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Ilustração: Felipe Lima |
Ilustração: Felipe Lima| Foto:

Tão bom ou, por vezes, até melhor do que conhecer um lugar novo, é revisitar uma cidade onde já se esteve, e da qual se guarda uma recordação especial. Mesmo que tudo esteja aparentemente igual, você não é o mesmo. E essa constatação, inevitável e um pouco perturbadora, acaba se revelando estimulante, passado o primeiro impacto do estranhamento de, por um instante, não se reconhecer diante do supostamente conhecido.

Assim como o mundo ao nosso redor, estamos sempre em constante e, com frequência, inconscientes transformações. Essas mudanças, que se processam no dia a dia, à medida em que nos expomos às ondas aparentemente monótonas de fatos do cotidiano, vão abrindo novas portas, fechando outras, nos reconfigurando. Apenas nos damos conta disso quando diante de uma paisagem familiar, mas que também, de alguma forma, revela-se nova. É como rever um filme depois de algum tempo: aspectos que antes não chamaram a atenção, passaram por alguma razão despercebidos, de repente saltam aos olhos, nos sensibilizam, e daí nos perguntamos: "Por que não vi isso da primeira vez?".

Acho que temos uma certa tendência de confiar demais no taco da experiência vivida, que é, sem dúvida, um capital muito rico, essencial eu diria, mas não é uma armadura de certezas. Mudamos mais do que imaginamos e menos do que tentamos em ocasiões mais dramáticas.

Por isso é tão importante o retorno, a chance de andar pelas mesmas ruas, sentar de novo naquele café, atravessar a ponte que um dia já fez parte de seu itinerário diário. Esses caminhos, ou recantos que julgamos velhos conhecidos, são fragmentos de memória, mas também espaços de esquecimento – estamos ali misturados à poeira. Se temos a oportunidade da volta, vem a chance de fazer um exercício intrigante, que é o de confrontar a realidade que tendemos a distorcer, quase sempre positivamente, sob a luz da nostalgia. Parece que quando lá chegamos, e nos deparamos com o espectro deixado por nossas lembranças, acontece um choque. A constatação de que tudo aquilo seguiu vivendo à revelia de nossas lembranças. E nada é, afinal, como era antes. E nem será.

É estranhamente belo chegar a um lugar de onde parece que acabamos de sair, ao ponto de termos a impressão de enxergarmos rastros de nós mesmos. Sabemos exatamente onde estamos, mas, ao mesmo tempo, torna-se evidente que as lembranças são apenas ecos. E tudo pode mudar a qualquer momento, dando um outro sentido a todo aquele cenário, que se reinventa a cada experiência – uma nova camada de sedimento existencial se mistura à pré-existente, e daí tudo ganha outro sentido. Até o próximo encontro. Como águas que passam sob uma ponte.

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