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Escola de risadas

A resposta mais frequente de um palhaço à pergunta "em quanto tempo se forma um palhaço?" é: "a vida toda". De fato, a formação do palhaço tem um componente prático muito forte em que ele trabalha o improviso e a capacidade de ganhar a plateia. É o que diz o ator Mauro Zanatta: "Existem duas formas para o aprendizado do palhaço: a escola e a praça. São dois espaços complementares. O palhaço precisa sempre estar produzindo seu espaço prático, senão ele fica burocrático. Nas escolas de palhaço, todos os exercícios práticos são relacionados com a plateia, ainda que seja uma plateia formada por outros palhaços".

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O terror da gargalhada

Não é incomum que a primeira reação de muitas pessoas ao ver um palhaço guarde um certo temor, um medo inconsciente que pode desaparecer à luz da racionalidade ou não. Seja a mais terrível coulrofobia – nome específico para a fobia de palhaços – ou um receio moderado e intermitente, persiste a pergunta: como uma figura que deveria fazer rir provoca o efeito inverso e acaba por aterrorizar crianças e até adultos?

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No filme O Palhaço, dirigido e protagonizado pelo ator Selton Mello, que tem previsão de estreia para o fim de outubro, Benjamim, o dono do circo tem uma repentina e intensa crise existencial. No meio do frisson causado pela chegada de seu espetáculo (ironicamente, chamado de Esperança) a pequenas cidades do interior, o personagem se mostra exausto com os problemas do cotidiano: o músico da trupe quer um adiantamento e o pai – e também palhaço – (vivido por Paulo José) é enganado pela namorada mais jovem.

Assim como Benjamim, a imagem do palhaço também sofre hoje com a transformação de sua identidade e seu lugar na sociedade. Competindo com outras formas modernas de entretenimento e passando por evoluções da linguagem, a arte do palhaço luta para sobreviver enquanto se adapta a outras formas de representação cênica. Não é um privilégio do tempo presente: a história dessa figura humorística também é difusa. Não se sabe precisar ao certo quando surgiram os primeiros palhaços – estudiosos apontam para a quinta dinastia egípcia, por volta do ano 2400 a.C., mas diversas manifestações similares aconteceram em diferentes civilizações. Seja a pantomima da antiga Grécia, os bobos da corte ou mesmo as figuras cômicas do teatro kabuki japonês, fato é que o palhaço consolidou-se primordialmente como um sátiro da sociedade.

"O palhaço perdeu o poder que ele tinha antigamente, quando, dentro da corte, fazia a transição entre o povo e a realeza. Hoje o palhaço busca um resgate da pureza da humanidade", afirma Mario Zanatta, diretor teatral e fundador da Oficina do Ator Cômico, que desenvolve, entre outras formações dramáticas, a figura do clown, o palhaço moderno que se diferencia do tradicional no visual e na intenção. "O palhaço de circo é uma figura mais grotesca, exagerada, que se preocupa mais com truques cênicos. Já o clown busca seu humor não em truques, mas em si mesmo, relacionando-se com seu lado mais ingênuo e fazendo o público se conectar com esse aspecto mais simples de sua humanidade", diferencia.

Origens

Zanatta afirma que a origem moderna do palhaço (termo que deriva do italiano pagliaccio, que por sua vez vem de omino di paglia, "homem de palha"), remonta aos servos da commedia dell’arte, um tipo popular de teatro de improviso popular na França e na Itália do século 16 ao século 18: "Ali estabeleceu-se a hierarquia dos palhaços, que possibilitam o jogo de humor entre eles. O servo mais ingênuo, que apanha, e o servo superior, que bate mas é enganado pelos outros, são arquétipos de figuras cômicas que passaram para o circo tradicional e mesmo para o cinema, como o Gordo e o Magro e os Três Patetas". Já o clown (palavra cuja origem é incerta, mas que provavelmente passa pelo dialeto islandês klunni, "desajeitado") teve seu desenvolvimento principal na escola do mímico francês Jacques Lecoq. "O clown é, de certa forma, um resgate da arte do palhaço. Reconecta o homem com seu lado lúdico, e faz rir por isso", diz o ator, mas ressaltando que as diferenças entre essas duas representações cômicas tendem a desaparecer pela globalização, que aproxima os estilos e abole as nomenclaturas diversas.

Fora do picadeiro

Felipe Ternes de Oliveira, também conhecido como Palhaço Sarrafo, é um dos fundadores da Cia. dos Palhaços, uma companhia de Curitiba que trabalha estudando a figura do palhaço e realizando apresentações para os mais variados públicos. Para ele, é justamente essa saída do picadeiro uma das evoluções do clown. "O circo tradicional está perdendo espaço, e o palhaço desse circo também. Não só para o circo novo, como o Cirque du Soleil, mas também para a cena teatral. Hoje o palhaço está nos palcos, mas também nas ruas e na televisão. As pessoas estão estudando mais a arte e isso está possibilitando sua difusão", diz Oliveira.

Entretanto, ele diz que o preconceito persiste. "Algumas pessoas não entendem que o palhaço do palco tem uma outra proposta do circense e não o assistem por achar que é um espetáculo infantil. Hoje há espetáculos para adultos, crianças, pacientes no hospital e para empresas específicas", enumera.

Humor necessário

Ainda assim, o humor do clown ou do palhaço se mostra cada vez mais necessário. É o que diz o escritor e jornalista Luiz Andrioli, que pesquisa há anos o ambiente do circo e seus personagens principais, os palhaços. Andrioli, que também tem formação de ator, acredita que a linguagem acessível e lúdica do palhaço é pertinente em um momento em que o humor, com a febre do stand-up, é mais agressivo e, muitas vezes, baseado em insultos. "O palhaço, por excelência, é alguém que faz piada consigo próprio, expõe a fragilidade do humano. É por isso que todo mundo ri quando ele tropeça numa casca de banana, mostra que todos nós podemos cair."

Colaborou: Isadora Rupp

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