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 | Valterci Santos/Gazeta do Povo
| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo

Neto de Dalton Trevisan, filho de Manoel Carlos Karam, sobrinho de Jamil Snege e mau aluno de Le­­minski. Meio por brincadeira, Luiz Felipe Leprevost reinventa a própria genealogia, em tributo à tradição literária paranaense. Há uns dois anos, o escritor vem capturando a atenção de leitores e espectadores como uma voz singular da nova geração de dramaturgos curitibanos, autor também de prosa e poesia.

O rapaz de 31 anos pode ser reconhecido pelos títulos mais compridos (e inusitados) que já se viu na cidade. Na Verdade Não Era um Sinal de Vá Tomar no Cu foi sua primeira peça encenada, inaugurando uma parceria produtiva com a diretora Nina Rosa Sá. Na segunda temporada, o nome sofreu um corte drástico para evitar confusão com montagens cujo apelo é a baixaria. Nada a ver com o trabalho minucioso que realiza com a linguagem, experimentando estilos e formulando situações nas quais se ouve ecos da vida em Curitiba.

Nas prateleiras de livrarias como a do Lucca Café, onde encontrou a reportagem da Gazeta do Povo para uma longa conversa, há exemplares de seus livros de contos publicados, Inverno dentro dos Tímpanos (2008) e Barras Antipânico e Barrinhas de Cereal (2009). Em 2011, virá um terceiro, também criativamente batizado: Manual de Putz e Pesares. "O mais sangrento até agora", avisa.

Neve

Leprevost agora escreve uma trilogia de novelas iniciada por A Neve Não Tem Gosto de Algodão Doce, à procura de editora, e já transformada em roteiro para longa-me­­tragem.

O título provisório da segunda novela, nem o autor recorda. Basta saber que se envereda pelo território familiar, ainda pouco explorado em sua obra. A terceira parou no esboço, por enquanto, mas já carrega em comum com as anteriores um protagonista nascido em 1975, o "mítico" ano da neve.

Contudo, o autor renega o estereótipo do curitibano frio. "Em­­baixo dessa neve mora um coração", diz, lembrando um verso da canção "Luiza", de Tom Jobim. Aliás, não faltam citações nas suas falas, e elas se encaixam entre as ideias naturalmente.

A cidade impregna sua obra cedendo lugares, hábitos e personagens. Foi no bairro de Santa Quitéria que ainda garoto despertou seu imaginário urbano e criou gosto pela rua. Morou no Batel e, hoje, em Santa Felicidade, lamenta que o curitibano pouco frequente os espaços públicos.

Filho de empresário e psicóloga, Leprevost não tinha em casa a tradição literária. O apelo dos li­­vros veio da biblioteca que a família herdou do avô. Estava com 13 anos e se encantou pela coleção que recobria paredes. Já a vocação política do irmão Ney Leprevost não o atingiu. "Como diria Drum­­mond, faço política olhando pela janela do mundo. Coloco o melhor de mim na arte", diz.

Essa arte, a escrita, exige solidão. Ele a concilia com o apreço pela troca de ideias. Se é corriqueiro vê-lo desfrutar da vida cultural da cidade, entre amigos como o dramaturgo e diretor Alexandre França, há em seus personagens o inverso, uma misantropia, comum a alguns de seus autores prediletos, como John Fante – outro é Scott Fitzgerald, e a leitura atual, a Nobel Herta Müller.

Nada o deixa mais perplexo do que o modo como as pessoas se en­­contram e depois se desencontram: os "cataclismas afetivos", como diz. "Em que ponto paramos de nos ouvir e a voracidade do dia a dia nos tornou mais difíceis?", pergunta. Talvez seja a questão mais premente em seus escritos.

Ator

Entre prosa, teatro e poesia, Le­­prevost se considera um contador de histórias. O teatro veio apenas "injetar carne nos fantasmas" – agora cita o dramaturgo alemão Heiner Müller.

O mais curioso foi que primeiro enfrentou as inquietações de ser ator. Por isso, até hoje, acha que quem escreve seus textos teatrais é o ator dentro de si.

A atração pelo teatro chegou tarde, a partir de uma oficina no espaço Pé no Palco, da qual seguiu para um grupo de estudos sobre Chekhov, até se decidir por largar a faculdade de Jornalismo – a de Direito já havia sido abandonada – para es­­tudar atuação na Casa das Artes de Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

Sem modéstia, Leprevost se diz "muito bom ator". Mas parou de atuar. O motivo? "O personagem não existe, é a sua mente, o seu corpo", responde.

Essa sensação cresceu ao interpretar Lucky numa montagem carioca de Esperando Godot, dirigida pela professora Celina Sodré. "O Lucky me assombrou por muito tempo, a partitura física ficou marcada no meu corpo. O ator escreve em si mesmo", concluiu, e desde então passou a ter medo de atuar.

Celina, a propósito, foi daquelas mestres que modificam a vida, para que a nova vida mude a arte. Outro foi o poeta Chacall, que co­­nheceu no Centro de Experi­­men­­tação Poética. A partir dali começava uma rotina insana com aulas de teatro durante o dia, espetáculos à noite e encontros artísticos madrugada adentro, até sucumbir à estafa e retornar a Curitiba, transformado.

Aqui, ganhou projeção como dramaturgo, e a parceria com a diretora Nina Rosa Sá se fortaleceu. Ela dirigiu suas Pecinhas para uma Tecnologia do Afeto, além de Com Amor, apresentada na 6.ª Mostra Cena Breve. Sem tanto diálogo com o autor, o Pé no Palco montou Já Viu como um Pinguim Anda?, uma colagem de textos do blog Notas para um Livro Bonito.

Ele gostaria de viver mais intensamente a rotina dos grupos de teatro. O problema é que, nessas situações, se intromete na direção mais do que deveria. Na verdade, já escreve ensaiando: lê em voz alta atrás da musicalidade das frases. Melhor ainda quando sabe previamente quem fará o papel. Daí aproveita o que conhece da personalidade do intérprete para provocá-lo.

No ano que vem, pela segunda vez na vida, Leprevost vai mesmo dirigir uma peça: O Butô de Mick Jagger. Deve estreá-la no Festival de Curitiba, dentro de uma mostra planejada com colegas do Núcleo de Dramaturgia do Sesi Paraná, que ele frequenta e reconhece: tem aquecido a cena autoral de teatro na cidade. Com textos de iniciantes e outros de linguagem já apurada, como os seus.

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