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François Truffaut, diretor de “Os Incompreendidos” | /
François Truffaut, diretor de “Os Incompreendidos”| Foto: /

Quando François Truffaut (1932-1984) viajou para Nova York em 1960, para receber o prêmio da associação de críticos de cinema da cidade, fazia pouco mais de um ano que tinha ganhado o prêmio de direção no Festival de Cannes com “Os Incompreendidos” (1959), o filme que o transformou numa celebridade em várias partes do mundo – nos EUA inclusive.

Reprodução

Foi nesse contexto que ele aceitou fazer a primeira de uma série de cinco entrevistas com a jornalista Lillian Ross, da “New Yorker”, ao longo de 16 anos. O plano original era se encontrar a cada cinco anos, mas na prática acabou sendo em 60, 64, 70, 73 e 76. O resultado desses encontros virou também um livro, publicado nos EUA pela Film Desk no ano passado, “François Truffaut by Lillian Ross – From The New Yorker, 1960-1976”. Agora, a série de entrevistas ganha tradução para o português na edição mais recente da revista “Serrote”, a de número 20.

Serrote #20

Revista de ensaios, artes visuais, ideias e literatura. Instituto Moreira Salles, 224 pp., R$ 44,50. Disponível em livrarias como Cultura e Arte e Letra.

Ross é um dos nomes mais respeitados do jornalismo americano em qualquer época. Hoje octogenária, ela escreveu sobre uma produção conturbada do cineasta John Huston (que virou o livro “Filme”, publicado no Brasil pela Companhia das Letras). Contribuiu durante anos com a seção “Talk of the Town” da “New Yorker”, manteve uma relação duradoura com seu editor (que não deixou a primeira mulher e levou uma vida paralela com Lillian, com filho e quase tudo) e produziu um dos perfis mais célebres da revista nova-iorquina – o do escritor Ernest Hemingway.

Shakespeare

A edição 20 da “Serrote” estreia um novo projeto gráfico – em que explora mais as fontes de títulos e subtítulos – e publica um texto de Stephen Greenblatt sobre a influência que Shakespeare teria sofrido do ensaísta francês Montaigne. A ideia não é de hoje, mas Greenblatt constrói o caso com propriedade. Há até dois fragmentos – um dos “Ensaios”, um de “Hamlet” – que mostram uma semelhança impressionante de ideias. Montaigne escreveu: “A vida em si não é um bem nem um mal. Torna-se bem ou mal segundo o que dela fazeis”. E Shakespeare: “Pois não existe nada de bom ou de mau que não seja assim pelo nosso pensamento”.

Ross tem uma elegância e um senso de humor que sintetizam o tipo de texto defendido pela “New Yorker”. A visita que ela faz a Truffaut num hotel em Downtown é descrita como “deliciosa” e o cineasta, como “franco, bem-humorado, pequeno e franzino, com jeito de garoto”. Nas primeiras entrevistas, ela sublinha o fato de Truffaut não falar nada de inglês e, anos mais tarde, ele aprende, mas suas aspas são transcritas com um sotaque carregado: “Querrô-café-prreto-torradás-suco-de-larrange-e-só”. Ela insiste tanto no sotaque que, a certa altura, desiste. “Tentaremos escrever o restante do que ele nos contou em tradução direta.”

Piadas à parte, Lillian Ross cria um retrato carinhoso de Truffaut, um jovem – e depois um homem maduro – com uma paixão pelo cinema que parece à prova do tempo.

Essa é a ideia que passa a descrição dele, feliz por ter encontrado livros de cinema numa loja de Nova York. “Antes de passar pela porta giratória, ele se virou, levantou a pilha de livros em uma espécie de aceno de adeus e ergueu a cabeça, olhando para eles, triunfante.”

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