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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

Agora há pouco a Sandra, saindo rapidinho, me lembrou de ligar pra assistência técnica porque a nossa lavadora anda meia esquisitona. E ela, prudente, falou “não esquece de anotar o número do modelo”.

Eu, que estava ali na área de serviço tirando roupa do varal, disse “já decorei”. E tinha decorado mesmo.

Agora, o negócio é que na hora de ligar pros caras, me deu um uiuiui… e se eu tivesse esquecido? Na verdade ando reparando que até pra tipo ligar pra um número novo eu tenho preferido ficar com o papel na minha frente enquanto teclo, em vez de memorizar e digitar os numerinhos…

E eu sempre tive uma memória decente, sabe?

Nada igual ao meu irmão, que é tipo Sheldon Cooper. (Quando a gente morava junto eu perguntava pra ELE se EU já tinha lido certos livros…) Mas bem decente.

E eu sempre curti tipo “exercitar” a memória.

Só que dia desses eu saí de casa pra botar três livros no correio, pra três destinos diferentes.

Sentei aqui na frente do computador, escrevi dedicatórias nos três livros, abri meu email, peguei os endereços das três pessoas, pus num papelzinho, levantei e chispa, porque ia chover!

Cheguei na esquina e lembrei que não lembrei de lembrar de levar o papelzinho…

:(

Dei meia-volta pra vir pegar.

Até aí tudo normal, eu sempre tive esses desligamentos. Mas enquanto vinha andando pra casa eu me dei conta de que a coisa mais-ou-menasmente triste ali era que eu nem tinha pensado na possibilidade de tentar recuperar de memória os três endereços. Que eu tinha ACABADO de ler e copiar.

Eu não estou dizendo que 20 anos atrás eu teria decorado os três sem nem tentar.

A questão, no entanto, é que 20 anos atrás, ainda enquanto copiava eu teria, sim, tentado decorar também. E teria conseguido.

A questão é que cinco anos atrás, quando eu me desse conta de que tinha deixado a cola em casa, eu ia ter tirado dois minutos pra pelo menos ver QUANTO eu era capaz de lembrar…

Posso ter posto a culpa na iminência da chuva, na pressa, mas o fato é que a ideia ficou me tantalizando aqui.

Eu tenho 42 anos de idade.

Estou longe de ser veeeelho. Mas o fato é que eu também já estou longe de ser noooovo.

E já está começando a chegar a hora de pensar que coisas que doem, coisas que incomodam, coisas que faltam e caem e somem, podem não ser idiossincrasias, podem não ser pontos fora da curva, podem não ser soluços no contínuo da normalidade. Essas coisas podem estar indo pra não voltar mais.

Meu pai, esses dias, reclamava que já diminuiu coisa de três centímetros. Eu, passado dos 40, já começo a perder altura também: aqueles discos intervertebrais cansam, sabe…

Ainda outro dia, falando com a Sandra dos livros que a gente ia dar de natal pra várias crianças, eu lembrava do tempo em que lia ou inventava historinhas pra Beatriz. E lembrava que teve um dia em que eu fiquei lendo alguma coisa repetida pra ela (ela adorava as mesmas histórias) e ao mesmo tempo fazendo anagramas do meu nome pra criar um pseudônimo.

Cheguei a Isaac Nendoltow Gueldriaga, que na minha cabeça era um antigo cabalista espanhol.

Lembrei de outra vez em que, meio entediado de contar a mesma historinha dos Três Porquinhos da Dinamarca (que usava o primeiro ato do Hamlet de base) eu decidi ir improvisando tudo em redondilhas, versinho de cordel.

Acho que essa última eu ainda consigo.

Mas o resto (e que tamanho tem esse resto? quantos centímetros ele já me custou?) acho que ficou mesmo em cima da mesa, junto com todos os papeizinhos que eu esqueci de levar comigo…

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