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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Há uma frase em Gravidade, longa-metragem do diretor mexicano Alfonso Cuarón, em cartaz nos cinemas brasileiros desde a semana passada, que ficou martelando em minha cabeça. Quando o astronauta veterano Matt Kowalski (George Clooney) se dá conta de que sua colega de missão, a médica e pesquisadora Ryan Stone (Sandra Bullock), só terá chances de sobreviver se deixá-lo para trás, ele lhe diz, em inglês: "You’ll have to learn to let go".

Impactante, a fala de Kowalski é difícil de ser traduzida ao pé da letra. To let go pode querer dizer, em seu sentido mais literal, "deixar partir", o que não parece ser o que o personagem pretende expressar em seu apelo, dito com firmeza. O astronauta, em sua derradeira missão antes da aposentadoria, não está de malas prontas, ansioso por embarcar em viagem de férias para o Havaí. Tampouco tem com Ryan uma relação amorosa, profunda ao ponto de seu pedido soar como uma despedida entre amantes à beira de um rompimento definitivo.

"You’ll have to learn to let go" tem, nesse momento de Gravidade, um sentido bem mais complexo. O conselho está ligado, é óbvio, à situação concreta em que eles se encontram: se ela não o soltar, ambos morrerão. Mas também diz respeito à vida de Ryan, marcada por uma perda dolorosa, que a condenou a um estado de inércia emocional. Como não se julga capaz de compreender e aceitar o golpe sofrido no passado, segue vivendo pela metade, em um ciclo mecânico e racional – afinal, ela é uma cientista.

"Deixar partir" também pode querer dizer, portanto, aceitar a perda. Kowalski sabe que, se insistir em salvá-lo, Ryan vai morrer. E, como seu próprio destino está selado, e ele está conformado com isso, o astronauta decide dar a ela uma lição, mas não em tom professoral ou condescendente. Apenas opta pela verdade, por dizer o que sente com poucas palavras em pleno espaço sideral.

Falar a verdade exige muita coragem, mas é o caminho mais digno, ainda que não seja, na maioria das vezes, um atalho seguro: a sinceridade pode primeiro intensificar os conflitos, gerar confusão, até que seja compreendida não como uma provocação, mas um dever, sobretudo quando há afeto e respeito em jogo. O preço pago é sempre alto, tanto para quem fala quanto para quem ouve.

Mas, em Gravidade, não há tempo para ponderações. Hesitar pode significar o fim para ambos. Então Kowalski endurece o tom e insiste que Ryan precisa aprender a aceitar as suas perdas (tanto a do passado quanto a que se anuncia), a deixar seu sofrimento fluir como se estivesse em um rio correndo em direção ao mar – ou ao espaço – onde se dissolverá, mesmo sem deixar de existir. Isso, quem sabe, a permitirá viver mais plenamente o tempo que lhe resta, que podem ser anos, ou algumas poucas horas.

E, diante do incontornável, o astronauta, munido de todas as suas histórias e aventuras, segue flutuando no espaço, ao som da canção country "Angels Are Hard to Find" (de Hank Williams Jr.), para ver o sol se pôr sobre o Rio Ganges. Antes de ele, também, se dissolver no infinito das estrelas.

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