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Eliseth Cardoso completaria 90 anos neste mês de julho: homenagem no Rio lembrou a trajetória da “lady do samba”,  que cantou de tudo e apoiou a Bossa Nova  antes de ela virar moda no Brasil e no exterior | Carlos Ivan/Agência O Globo
Eliseth Cardoso completaria 90 anos neste mês de julho: homenagem no Rio lembrou a trajetória da “lady do samba”, que cantou de tudo e apoiou a Bossa Nova antes de ela virar moda no Brasil e no exterior| Foto: Carlos Ivan/Agência O Globo

Apelando para um clichê do samba, quem é Rainha nunca perde a majestade — principalmente ela, A Divina. Mesmo ausente há 20 anos, Elizeth Cardoso teve seus 90 anos de nascimento, em 16 de julho, lembrados com uma série de homenagens. No evento do Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, foram reproduzidas as bolachas de chope que o Cordão do Bola Preta fez para saudar sua madrinha em 1970. Mas Elizeth foi a madrinha extraoficial de algo muito mais importante, o movimento da bossa nova.

O LP que gravou em abril de 1958, Canção do Amor Demais, foi considerado o marco inicial da bossa nova, composto exclusivamente por canções da parceria Tom Jobim e Vinicius de Moraes, com João Gilberto acompanhando a cantora ao violão e introduzindo sua batida famosa que se tornaria o "marca-passo" da bossa. O disco do selo Festa trazia o primeiro registro fonográfico de "Chega de Saudade". Elizeth antecipou assim as gravações de Os Cariocas (Columbia) e de João Gilberto (Odeon), lançadas naquele mesmo ano.

Mas ela não era o que se pode chamar de cantora de bossa, como Sylvia Telles, Leny An­­drade, Nara Leão e outras. Elizeth foi na verdade uma espécie de fada madrinha que ungiu o novo estilo com sua aura de grande cantora.

Sua história lembra a de outras estrelas que começaram cantando por alguns trocados, mulheres como a francesa Edith Piaf (1915–1963) e a americana Bessie Smith (1894–1937). Nascida no subúrbio de São Francisco Xavier — filha de um seresteiro que tocava violão e gostava de cantar — aos cinco anos subiu no palco da Sociedade Familiar Dançante Kananga do Japão e pediu ao pianista para acompanhá-la na marcha "Zizinha". Ainda na infância, frequentou a casa da Tia Ciata, figura lendária nas rodas de samba do Rio. A esta altura a pequena Elizeth cobrava entrada (10 tostões) das outras crianças para cantar sucessos de Vicente Celestino nos bairros da Zona Norte carioca. Mas ninguém vivia de tostões e desde cedo ela teve de correr atrás dos mil-réis, trabalhando como balconista, peleteira, cabeleireira e até numa fábrica de sabão. Cantando em sua festa de 16 anos, foi descoberta por Jacob do Bandolim, que a levou para a Rádio Guanabara. No Programa Suburbano, em 1936, apresentou-se ao lado de "cobras" como Noel Rosa, Marília Batista, Araci de Almeida, Vicente Celestino e Moreira da Silva e acabou contratada para um programa de rádio semanal, apesar dos protestos do pai. Duas experiências passageiras, antes de completar 20 anos: um casamento fracassado e o emprego como taxi-girl numa boate. Sua voz a salvou da miséria e, a partir de 1940, como crooner de grandes orquestras e cantora do rádio, Elizeth nunca mais saiu debaixo da luz dos refletores.

Cantora versátil, passou pelo choro e depois se tornou uma das mais expressivas intérpretes do samba-canção, estilo também chamado de "canção de fossa" ou "dor de cotovelo". O samba-canção foi a resposta brasileira à invasão dos melancólicos boleros mexicanos e tangos argentinos e Elizeth tornou-se uma de suas intérpretes mais expressivas, ao lado de Nora Ney, Dolores Duran e Maysa. Com a chegada da bossa, a cantora — apesar do que Ruy Castro chamou de "seus rrs prussianos" — conseguiu estabelecer uma coexistência pacífica com a nova geração da MPB. Trabalhou em uma dezena de filmes e dublou a atriz Marpesa Dawn nas canções do premiado filme Orfeu Negro (1959). Nos anos 1960, participou do programa de tevê Bossaudade (Record, SP) e dos famosos festivais de música (em 1965, no 1.º Festival de MPB da Record, conquistou o 2.º lugar com "Valsa do Amor Que Não Vem", de Ba­­den e Vinicius; a vencedora foi Elis Regina, cantando "Arrastão" de Edu Lobo.) Em 1964, fez uma importante incursão na música erudita, cantando as "Bachianas N.º 5" de Villa-Lobos no Teatro Municipal de São Paulo sob a regência do maestro Diogo Pacheco e depois repetiu a proeza no Municipal do Rio. Sua obra inclui mais de 40 álbuns gravados no Brasil e vários outros no Uruguai, na Argentina, na Venezuela, no México e em Portugal.

Os apelidos eram comuns na Era do Rádio, mas Elizeth foi campeã neste quesito (esquisito em alguns casos...). Foi Machado de Assis da Seresta, A Lady do Samba, A Noiva do Samba-Canção, Mulata Maior. O radialista Mister Eco a batizou de A Magnífica; mais poético, o compositor Hermínio Bello de Car­­valho a chamou de A Enlua­­rada. Mas o que vingou mesmo foi A Divina, inventado por Haroldo Costa. E Elizeth será, eternamente, A Divina.

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