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 | Poty/ Acervo João Lazzarotto
| Foto: Poty/ Acervo João Lazzarotto

Os alicerces da obra de Dalton Trevisan são tão particulares quanto o estilo de vida do escritor. Quem o conhece sabe: Dalton possui resistência inflamada a qualquer contato que não seja de iniciativa própria. Uma personalidade arisca que, contraditoriamente, deixa rastros evidentes.

Não é de agora que o escritor prefere o lar de portas fechadas à agitação que sua carreira proporcionaria. Há mais de 40 anos ele mantém alerta máximo contra a mídia (sua última entrevista foi concedida em 1972), abordagens de fãs e curiosos e convites para eventos, reforçando o mito.

Em 2012, quando recebeu o reconhecimento máximo da literatura de língua portuguesa, o Prêmio Camões, recusou-se a ir pessoalmente receber a láurea.

Foi representado pela vice-presidente da editora Record, Sonia Jardim. Compreensível, o júri não fez caso e reforçou a tese defendida por Dalton nas raras vezes em que explicou sua personalidade taciturna, justificando que a obra é mais importante que o autor.

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Mas, se por um lado o contista curitibano defende de maneira veemente o distanciamento entre seu trabalho e sua vida particular, por outro, esses dois mundos parecem se aproximar nas páginas dos livros.

“Penso que a personalidade arredia de Dalton se faz presente em seus textos”, afirma o professor de literatura da Universidade Federal do Paraná Marcelo Sandmann. Para ele, a obra produzida pelo contista reflete, de uma certa maneira, o jeito reservado de enxergar o mundo.

“[A obra de Dalton] é marcada pelo olhar de alguém que observa personagens e situações de maneira distanciada, sem muita empatia, de maneira crua, sem maior envolvimento. O lado arredio do autor reflete-se na maneira igualmente arredia, deslocada, esquiva do narrador, e no jeito altamente elíptico de sua linguagem e de suas histórias”, explica.

O fato de se autorretratar em seus escritos também parece comprovável para uma das pesquisadoras da obra de Dalton Trevisan, Sueli Monteiro, que vê o reflexo evidente em alguns contos, como “Quem Tem Medo de Vampiro?”.

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“Criou-se nele uma figura duplicada: Dalton Trevisan falando sobre o outro Dalton Trevisan, aquele que os críticos construíram, ‘impostor posto em seu lugar, um sanguessuga’: ‘um vampiro’. O autor se manifesta, assim, como um efeito do olhar alheio, podendo até ser visto pelo viés de uma personalidade arredia”, diz Sueli.

Sem estratégias

A velha máxima do “quem não é visto não é lembrado” não pertence ao mundo de Dalton Trevisan. Embora recluso, tudo o que ele não faz ou fala acaba se tornando uma isca para quem não compreende o jeito “estranho” que ele tem de levar a vida.

O paranaense Marcio Renato Pinheiro da Silva, que também conduz pesquisas acadêmicas sobre a obra de Dalton, acredita que a reclusão gradativa do escritor, que se envolveu intensamente com a imprensa na década de 1940 (em referência à participação ativa no grupo literário que publicou a revista Joaquim, entre 1946 e 1948), pode ser vista até mesmo como um atrativo de novos leitores – embora, destaque, “não seja essa a intenção do autor”.

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“É diferente de tudo o que se vê hoje, com escritores que se manifestam nas redes sociais, dão palestras, participam de eventos literários. Isso pode, eventualmente, despertar curiosidade no leitor. Mas o Dalton vê a literatura mais como trabalho do que como espetáculo”, ressalta.

Correr na contramão do comum não quer dizer, contudo, que o contista curitibano se aproveite de sua natureza taciturna para colher os frutos de uma publicidade às avessas. Sandmann, da UFPR, defende que esta, definitivamente, não é uma estratégia do autor, mas apenas “um misto de timidez, senso de ridículo e integridade literária, coisas meio incompreensíveis nos dias que correm”.

A pesquisadora Sueli Monteiro vai além e argumenta que, o que para muitos pode ser enxergado como uma tática, não passa de uma imagem da qual o escritor já não consegue mais se desfazer, reafirmando a ideia central defendida por Dalton: de que o conto é sempre melhor que o contista.

“Nosso contista já não pode mais se libertar da imagem do ‘Vampiro’, o que vem atestar sua grandeza de escritor”, diz. “O ‘Vampiro’ Dalton Trevisan parece mesmo mais coerente se entendido assim, neste jogo de espelho em que o reflexo é recusado”.

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