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Assim como já se disse que é difícil encontrar cariocas na cidade do Rio, pode-se pensar que não são muito numerosos em nossos dias os curitibanos de Curitiba: "Os curitibanos de hoje, são, em maioria, pessoas que não nasceram em Curitiba. Pessoas como eu, que não nasceram em Curitiba. Pessoas como eu, que fizeram a opção de vir para cá e não pessoas que nasceram aqui. Na maior parte dos casos, portanto, são curitibanos não por nascimento, mas por opção. Curitiba é uma cidade de migrantes, pluralistas, uma cidade cosmopolita (José Castello, em entrevista a Márcio Renato dos Santos, citada por Dante Mendonça (Curitiba: Melhores Defeitos, Piores Qualidades. Florianópolis: Bernúncia Editora, 2009).

Eis o que diz o folclore aceito: "O curitibano é antes de tudo um discreto. Inteligente, vive discretamente, se manifesta com discrição, não é espalhafatoso, é tímido, gosta de roupas sóbrias, trata dos negócios de maneira reservada e, modesto, não gosta de exibir o que guarda no bolso ou na poupança [...] . Uma gente fria, encasacada, não cumprimenta os vizinhos, não dá bom-dia de graça e cobra caro". Mas, segundo outros, "os curitibanos frios, aqueles que não conhecem e nem mesmo cumprimentam os vizinhos, rareiam". É lugar-comum que vem de longe, sendo já agora um estereótipo mecânico: "Os retardatários não lembram, começou em 1967 [...] título de uma crônica provocadora do jornalista Fernando Pessoa Ferreira [...] ". Na verdade, trata-se de folclore que data de tempos imemoriais, que se pode explicar, em sociologia de esquina, pelo sentimento de inferioridade de imigrantes recém-chegados, em confronto com os donos da terra, logo transmitido aos descendentes. Há, mesmo, tradição escrita: "Retraimento e complacência", título de um capítulo da História Psicológica do Paraná (1944), do historiador Davi Carneiro, paranista fervoroso, acima de qualquer suspeita: "No paranaense, como homem que vive em sociedade e elemento formador de uma unidade política dentro da nação brasileira, há dois defeitos graves que se somam e que se confundem, chegando mesmo a inutilizá-lo para as grandes e arrojadas ações públicas. O primeiro desses defeitos é o retraimento excessivo, uma espécie de misantropia que chega às raias da doença. É ele que nos impede de dizer entre estranhos, por vergonha, por medo, por falta de personalidades ou de valor, aquilo que pensamos (certo ou errado) e que nos impede, mais ainda, de proceder, como medo que se nos diga que o que fazemos é feito, é impróprio ou errado. O segundo defeito, talvez ainda mais grave, que o anterior, é a complacência exagerada".

Provavelmente em conta de autor e impresso em tipografia comercial, o livro foi editado, diz a folha-de-rosto, pelo dr. Dicésar Plaisant, tribuno popular que percorria a sua XV de Novembro (grafia das placas), pronunciando discursos inflamados em português castiço, e que ainda espera o seu lugar na história pitoresca do Paraná – agora parcialmente escrita por Dante Mendonça. Na verdade, o que o anedotário ignora é o espírito sonsamente satírico do curitibano, que ri à socapa, o que não exclui a "extrema suscetibilidade" observada por Fernando Pessoa Ferreira, que sabia do que estava falando.

Esse povo sorumbático e tímido compensa-se à sua maneira, como na piada enigmática: dizia-se a respeito do legendário livreiro Aristides Vinholes que, embora nascido em Pelotas, "nunca exerceu", comentava Jamil Snege, referência ao grande número de homossexuais supostamente existente na cidade gaúcha. Curitiba é também terra de excelentes desenhistas e caricaturistas, entre os quais Alceu Chichorro (Eloy), aliás ignorado por Herman Lima na História da Caricatura no Brasil (1963).

O livro de Dante Mendonça é já agora um título indispensável da bibliografia paranaense, equilibrando-lhe a habitual solenidade para registrar os melhores defeitos e as piores qualidades da gens curitibana.

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