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García Márquez colocou a América Latina no mapa da literatura ocidental e atingiu o grande público sem fazer concessões | Tomas Bravo Files/Reuters
García Márquez colocou a América Latina no mapa da literatura ocidental e atingiu o grande público sem fazer concessões| Foto: Tomas Bravo Files/Reuters

Gabito nos tempos de "La Jirafa"

Apesar de suas facetas universais, Gabriel García Márquez era a Colômbia, e a Colômbia era Gabriel García Márquez

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Obra do escritor não rendeu grandes filmes

Gabriel García Márquez foi um apaixonado pelo cinema. Nos anos 1950, chegou a ser crítico e repórter de cinema do jornal colombiano El Espectador, com sede em Bogotá, mas não escondia de ninguém que achava seus textos sobre filmes medíocres

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Apagando com sua pena a fronteira entre o mágico e o real, o colombiano Gabriel García Márquez revolucionou a literatura mundial com histórias de vida, de morte e de mais além, que o converteram no escritor mais famoso e amado da América Latina. Sua morte na última quinta-feira, aos 87 anos, encerra um dos capítulos mais ricos da literatura latino-americana.

"Sua despedida marca o fim de um tempo em que a literatura latino-americana era épica e grandiloquente. Um período em que nossa identidade literária se colocava no mundo com um significado político, não apenas estético", observa a crítica literária Mariana Sanchez, jornalista e especialista em Tradução.

Com seu sorriso fácil, bigode espesso e cabelo enrolado, García Márquez foi a cara de uma geração da literatura latino-americana que rompeu barreiras artísticas e comerciais para ser reconhecida mundialmente.

Sua visibilidade e influência ajudaram a superar um complexo de inferioridade intelectual latino-americano, ao mostrar que era possível ser universal falando da realidade do continente, às vezes mais mágica que qualquer ficção. A estatura universal de seu estilo, o realismo mágico, foi reconhecida em 1982, com o Nobel de Literatura. Prêmio que Gabo recebeu das mãos do rei da Suécia vestido de liquiliqui, um traje tradicional de linho colombiano, em lugar do fraque de praxe.

Para o professor de literatura da Universidade Federal do Paraná Marcelo Sandmann, este comprometimento com questões políticas, culturais e históricas do seu país e da América Latina como um todo é o principal legado do escritor.

"Em conjunto com uma geração de escritores latino-americanos, ele conseguiu colocar a América Latina no mapa da literatura ocidental fazendo uma literatura de alta qualidade, participativa e politicamente comprometida. Mesmo assim, atingiu o grande público sem fazer as concessões que os escritores de grande vendagem costumam fazer", afirma.

Homem de seu tempo e com grande sensibilidade social, "Gabo", como o chamavam seus amigos e fãs, foi também um personagem político. No discurso na Academia Sueca de Letras fez questão de falar da desigualdade e das violações dos direitos humanos cometidas pelas ditaduras militares da época.

Era amigo e confidente do líder cubano Fidel Castro. Relação que lhe custou críticas de colegas como o peruano Vargas Llosa, o outro latino-americano ganhador do Nobel de Literatura, com quem Gabo chegou as vias de fato em 1983.

Sua postura política o levou a viver durante décadas na Cidade do México, onde morreu anteontem. O escritor se asilou na capital mexicana no início da década de 1980, depois de ser acusado de financiar um grupo guerrilheiro colombiano.

"Ele tinha este aspecto de ser uma espécie de exilado político, de não voltar para casa. Ele não precisava usar outra língua, mas sua pátria politicamente estava corrompida. Esta ideia do escritor marginalizado, no exílio, é muito cara aos leitores e colegas; uma ideia ainda romântica que permanece muito forte", aponta a tradutora e professora de Teoria Literária da UFPR Sandra Stroparo.

Cem Anos

Gabo nasceu em 1927, em Aracataca, um povoadozinho tórrido do Caribe colombiano. Mais velho dos 11 filhos de um telegrafista, García Márquez estudou Direito, mas abandonou a universidade para se dedicar à literatura e ao jornalismo. No final da década de 1950, mal sobrevivia como correspondente de um jornal colombiano em Paris.

Sua literatura nasceu das histórias fantásticas que escutou da boca de seus avós maternos – ela uma matriarca com dotes de adivinhadora e ele um veterano da Guerra dos Mil Dias, como o protagonista de Ninguém Escreve ao Coronel.

Para poder escrever o livro que o alçou à categoria de celebridade literária internacional, Cem Anos de Solidão, em 1965, García Márquez teve de empenhar seu carro e pedir dinheiro emprestado aos amigos.

O romance conta a história das sete gerações da família Buendía durante a fundação, o desenvolvimento e a decadência de Macondo, um povoado rodeado de plantações de banana, igual à sua Aracataca natal. O livro vendeu mais de 30 milhões de exemplares em todo o mundo.

"Quando este livro saiu, foi um grande acontecimento literário. Ele marcou muito a minha geração e conseguiu estabelecer um vínculo de latinidade, abrindo caminho para a literatura do continente em todo o mundo", aponta o escritor cearense Ronaldo Correia e Brito.

Brito afirma que sua reputação como romancista talvez tenha ofuscado outras duas vertentes literárias em que Gabo se destacou pela qualidade: o jornalismo e o conto.

"Lembro que li Crônica de uma Morte Anunciada em uma manhã, nos fundos de uma sala do cursinho pré-vestibular. Enquanto o professor falava e eu decidia que, sim, seria um jornalista. Hoje me parece estranho, mas virei jornalista, acho, por causa do García Márquez", lembra o escritor curitibano Luís Henrique Pellanda (leia mais sobre a atuação de Gabo no jornalismo na página ao lado).

Mariana Sanchez ressalta sua importância como "contista valioso". "Olhos de Cão Azul é uma de suas joias a serem redescobertas", salienta. Para ela, falta atualmente um projeto artístico com tamanha força e ambição nas letras latinas. "A obra de Gabo é sonho, imaginação e deslumbramento, mas com os pés bem plantados em nossa realidade", analisa.

Despedida

O corpo de García Már­quez será cremado em cerimônia privada ainda sem data marcada, informou ontem a família do escritor. Jornais mexicanos e espanhóis divulgaram que o autor lutava contra a reincidência de um câncer que atingia pulmões, gânglios e fígado, informação não confirmada por seus familiares. "Os médicos o dirão posteriormente, suponho", declarou ontem Jaime Abello, diretor da Fundação Novo Jornalismo Ibero-americano, sobre a causa da morte do autor.

Na próxima segunda-feira, a partir das 16 horas (horário local), será realizada uma homenagem nacional ao escritor no Palácio de Belas-Artes da capital mexicana.

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