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O barroco sempre foi a minha vida, de todas as maneiras. Eu tenho uma maneira muito particular e complexa de ver esse tema pela minha própria formação, mas o que mais me encanta é a redescoberta desse gênero e o quanto isto tem sido importante para a música erudita.

Não existe sobre o barroco, em música, a mesma concordância que há entre os estudiosos em relação a outras manifestações do estilo. O problema da caracterização do barroco na música é diferente da mesma questão em outras artes. A palavra tem a origem de um termo português que qualifica uma pérola de caráter irregular; foi utilizada para sugerir irregularidade, estranheza e extravagância, sendo mais aplicada às artes plásticas do que à música.

Em geral se atribuem à música barroca obras pertencentes a um extenso período da música europeia, que abrange todo o século 17 e parte do século 18. Segundo alguns teóricos, a era da música barroca se inicia, simbolicamente, na Itália, com a ópera L’Orfeo (1607), de Claudio Monteverdi (1567-1643), e termina durante a segunda metade do século 18 com os contemporâneos de Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Händel.

O estilo barroco é caracterizado pela importância do contraponto e da harmonia que enriquece, progressivamente, por uma expressão ou pelo destaque dado aos ornamentos, que podiam ser opcionais ou obrigatórios. A notação musical para os acordes do baixo-contínuo frequentemente era apenas esboçada ou escrita em linguagem cifrada, cabendo ao instrumentista certa margem de improvisação. Esse é outro elemento importante na caracterização da música barroca. As notações que sobreviveram são geralmente incompletas ou ambíguas e estas omissões se devem ao fato de os compositores deixarem aos intérpretes relativa margem de improvisação para completar uma linha melódica esboçada. Assim, a capacidade de improvisar variações em torno das melodias concorreu para firmar as reputações de muitos virtuoses.

Muitas obras, notadamente as mais marcadas pelo contraponto, conheceram um grande eclipse no fim do século 18 até a metade do século 20. Bach foi quase esquecido depois da sua morte (1750) até 1829, quando foi descoberto por Mendelssohn, com a Paixão Segundo São Mateus. Como resultado desse evento, notou-se um crescente interesse pela música do passado que relutava em aparecer no repertório a ser executado. Alguns musicólogos começaram a compilar e publicar obras dos grandes compositores como Bach, Händel, Couperin entre vários outros. Em todos os aspectos vemos um período extremamente fértil. Os instrumentos foram evoluindo, enquanto alguns desapareceram. Com a retomada da música antiga, alguns instrumentos voltam à cena, como o cravo, sob o impulso de Wanda Landowska, e as violas da gamba.

A música barroca no século 20 é praticamente marcada pela paixão de alguns músicos em busca dos sons do passado. Estimulados por construtores de instrumentos, que reproduziam cópias de instrumentos antigos, eles estudavam tratados relativos à execução deixada por teóricos ao longo dos anos. Esta vanguarda é inaugurada pelo violinista e construtor de instrumentos francês Arnold Dolmetsch (1858-1940), uma figura líder na redescoberta da música antiga. A ele seguiram os também franceses Henri Casadesus (viola d’amore) e Edouard Nanny (contrabaixo), que em 1901 participaram, junto com compositor Camille Saint-Saens, da criação da Sociedade de Concertos de Instrumentos Antigos, que tinha como objetivo reviver a música dos séculos 17 e 18, executadas com instrumentos de época. Na Alemanha, o violoncelista Christian Döbereiner (1874-1961) se preocupa em fazer reviver as violas e, a partir de 1927, o músico August Wenzinger experimentou tocar com violas da gamba na companhia de outros músicos apaixonados.

O caminho estava aberto para muitos jovens músicos darem continuidade a este percurso. Em Viena, um grupo formado ao redor do violoncelista Nikolaus Harnoncourt e sua esposa Alice Harnoncourt, e na Holanda o cravista holandês Gustav Leonhardt dão impulso a uma nova escola, sedimentando assim o movimento da música antiga. Também é impossível não mencionar a contribuição de Alfred Deller que, embora nunca tenha se interessado em tocar instrumentos antigos, marcou profundamente os pioneiros da década de 1950, através do canto. Ele foi o primeiro a fazer uma carreira como solista, com sua voz de contratenor. Deller deu origem a uma paixão pela música vocal da época barroca. Além disso, a sensibilidade de sua interpretação inspirou longamente grandes músicos como Gustav Leonhardt.

Enfim, são muitos os nomes que deram e continuam dando sua contribuição para uma geração de novos intérpretes que querem se especializar nesse universo. Podemos citar alguns como Jordi Savall, William Christie, René Jacobs, Ton Koopman, Giovanni Antonini, Marc Minkowski, Christophe Rousset e muitos outros. Também é inegável a contribuição das instituições de ensino na Europa, como a Schola Cantorum Basilensis, na Suíça, o Sweelinck Conservatorium, em Amsterdã e o Koninklijk Conservatorium, em Haia, que se consolidam como os grandes centros de estudos da música antiga, responsáveis pela formação de várias gerações de importantes músicos no mundo.

Em pleno século 21, onde as batidas eletrônicas parecem roubar a cena, ainda podemos observar a redescoberta da música barroca acompanhando o trabalho de jovens que buscam, principalmente nas bibliotecas europeias, obras esquecidas durante séculos para serem exumadas e executadas em concertos, com instrumentos originais ou réplicas de instrumentos de época. É bom acompanhar também como as formações instrumentais e vocais obedecem às referências de formação da época barroca. Graças ao empenho de tantas gerações de músicos fantásticos, podemos ver, cada vez mais, o barroco sendo recolocado na vanguarda da própria história da música.

Janete Andrade é coordenadora de música da Fundação Cultural de Curitiba e diretora geral da Oficina de Música de Curitiba. Iniciou seus estudos de música antiga na Schola Cantorum Basilensis de Basel (Suíça), especializando-se em música medieval e oboé barroco. Foi integrante do Conjunto Renascentista de Curitiba, do Conjunto de Música Barroca Brasiliensis e La Stravaganzza.

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