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Estrela Ruiz Leminski e Téo Ruiz lançam novo CD, São Sons | Divulgação
Estrela Ruiz Leminski e Téo Ruiz lançam novo CD, São Sons| Foto: Divulgação
  • Coleção Chico Buarque - nas bancas

Havia tempos não tinha um prazer pegando um físico. Ôpa, ôpa, vamos esclarecer isso para que ninguém pense besteira. Estou me referindo ao disco físico. O prazer de ter um objeto de arte nas mãos e poder manuseá-lo. É que tenho baixado muita coisa da web e acabo ficando só com o registro digital, sem acesso ao produto material. Na semana passada, recebi o disco São Sons, da Música de Ruiz, dupla formada por Estrela Ruiz Leminski e Téo Ruiz. Além do som, há também o contato tátil e visual muito importantes.

Quando baixamos os discos na internet e não nos preocupamos muito em fazer capas e encartes – porque muitas vezes eles não são disponibilizados e, em outras, a impressão caseira mata a qualidade artística da produção visual –, então nos sobra a essência do trabalho que é o som, um som comprimido, que exclui registros mais graves, que achata detalhes e tudo é revelado apenas em parte.

Mas um disco é mais do que o som. É uma produção mais completa. Envolve artes visuais, gráficas e literárias.

Ultimamente, a música praticamente deixou de ser um produto que tenha uma apresentação própria, casada com o disco. É uma discussão enorme, pois a crise da indústria mata essa forma de apresentação musical. É claro que a própria indústria tem grande parte de culpa (talvez a maior parte), mas não deixo de pensar que a internet, a chamada web 2.0, também tem culpa. Ao mesmo tempo em que possibilita o acesso maior à música, despreza o produto cultural e não apresenta muitas alternativas financeiras aos criadores, aos músicos. Sim, eu sei, repito que essa é uma discussão complexa, mas uma hora ou ou­­tra é preciso enfrentá-la.

Citei acima o disco do Música de Ruiz. É o segundo álbum da dupla, que me provocou esta re­­flexão. Sobre ele, escreverei em outra oportunidade o meu ponto de vista – não tive tempo de parar e ouvir com toda a atenção que ele merece. Fiquei mais encantado com o produto, que mistura disco com livro. Mas disso eu falo depois, ok? Agora fiquemos na discussão sobre a música como produto cultural que merece um tratamento acima do que a internet está oferecendo.

Vou citar como exemplo outro produto cultural que chega às mãos do público ouvinte e carente por estes dias. É a coleção do Chico Buarque, lançada pela Editora Abril. Está nas bancas e a cada semana vem um disco e um rico encarte falando sobre as músicas e os bastidores das gravações. Está na segunda semana. O primeiro foi vendido a R$ 7,90 e os demais a R$ 15 (R$ 14,90 para os mais precisos) e ao todo serão 20 discos-livros. Depois da coleção do Chico, já está previsto o lançamento da coleção do Tim Maia, nos mesmos moldes. Pois bem. Esse é um produto cultural. Na linguagem dos economistas, ele agrega valor. Não é tão descartável quanto a música digital, que está deixando de ser um produto cultural.

Essas reflexões tem a ver com o livro que estou lendo, muito interessante, que faz questionamentos sobre os rumos da internet, da web. O livro é Gadget – Você Não É um Aplicativo. Foi escrito por Jaron Lanier que, apesar da cara de hippie, é um engenheiro co­­nhecido como pai da realidade vir­­tual, ele trabalha na interface entre ciência da computação e a medicina, frequentou o Vale do Silício e, além de tudo, é músico. O livro, como ele mesmo explica desde a capa, "é um manifesto sobre como a tecnologia interage com nossa cultura". De dentro do sistema, ele questiona os direcionamentos da internet. Faz críticas à web 2.0.

Vou destacar alguns trechos de suas reflexões sobre a internet e a cultura, bastante provocativos, para que possamos refletir – repito que é uma discussão enorme:

"Se escolhermos extrair a cultura [de dentro] do capitalismo enquanto o restante da vida continua capitalista, a cultura se transformará em uma favela."

"Em 2008, parte da liderança do movimento da cultura livre começou a reconhecer o óbvio: que nem todos têm se beneficiado do movimento."

"Depois de dez anos vendo tantas pessoas tentarem, temo que isso não funcionará para a grande maioria dos jornalistas, músicos, artistas e cineastas que estão no início de uma carreira só para cair no esquecimento devido ao nosso fracassado idealismo digital."

"Chegou a hora de perguntarmos: estamos construindo a utopia digital para as pessoas ou para as máquinas? Se for para pessoas, temos um problema."

* Cartas para a redação, coloquem o assunto "Cultura x internet".

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