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O mestre em filosofia Jorge Brand, conhecido como Goura Nataraj, é professor de ioga e coordenador-geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu. Um dos membros do Coletivo Interlux, Goura discute a ocupação do espaço público como uma questão sempre ligada à política. O movimento pelo uso da bicicleta, por exemplo, é uma dessas novas formas de viver a cidade, enquanto os shopping centers são locais alienantes ao excluírem os pobres e deixarem "ruídos" indesejados do lado de fora. Leia mais na entrevista a seguir.

Você acha que está havendo um reencontro com a sociabilidade e com o espaço público em Curitiba?

Sim. Mas, ao mesmo tempo, há a continuidade de padrões de sociabilidade privados. Ainda vejo o shopping center como o grande símbolo disso tudo. Está havendo cada vez mais gente na rua, mas também nos shoppings e condomínios privados. Você não tem cinemas na rua e outras opções de cultura e lazer disponíveis a não ser que entre nesses templos de consumo.

Mesmo que representem um movimento pequeno diante disso, os últimos fenômenos de ocupação sinalizam alguma mudança de comportamento?

Elas são inegáveis, mas acho que ainda tem muita alienação e falta de conscientização e politização. Tudo bem se fazer um flash mob ou um réveillon fora de época, mas e daí? O impulso da sociabilidade é natural do ser humano. Mas a construção de uma consciência política dessa ocupação do espaço público é minoritária. Acho que há um clamor por recuperar o espaço público. Mas, se você pensar que cada carro estacionado é um bem privado ocupando o espaço público e ninguém diz nada sobre isso, é algo a se pensar.

Quando você fala em "recuperar o espaço público", fala em reaver um espaço que perdemos?

Acho que sim. Esses fenômenos de alienação são mais frequentes nas últimas décadas. Com certeza as pessoas vivenciavam mais as ruas nas décadas anteriores a esse tipo de fenômeno.

O que acha que está gerando o impulso por essa retomada?

Acho que existe uma insatisfação com esses espaços controlados de prazer, de consumo e de convívio. Os locais livres vão desaparecendo – os espaços de convívio autêntico, de uma troca mais verdadeira, profunda e significativa entre as pessoas. Enquanto a gente não privilegiar esse tipo de troca, a cidade vai caminhando para rumos de adestramento, de controle social. As pessoas param de andar a pé no bairro, param de ir fazer suas necessidades no raio que elas conhecem e dominam. E os espaços vão sendo ocupados pela especulação imobiliária.

Pensar a ocupação do espaço público, mesmo que por motivos de celebração e lazer, sem uma pauta política, ainda assim é falar em termos políticos?

É inseparável. Mesmo que seja por um ideal de celebração, ou vontade de festejar na rua, de buscar festas populares e resgatar esse espírito, isso é política. Esse tipo de anseio exige a participação ativa das pessoas na rua, seja lá para o que for. Já é significativo que isso exista. Mas a gente tem de ter uma visão cada vez mais global da cidade.

O que pensar do réveillon fora de época, por exemplo?

Acho que celebrar o absurdo também tem sua razão (risos). Mas as pessoas poderiam ocupar as praças de uma forma permanente. Talvez um evento como esse pode, na melhor das hipóteses, levar a esse tipo de reflexão: a cidade é livre e nossa, e se constrói no embate de ideias e de práticas. Isso tem de ser fomentado.

Você acredita que esse espírito vai continuar ganhando força?

Espero que sim. O fenômeno da bicicleta na cidade, por exemplo, é uma onda que não tem mais volta, mesmo que não se veja isso como questão prioritária. Esses movimentos são de vanguarda. É a retomada de um outro tipo de convívio urbano. No começo deste século, muita coisa está mudando no mundo inteiro, e é normal que as pessoas se sintam presas nessa zona de conforto. E o shopping center é o símbolo disso. Enquanto a gente constrói outros tipos de rede e pensa no que estamos apoiando com nosso dinheiro, tempo e energia, pensa no tipo de cidade que queremos para nossos filhos e nossos netos. Isso não pode ser encarado como clichê. A cidade do futuro vai ser construída agora.

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