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Um dos esboços que fazem parte da exposição: Ana González, coordenadora do museu, foi quem ensinou Ricardo Humberto a desenhar | Ilustrações: Ricardo Humberto
Um dos esboços que fazem parte da exposição: Ana González, coordenadora do museu, foi quem ensinou Ricardo Humberto a desenhar| Foto: Ilustrações: Ricardo Humberto

Paralelas

O Museu da Gravura, no Centro Cultural Solar do Barão, abre outras duas exposições na próxima terça-feira, às 19 horas:

Uma

Arte Brasileira nos Acervos de Curitiba – Um Percurso Junto aos Museus da Fundação Cultural de Curitiba. Curadoria de Daniela Vicentini e Simone Landal.

Duas

O Espelho e Seu Duplo – Exposição Coletiva do Grupo Sala, formado por Dalton Reynaud, Fábio Follador, Izabella Zanchi, José Roberto da Silva, Julcimarley Totti, Lahir Ramos, Maria Lúcia de Julio e Valério Cicqueira. Curadoria de Izabella Zanchi.

  • Ilustração do artista gráfico Ricardo Humberto, que expõe seus desenhos a partir desta terça (31), às 19 horas, no Museu da Gravura de Curitiba.

Ricardo Humberto tentou por anos, mas não conseguiu escapar de si mesmo. Da impossibilidade de ser qualquer outra coisa, se rendeu ao que é. Na próxima terça-feira, ele abre a exposição Vulvas Avulsas, a primeira que realiza num museu – no caso, o da Gravura, dentro do Centro Cultural Solar do Barão.

São vários esboços inéditos, desenhos que o artista diz ter feito como um "descarrego", uma forma de lidar com o que se passava dentro da sua cabeça. Pedaços de papel rasgados, outros manchados, servem de suporte para figuras bizarras, sofridas. No arquivo digital que criou com as imagens (parte delas ilustra esta página), o nome dos arquivos era "depre1", "depre2"...

O título erótico da exposição, uma referência à genitália feminina, sugere que o público vai ver algo que, na verdade, não deveria ser mostrado publicamente.

"Se você parar para analisar, alguns [desenhos] parecem mesmo umas vulvas", diz Ricardo, cujo senso de humor é mal interpretado com frequência. Um pessimista bem-humorado, ele deveria ter nascido britânico, mas é paranaense.

Depressão

Artista gráfico que trabalhou na Gazeta do Povo – ele foi um dos profissionais por trás das três reformas visuais que o jornal teve ao longo de pouco mais de uma década –, começou fazendo ilustrações e foi ascendendo na hierarquia da redação,assumiu outros compromissos e acabou se afastando da arte.

Anos dessa rotina, mas não apenas isso, o levaram a uma depressão com a qual teve de lidar por mais de um ano. Quando conseguiu sair dela, resolveu deixar o jornal, organizar a exposição e investir no que sabe fazer melhor: arte.

Teve alguns de seus trabalhos publicados pela prestigiosa revista Gráfica, de Curitiba, editada por Oswaldo Miranda (o Miran). Também curitibana, a Arte e Letra: Estórias – revista literária que publica escritores como J.M. Coetzee e Paul Auster – teve uma edição inteira com trabalhos seus.

No jornal, ilustrou textos de Dalton Trevisan, Paulo Francis e de outros colaboradores. O vampiro de Curitiba, autor de Desgracida (Record), nunca disfarçou o apreço pelo trabalho de Ricardo e sempre fez questão de presenteá-lo com os livros que publicava devidamente autografados (com dedicatória, coisa que faz para poucos).

No jornal literário Rascunho, de Rogério Pereira, passou quatro anos publicando a seção "Otro Ojo", em que realizava retratos de autores como Herman Melville (Moby Dick) e Liev Tolstói (Guerra e Paz).

Fogo

Ricardo desdenha do que faz. É um crítico "filho da mãe" consigo mesmo. Aceita organizar a exposição porque é uma forma de mostrar o próprio trabalho, mas, se tivesse chance, queimaria os desenhos. É o que ele diz: "Se pudesse, eu os queimaria". Não os queima porque destruí-los seria abrir mão daquilo que o define de certa forma.

E havia uma Ana no caminho de Ricardo. Coordenadora do Museu da Gravura, Ana González conhece Ricardo há 22 anos. "Ela me ensinou a desenhar", disse o artista.

Admiradora do trabalho do pupilo, Ana encontrou Ricardo em meio às turbulências, viu o que ele estava produzindo e encontrou um sentido para os esboços. A entrevista foi pontuada por breves conversas dos dois – Ana comentando a disposição dos desenhos, Ricardo ouvindo com atenção tudo o que ela dizia.

Existem dizeres do escritor Samuel Beckett, autor de Fim de Partida, que poderiam definir os esboços da exposição: "Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor".

"São tentativas e erros. Desenhos que não têm acabamento, não têm retoques. São ensaios para um mergulho que nunca acontece", diz Ricardo, que aprendeu a desenhar com o avô que o criou.

Free jazz

Quem visitar a exposição no Solar do Barão e ver os esboços, vai, de certa forma, visitar a cabeça de Ricardo Humberto. Se precisassem de uma trilha sonora – e a música tem um papel importante na rotina do artista –, os esboços no Museu da Gravura casariam bem com um free jazz insano, barulhento e confuso. Ou talvez com uma composição mais contida de Philip Glass.

É um pouco a história que o escritor Kurt Vonnegut (1922-2007), de Matadouro 5, gostava de contar sobre a filha negociadora de arte. Ele a questionou sobre como é possível educar o olhar para o que é bom ou ruim numa pintura. Ela explicou que bastava olhar mil quadros para passar a discernir um trabalho bom de outro ruim.

Esse tipo de bagagem – mas não somente ela – aparece nas ilustrações de Ricardo Humberto. Ele pode fazer uma colagem usando pedaços de papel e mais nada, perseguindo texturas e combinações inusitadas. Ou criar uma imagem perturbadora (uma velha demoníaca com uma bocarra cheia de dentes) a partir de pequenos recortes de livros e revistas antigos. Ou ainda imaginar figuras atormentadas usando poucos traços e alternando a pressão do lápis sobre o papel.

Seria um atrevimento dizer aonde Ricardo Humberto vai chegar fazendo o que faz. Mas é evidente que ele vai chegar. Logo.

Serviço

Vulvas Avulsas, exposição de desenhos de Ricardo Humberto. Centro Cultural Solar do Barão – Museu da Gravura (R. Carlos Cavalcanti, 533), (41) 3321-3269 e 3321-3367. Abertura na terça-feira (31), às 19 horas. A partir de 1º de setembro, de segunda a sexta-feira, das 9 às 12 horas e das 13 às 18 horas; sábado e domingo, das 12 às 18 horas. Entrada franca. Até 24 de outubro.

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