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Maxixe Machine, durante show na Virada Cultural, no ano passado: provocação e estranhamento | Priscila Forone/Gazeta do Povo
Maxixe Machine, durante show na Virada Cultural, no ano passado: provocação e estranhamento| Foto: Priscila Forone/Gazeta do Povo

A Maxixe Machine é uma banda ótima, mas estranha. O que esperar de um grupo que de punk passou a tocar samba? "Como as­­sim ?", diriam os mais novos e desinformados e eu respondo: vão se informar.

A Maxixe nasceu do Beijo AA Força, uma das primeiras bandas punks de Curitiba. Acontece que nos bares – e às vezes até mesmo nos shows –, os integrantes do BAAF batucavam um samba de Noel Rosa, ou Assis Valente, ou de outros colegas da velha guarda da música brasileira. Daí montaram um set e para uma nova banda foi um pulo de samba polaco.

Com esta genealogia, tudo é possível para o Maxixe, que já gravou sambas antológicos do cancioneiro popular, já fez um filme, Bar Babel, dirigido por Antônio de Freitas, já compôs maravilhas, já lançou um disco infantil, já fez músicas para ícones de Curitiba e até o Oil Man ganhou a sua canção. E agora está pondo nas ruas o mais recente trabalho, Sambas em Tiro de Guerra, o sexto disco – tem um sétimo, que não foi prensado –, que será lançado oficialmente em um show nesta sexta-feira, no Jokers.

Algumas das canções são regravações ou já eram conhecidas de shows. O novo disco começa estranho mais pelos ritmos que pelas letras.

Abre com "Autofagia Terrível", pegando um tema conhecido entre os artistas curitibanos. É de lembrar que Lívia Lakomi escreveu a canção "Submundo Autofágico", gravada no disco dela e também no da Banda Mais Bonita da Cidade. Marcos Prado, Leminski ou Jamil Snege foram outros que trataram da autofagia curitibana.

Portanto, o tema não é estranho, mas quando você pega o disco de uma banda que se chama Maxixe Machine e sabe que ela se originou de uma banda punk, é de esperar uma música ligeira para os países baixos. Mas entra uma balada arrastada que canta: "Tento o tambor e o batuque não está em mim". Nem maxixe, nem punk, nem samba, nem guerra.

Certamente o consumidor ficará um tanto decepcionado, mas espera a segunda música. Vem "Treva Trevinha", um pop um pouquinho, só um pouquinho, mais alegre, com rimas em diminutivo. Ai ai ai, pensará o ouvinte, mesmo sem conhecer o hit curitibano de Mauro Barbosa.

Então chega a "Ordem Unida do Coronel Adelio Conti", sob a voz rouca de Walmor Góes, que também faz uma guitarra inspirada em Santana, em dueto com um cavaquinho. Admitamos que, enfim, começa um clima de baile, mas ainda está mais para a terceira idade. É uma bela canção, mas cadê o maxixe? Ou a inspiração punk?

Eis que adentra "Clotilde", embalada por uma bateria esperta em ritmo de marchinha e novamente o dueto guitarra e cavaquinho. Agora sim, respira aliviado o consumidor, até então incrédulo, que pensava ter sido enganado. O marido da Clotilde anuncia que "o Maxixe Machine está aí na janela para fazer serenata pra você".

Sotaque

Um dos segredos do Maxixe Machine é assumir que faz um samba tosco, enviesado, com uma mistura de polka, uma pegada punk. Tem polaco no samba. E as letras de suas músicas brincam com isso. Em "Clotilde", por exem­­­­plo, a sugestão é jogar um balde de água gelada na cambada, pois "com esse samba não dá pé".

Samba com sotaque curitibano. Talvez seja por isso que os componentes da banda são os responsáveis há vários anos por fazer o samba-enredo do Bloco Rancho das Flores, que abre o carnaval curitibano.

A música "Lusco Fusco" inicia lembrando as guitarras de Pepeu Gomes no carnaval baiano pré-axé, e conta a história de uma situa­ção constrangedora. Então vem "Carnaval em Ecstasy", novamente com as "guitarras baianas", que já é uma marcha bem mais rápida, mais próxima do maxixe que nomeia o grupo.

O humor é uma constante nas músicas da banda e nesta "Carnaval em Ecstasy" vai um exemplo, um pequeno aperitivo, do que são as letras. Um casal desencontrado no carnaval e ele, cheio de dúvidas, reflete: "Esse salão está uma arapuca/ Todos cantando feito uma araponga/ Onde andará minha saracura/ Fantasiada de King Konga?/ A última vez que a vi/ Porta bandeira em Cucamonga/ De um bloco de marinheiro/ Tudo sem roupa e sem dinheiro".

Após o ecstasy, uma nova balada, a bela "Eldorado", uma livre adaptação do poema de mesmo nome escrito por Edgar Allan Poe. Sim, há literatos entre a turma de compositores da banda. As referências literárias estão presentes e as letras sempre foram um dos pontos altos do trabalho do Maxixe (ou, antes, do BAAF). Esta adaptação, por exemplo, é assinada por Marcos Prado e Sérgio Viralobos, além de Walmor Góes.

Em "Volta ao Mundo em 7 Quedas", aparece uma homenagem a Paulo Diniz, com quem a banda fez um belo e concorrido show no ano passado, no Teatro Paiol.

O clima fica um tanto "paraguaio" com a música "Amor no Frio" e sua esparramadamente romântica letra que conta a história de uma pessoa que levou um fora, sempre a repetir: "É um troço gelado vindo/ Do fundo da alma vazia de amor".

O disco, rápido, termina com uma música ligeira, mas de letra politicamente incorreta, a "Vingança do Povão", que não tem medo de afirmar que "Mulher de pobre é feia/ e se enfeita mais que rabo de pavão/ Os filhos que ela põe na rua/ Aumenta o tamanho do povão".

Desde que nasceu, o Maxixe Machine costuma provocar estranhamentos. Felizmente. Afinal, arte é estranhamento, não é acomodação.

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