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Marcelo Calero: mudanças na Lei Rouanet | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Marcelo Calero: mudanças na Lei Rouanet| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A autorização do Ministério da Cultura (MinC) à captação de R$ 356 mil para o projeto de um livro sobre a cantora Claudia Leitte, em fevereiro, foi apenas a mais recente polêmica levantada a respeito da Lei Rouanet, mecanismo que permite investimento de empresas e pessoas em cultura por meio de renúncia de parte do Imposto de Renda.

Depois da controvérsia, o projeto foi abandonado, mas não foi o primeiro caso rumoroso envolvendo artistas consagrados. Em um novo capítulo das discussões sobre o dispositivo, foi protocolado na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira (25), um requerimento para a abertura da CPI da Lei Rouanet, com o objetivo de investigar supostas irregularidades.

A proposta de Alberto Fraga (DEM-DF) e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) obteve mais do que as 171 assinaturas de deputados necessárias. O texto questiona os critérios utilizados na admissão de projetos, referindo-se a “casos estranhos de aprovação de valores astronômicos para projetos pífios ou de repasses que acabam sendo uma forma de bancar patrocínio privado com dinheiro público. Ou de projetos de grande porte que teoricamente não precisariam do auxílio, aprovados pelo ministério”.

Criada há 25 anos, a Lei Rouanet terminou por configurar o principal meio de financiamento de projetos culturais em nível federal. Com a polarização política do país nos últimos anos, a lei passou a ser acusada por oposicionistas aos governos Lula e Dilma Rousseff de servir ao favorecimento de um grupo seleto de artistas alinhados ideologicamente ao poder. Em depoimento ao jornal Folha de S.Paulo, o deputado Fraga afirmou que “o MinC está sendo utilizado por meia dúzia de pessoas que são simpatizantes do PT e que conseguem recursos”.

Ideologização

A acusação de ideologização é contestada por especialistas no tema. Apenas no ano passado, 5,4 mil projetos de artes cênicas, música, artes visuais, patrimônio cultural e outras áreas obtiveram autorização. Críticos do PT, como Claudio Botelho, da produtora de musicais Möeller & Botelho, viabilizam atividades por renúncia fiscal. A lei foi criada durante o governo Collor e funcionou durante as duas gestões de Fernando Henrique Cardoso.

Como funciona a captação de recursos

Para ser viabilizado por meio da lei, um projeto precisa ser submetido a um rito burocrático que inclui o parecer de um dos órgãos setoriais (Biblioteca Nacional, Funarte ou Iphan, dependendo da área da proposta) e a recomendação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (Cnic), composta por 21 membros da sociedade e do poder público. Depois, vem a sanção do Ministério da Cultura. A autorização para captar por meio de incentivo fiscal não significa que o projeto sairá do papel. Pelo contrário, aqui começa a etapa mais difícil para os produtores culturais: a busca por recursos junto a empresas ou pessoas físicas. O índice é historicamente baixo. Em 2015, apenas 23,14% dos valores aprovados para todo o país foram efetivamente captados, o equivalente a R$ 1,18 bilhão (R$ 1,13 bilhão por renúncia fiscal e R$ 52 milhões por apoio privado).

De qualquer forma, o debate inflamou os ânimos em um contexto no qual a Rouanet vem sendo objeto de debate técnico sobre pontos a serem aprimorados. Entre as ressalvas, está o excesso de concentração de recursos em projetos da região Sudeste e o desguarnecimento de ações de relevância cultural de menor apelo comercial. Mudanças estão previstas no projeto de lei conhecido como Procultura, que foi debatido durante seis anos e atualmente tramita no Senado. Agora, o futuro da Lei Rouanet depende de uma posição do novo ministro da Cultura, Marcelo Calero, que assumiu em meio à resistência de grande parte do meio cultural ao governo interino. Michel Temer chegou a assinar a extinção do Ministério da Cultura, mas voltou atrás depois de protestos em diferentes regiões.

A reportagem solicitou um posicionamento do ministério sobre a Rouanet, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto. Em entrevista coletiva no último dia 18, Calero apoiou o mecanismo:

“O que não pode acontecer é essa satanização de um instrumento que até hoje tem se revelado o principal financiador da cultura. Críticas são bem-vindas, acho que, sim, há distorções a serem corrigidas, mas não podemos demonizar a Rouanet.”

Reformulação necessária

A avaliação de que a lei tem sido historicamente positiva para o setor cultural e, consequentemente, para o país é compartilhada por estudiosos como Fábio de Sá Cesnik, advogado especialista em políticas de financiamento cultural e autor do livro “Guia do Incentivo à Cultura” (edição Manole):

As nove propostas mais controversas envolvendo a Lei Rouanet. E Chico Buarque

Cirque du Soleil, Claudia Leitte, Luan Santana e até desfiles em Paris pleitearam recursos por meio da Lei e provocaram controvérsia nos últimos anos

Leia a matéria completa

“A Lei Rouanet, como qualquer lei em vigor com poucas alterações há mais de 20 anos, apresentou ao longo do processo necessidades de atualização e melhoria. Agora, o que ela vem produzindo tem sido bastante benéfico para a cultura brasileira de maneira geral. Houve alterações legislativas que ampliaram os benefícios da lei e geraram resultados na média mais positivos do que negativos. Claro que a reformulação legislativa (por meio do Procultura) viria muito bem, mas o que se tem é bom.”

Na opinião de Leandro Valiati, professor de Economia e coordenador do Grupo de Trabalho Economia Criativa, Cultura e Desenvolvimento da UFRGS, “as acusações que ideologizam o debate em torno da Lei Rouanet representam uma “pobreza intelectual” e um “desvio de foco”:

“Você não pode eleger um ou outro artista e atribuir a ele um problema que é maior e diz respeito ao próprio sistema de subsídio à cultura. Como as empresas patrocinadoras são atraídas pelo público e pela exposição publicitária de grandes artistas, elas são beneficiadas pelo sistema de incentivo, seja em um governo de esquerda ou direita. Estes artistas não são financiados por um determinado governo, mas por um sistema que é do Estado brasileiro.”

* colaborou Carlos André Moreira

História da Lei Rouanet

Baseada, em parte, na Lei Sarney, de 1986, que já previa a possibilidade de renúncia fiscal para investimento em cultura, a Lei Rouanet foi sancionada em dezembro de 1991 pelo presidente Fernando Collor, em um momento de penúria para a economia do setor. A legislação, lançada pelo então secretário de Cultura Sergio Paulo Rouanet, portanto, tinha a intenção de ajudar a dinamizar a cultura. Com o objetivo de distribuir os recursos de forma equânime entre projetos de maior e menor apelo comercial, o documento previa três mecanismos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), com orçamento para investimento direto do governo; os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), para a aquisição de cotas em projetos e a obtenção de retorno sobre os lucros; e o mecenato, ou seja, a captação por meio de renúncia fiscal. O Ficart nunca foi utilizado, e o FNC sofreu, ao longo do tempo, cortes de verba significativos, o que praticamente o inviabilizou. Em 2000, o Fundo chegou a representar 30,9% dos investimentos pela lei, e o incentivo fiscal, 69,1%. Em 2015, minguou para 2,2%, e o incentivo chegou a 97,8%.

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