).

O Centro de Convenções e Eventos de Cascavel, que foi colocado pelo prefeito Leonaldo Paranhos (PSC) à disposição das famílias para o velório coletivo, recebe neste fim de semana um evento tradicional da cidade. A região, que tem um Produto Interno Bruto (PIB) de mais de R$ 100 bilhões voltado essencialmente para o agronegócio – produção de proteína animal e grãos – tem se referenciado como importante produtora da agricultura familiar.

Os morangos estão entre os destaques produtivos regionais. O Centro de Eventos sediou no fim de semana a 22ª edição da festa. Os expositores mal vão ter deixado o local e a prefeitura, o Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil começam a prepará-lo para os atos fúnebres. “O local começa a ser preparado para as cerimônias fúnebres na manhã de segunda-feira (12). Conforme o fluxo de informações chegarem do Instituto Médico Legal de São Paulo, o município de Cascavel organizará a recepção dos corpos e consequentemente o velório e sepultamento”, informou o município.

Na Festa do Morango, no entanto, a queda do avião virou quase um tabu. “Somos de outro estado e coincidiu de estarmos aqui expondo neste momento terrível para a cidade, mas não chegamos a atender clientes que tenham falado abertamente da queda da aeronave. A gente sente as pessoas tristes, mas parece que estão sofrendo lá dentro, com um luto interno”, completou o comerciante Dionísio Freitas.

O mesmo se repetia nas duas principais feiras da cidade aos domingos: a Feira do Produtor e a Feira do Teatro. Com menos visitantes do que de costume nos dois locais, o assunto não dominava as mesas ou as bancas. “O movimento está menor, não sei se pelo frio, pelo Dia dos Pais ou pelo acidente, mas quem veio à feira, quase não tocou no assunto do acidente, é um sofrimento diferente”, comentou a expositora Sirlei Fonseca.

Voo 2283: sofrimento setorizado e dores coletivas

Em meios nos quais houve a perda de vários profissionais, o luto está abertamente presente nas redes sociais, nos perfis de colegas ou nas entidades de classe. Cascavel é a maior cidade do Oeste do Paraná e uma das principais referências em Medicina do estado. Possui um dos mais importantes hospitais para o tratamento de pessoas com câncer, o Hospital do Câncer de Cascavel Uopeccan por onde passam cerca de 1,3 mil pessoas todos os dias de diversas regiões do Paraná e de estados vizinhos.

Duas médicas residentes na unidade e que viajavam para um congresso de oncologia estavam na aeronave da Voepass. Arianne Albuquerque Estevan Risso e Mariana Comiran Belim trabalharam até poucas horas antes de embarcar no voo 2283. Segundo o hospital, a primeira era residente desde 2022 e a segunda desde 2023.

“Profissionais competentes e que encontraram na Uopeccan a realização de um sonho: salvar vidas. Médicas humanas, que atendiam todos os pacientes com muita dedicação, carinho e respeito. Não é à toa que eram recorrentes os elogios as duas em nossas ouvidorias. Agora, só nos resta a saudade e lembranças de duas jovens médicas que partiram cedo demais”, disse a direção do hospital.

Além delas, estavam no voo outros dois médicos: Sarah Sella Langer e Leonel Ferreira, ambos ligados ao Hospital Universitário do Oeste do paraná (Huop), maior referência em média e alta complexidade do Oeste do Paraná no sistema público de saúde. Leonel também era proprietário de um importante centro de imagem e radiologia em Cascavel que levava seu nome, inaugurado há 27 anos. Era membro do Conselho Brasileiro de Radiologia e na fachada do prédio comercial, uma fita preta não deixava ninguém esquecer do luto.

“Uma tristeza enorme porque todo mundo conhecia alguém que estava no voo. A cidade não é tão grande então quem estava no voo ou era um amigo, ou alguém que as pessoas sabiam quem era ou já tinham ouvido sobre. É uma situação de desespero e um mal estar terrível”, disse o instrutor Diogo Adriano que passava na frente do prédio na manhã deste domingo.

Venezuelanos queriam voltar para casa

Além dos médicos, estavam no voo 2283 da Voepass empresários, profissionais da área do Direito, professores, servidores públicos do estado do Paraná, aposentados, crianças e pessoas que só queriam voltar para casa. Era o caso da família de venezuelanos que morou na região, mas decidiu embarcar no voo para voltar ao país de origem.

Josgleidys Gonzalez, a mãe, Joslan Perez, o filho de penas 4 anos, e Maria Parra, a avó, embarcaram com o cachorrinho da família de volta para casa e depois tentariam a vida em outro país da América do Sul. Havia ainda 9 pessoas de um mesmo grupo que participaram de uma convenção da empresa no dia anterior, quinta-feira, em Ampere, no Sudoeste do Paraná e voltavam para suas famílias.

Somente servidores ligados ao estado do Paraná eram 8 pessoas, contando com os médicos que atuavam no Huop.

Prefeito de Cascavel viaja a São Paulo para tratar de translado e velório coletivo

Neste domingo (11) o prefeito de Cascavel Leonaldo Paranhos embarcou para São Paulo. Disse que viajou para tratar, junto com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como será o processo do translado dos corpos. Apesar de todos os 62 ocupantes terem sido retirados do avião numa operação que se encerrou nesta madrugada, como e quanto tempo deverá demorar a identificação ainda são perguntas sem respostas precisas. Os corpos estão, na maioria, carbonizados uma vez que a aeronave pegou fogo assim que tocou o solo.

“A gente não sabe se vai levar um dia, uma semana, um mês. Colhemos material genético, mas não sabemos como será possível o reconhecimento porque vai depender de como os corpos estão. É uma angústia sem fim”, contou a irmã de uma das passageiras que optou por não se identificar.

Segundo Paranhos, os corpos dos cascavelenses e de quem vivia no Oeste do Paraná, o que deve somar mais de 35 dos 62 ocupantes, deve ser realizado pela companhia aérea e caberá às famílias decidirem se optarão ou não pelo velório coletivo em Cascavel.

“Independente se uma ou mais famílias decidir pelo velório coletivo, disponibilizamos o Centro de Convenções e Eventos, mas caberá a eles, e somente aos familiares, decidirem como desejarão fazer os atos fúnebres. Quanto à liberação dos corpos, cabe ao município informar que o trâmite de identificação e análise da perícia são de responsabilidade da Superintendência de Polícia Científica, do Instituto de Identificação de São Paulo [IIRGD] e do IML de São Paulo.”, reforçou.

O prefeito também esteve neste domingo com as famílias das vítimas que estão hospedadas em um hotel na capital paulista. Os corpos foram removidos de Vinhedo e levados para IML de São Paulo para o reconhecimento e posterior liberação.

No Aeroporto de Cascavel, diferente da tarde de sexta-feira quando muitos passageiros se recusaram a embarcar nas aeronaves e tripulantes optaram por não seguir viagem, a rotina do fim de semana estava, dentro do possível, normal. “A gente sempre embarca com receio, mas também sei que se trata de uma das formas de transporte mais seguras do mundo. Estamos no interior e, apesar de Cascavel ser uma cidade rica, desenvolvida, muitas coisas precisam ser resolvidas em São Paulo, Curitiba, Brasília. Então estamos voando quase semanalmente”, conta o empresário Sérgio Dal Bosco.

O empresário reconheceu que a atmosfera do local estava diferente. “Existe uma tristeza no ar. Pouco se fala aos passageiros sobre o acidente de sexta, mas a gente sente todo o peso do ambiente, pois as famílias vieram desesperadas ao aeroporto quando souberam da tragédia. A tristeza está por todo lado”, completou.

O governador do Paraná Carlos Massa Ratinho (PSD) lamentou pela morte dos 62 ocupantes do voo da Voepass e decretou luto oficial de três dias no estado. Cascavel é um destino de rotina do governador, justamente por se tratar da maior cidade da região e a quinta maior do estado. “O Paraná está de luto (...) Todo acidente aéreo é uma fatalidade que choca todo mundo por ser uma coisa que não é dentro da normalidade. Estamos muito tristes”, disse o governador.

Ratinho Junior e Tarcísio de Freitas estiveram no local do acidente logo após o registro da queda da aeronave da Voepass na sexta-feira. Eles deixaram o evento que participavam no Espirito Santo para acompanhar o resgate dos corpos.

Um concerto em homenagem às vítimas do voo 2283 será realizado a partir das 20h deste domingo na Catedral Arquidiocesana Nossa Senhora Aparecida, em Cascavel. O recital será comandando pela Camerata Antiqua de Curitiba que está em turnê pela região. O grupo é formado por coro e orquestra que preparou um repertório exclusivo para a ocasião. O acesso é livre e gratuito.

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