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Dizem que o tempo é a balança entre o drama e a comédia. Aquilo que hoje provoca aflição tende a ser visto com riso daqui a um punhado de anos, quando analisado em retrospectiva – exceção necessária às violências sem reparação, como a morte de uma pessoa amada, um acidente grave ou um trauma coletivo. Porém, os grandes temas da vida cotidiana (relacionamentos, costumes, empregos, o governo) formam um conjunto de escolhas que, datadas e substituíveis, marcham inevitavelmente para a irrelevância.

Fácil de conceituar, difícil de praticar. Mas para isso temos o cronista, esse cidadão que viaja empiricamente ao futuro e relata o que dizem de nós por lá. Uma função que ganha ainda mais peso no grande debate da rede, onde a grita é constante e o humor, escasso. Tarefa melindrosa, pois azeitar as interações com o sumo da ironia requer precisão na dose. Em excesso, gera um cinismo opaco que dissuade a paixão, sentimento necessário para qualquer avanço político.

Crônica

Antonio Prata é um homeopata da crônica. Concebe um narrador-personagem e assume a voz dele de forma tão natural que chega a apagar os rastros atrás de si. Exemplo disso foi a reação gerada por um de seus textos recentes, publicados na Folha de S. Paulo. Emulando um colunista conservador disparando os habituais clichês do gênero, ganhou elogios de leitores, que o parabenizaram pela coragem de denunciar o "totalitarismo de esquerda que impede o desenvolvimento do país".

Infância

Por coincidência, o episódio ocorreu enquanto o paulistano de 36 anos lança Nu, de Botas, em que esmiúça acontecimentos da infância. Aqui, assume a voz do garoto ante a experiência de conhecer as primeiras coisas do mundo. Para ele, são ocasiões de espanto, fascinação, terror. Após riscar a parede com o canivete, esconde-se num canto da casa se imaginando livre do castigo, desde que consiga permanecer oculto pelos anos necessários até a anistia. Ao sujar as calças, tem alguns minutos para disfarçar o acidente antes do flagra dos adultos.

Questiona a incoerência do mundo adulto quando a professora explica a sílaba formada pela consoante C e a vogal U: a mesma palavra que lhe é vedado dizer em qualquer outro contexto. Que falar então do espanto diante da primeira revista de sacanagem vista na vida ou do brinquedo novo do vizinho. Criança sofre.

Novela

Antes de ser crônicas em livro, Nu, de Botas é um livro-crônica em que os textos formam uma novela. Todos lembram do recurso de Steven Spielberg ao filmar ET: ao posicionar a câmera a 1,20 metro do chão, nos deu o ponto de vista do menino Elliot e de sua irmã. Aqui, Prata faz algo parecido. Os adultos são aqueles personagens de desenho animado dos quais vemos apenas do joelho para baixo. Pratinha, como é conhecido no círculo íntimo o filho de Mario Prata, viveu desde a infância num ambiente amigável à literatura. Adulto, faz uma divertida e bem-sucedida viagem de volta.

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