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A atriz Letícia Sabatella | Divulgação//Ramon Vasconcelos/Rede Globo
A atriz Letícia Sabatella| Foto: Divulgação//Ramon Vasconcelos/Rede Globo

A atriz Letícia Sabatella, hostilizada neste domingo (31) por um grupo de pessoas que participava de um ato no Centro de Curitiba a favor do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT), disse em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo que ficou assustada com a violência da reação das pessoas contra ela e que o Brasil precisa reaprender a lidar com suas diferenças.

Assista ao vídeo das hostilidades, gravado pela atriz

As hostilidades foram gravadas e divulgadas pela própria atriz, conhecida politicamente por sempre ser contra o impeachment. Leia abaixo a entrevista.

Depois que o vídeo se tornou público, muitas pessoas fizeram uma metáfora com o futebol, dizendo que você se comportou como um torcedor que entra na torcida adversária com a camisa do time rival. O que você acha desta leitura do episódio?

Eu acho lamentável que as pessoas estejam criando este apartheid no Brasil. Eu entendo que se tivessem duas manifestações antagônicas num mesmo lugar e no mesmo momento seria um problema. Mas não era isso o que estava acontecendo.

Letícia Sabatella presta queixa após ser hostilizada em manifestação

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Por que você estava passando ao lado da manifestação naquele momento?

Porque eu moro ali, no prédio em que a minha avó morava e que é minha casa em Curitiba desde os meus quatro anos de idade. Eu estava fazendo meu caminho de casa para o restaurante vegetariano que eu frequento. O caminho que eu normalmente faço.

Como aconteceu a hostilização do grupo de manifestantes?

Quando eu passei, a manifestação ainda não estava acontecendo. Havia um pequeno grupo de pessoas se concentrando na praça Santos Andrade. Ainda não havia ninguém discursando.

Eu passei por ali e comecei a ler os cartazes. Então uma senhora me reconheceu e veio falar comigo, até com certa cordialidade. Mas, então chegaram mais pessoas muito raivosas, e o que aconteceu foi aquilo que se vê no vídeo que gravei.

Você sempre se manifestou contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Já tinha acontecido algo semelhante?

Em outras vezes eu também desci do meu prédio e me encontrei com pessoas que estavam indo para passeatas a favor do impeachment. Eu conversava com elas deforma civilizada. A gente brincava e, às vezes, gerava até um tipo de debate. Uma vez ou outra surgiu alguém mais exaltado dizendo nas palavras dela “eu não deveria colocar a minha imagem a serviço de um partido ou de um governo corrupto”. Eu acho que a gente precisa mudar o pais como um todo e atacar o problema da corrupção em todos os níveis. Eu não imaginei que a coisa pudesse tomar a proporção que acabou tomando.

Você chegou a ser agredida fisicamente?

Eu cheguei a ser agarrada. As pessoas ficaram me forçando a entrar no prédio. Tinha uma senhora muito autoritária, que estava segurando um boneco na mão e que foi muito provocativa. Eu estou me recuperando de um resfriado, então eu não estava muito bem e quando as pessoas começaram a me cercar, xingar e empurrar eu me assustei.

Eu cheguei a ser agarrada. As pessoas ficaram me forçando a entrar no prédio

No vídeo, há um momemto em que você decide que não aceita ser expulsa da rua pelas pessoas. Por que você decidiu assumir esta postura?

Eu tentei ainda conversar com aquela senhora. Olhando no olho dela, mas ela começou a ficar muito irônica e agressiva. Eu disse “tchau” e ela começou a gritar e chamar as outras pessoas incluindo um senhor muito exaltado, que ficava gritando “saia daqui”. Eu tentava caminhar e eles continuavam a me xingar. Quando eu parava e me virava pra eles, paravam de me ameaçar. Quando eu virava de costas eles começavam a me filmar, me escrachar e me jogar tinta. Eu disse, então, não vou sair porque vocês estão me expulsando; vocês é que devem voltar para a manifestação.

Foi neste momento que você começou a filmar?

Sim. Quando me dei conta que eles queriam me expulsar e filmar para que o vídeo fosse uma humilhação nacional, eu resolvi ligar o meu celular e começar a filmar também, para me proteger. Nessa hora eu percebi que eu estava caindo numa cilada. Quem mais provocou foram aquelas pessoas. Que se achavam no direito de dizer que aquele lugar, a rua onde eu moro, era delas e eu não podia estar lá por que elas não iriam deixar. Este desejo, de que eu não estivesse ali, chegou as vias daquela loucura. Daquela reação ensandecida.

Em um determinado momento a Polícia Militar aborda você e tenta te retirar da rua. Como você viu a atuação da PM neste caso?

Os policiais tentaram me proteger, mas a partir da presença deles eu fiquei ainda mais isolada. E os policiais, ainda que com a melhor intenção, não tentavam acalmar as pessoas e pedir para que eles voltassem para a praça. Eles queriam que eu saísse. Eles não estavam entendendo o que estava acontecendo exatamente.

Este desejo, de que eu não estivesse ali, chegou as vias daquele loucura. Daquela reação ensandecida

Eles estavam me retirando, mas preocupados em me levar para o camburão, me levar para fora dali. Eu não achei que fosse a melhor medida me levar para o camburão e por isso fui caminhando até minha casa. Eu não queria ir para outro lugar que não fosse a minha casa. Eles foram caminhando do meu lado até o portão do meu prédio, e as pessoas seguiram me xingando este tempo inteiro. Quando chegamos ao portão, o policial disse que eu tinha que subir. Então eu falei que não iria. Eu vou ficar aqui por que eu estou na minha casa. Quem tinha que sair dali eram aquelas pessoas que teriam que voltar para a manifestação que estava acontecendo legitimamente na praça. Eu consegui explicar isso civilizadamente ao policial, que me disse que estava me defendendo. Eu agradeci e falei que eu não iria sair dali por que eu tenho direito de ficar ali. Os manifestantes é que tinham que voltar para a manifestação. Eu preciso poder decidir se eu vou para minha a casa ou se eu vou continuar andando na rua.

Que tipo de sentimento você tem em relação às pessoas que te hostilizaram?

Eu sinto que elas estão querendo criar autoritariamente um lugar para viver que tenha as características que elas reconhecem como certas. Um lugar de uma cor só. Elas não conseguem aceitar as diferenças. É muito difícil para elas conviver com alguém que pense diferente. Com uma mulher que se comporte livremente andando na rua. Sem contar a questão do machismo, no caso dos xingamentos misóginos. Houve muitas calúnias que instigaram este ódio. As pessoas ficaram muito carregadas desta razão arrogante.

Todas aquelas pessoas que me atacaram tem coisas boas. Tenho certeza disso. Todos nós temos luz e sombras

Você temeu que algo grave pudesse acontecer?

Eu me assustei com o grau de intolerância violenta a que chegamos no nosso país. As pessoas acreditam que estão certas agindo desta maneira. Me assusta a desinformação e os pensamentos que foram formados a partir de mentiras e calúnias. O tempo que leva pra desmanchar uma calúnia é muito longo. As pessoas me acusaram de coisas sem nenhum sentido. Parece que elas precisam encontrar um bode expiatório, alguém para ser destruído na ilusão de que isso vai resolver algum problema. Você não resolve problema algum destruindo alguém.

Como fazer para que demonstrações de violência e intolerância acabem no Brasil?

Todas aquelas pessoas que me atacaram têm coisas boas. Tenho certeza disso. Todos nós temos luz e sombras. Mas, o coletivo cria uma máscara nestas pessoas que faz aflorar nelas este lado sombrio que elas não querem enxergar na vida delas. A dificuldade de enxergar isso gera este monstro coletivo que você pode ver no vídeo, faz elas colocarem para fora, como se estar em grupo tornassem-nas encobertas. É a mesma ilusão que as redes sociais também criam. Esta sombra coletiva é assustadora. A gente precisa prestar atenção. A gente está precisando mais do que nunca de uma governança sábia e responsável para poder lidar com a grande diversidade que é o Brasil. Um país que é bonito exatamente por suas diferenças. Precisamos escolher governantes com esta sabedoria e não os que querem o poder com discurso de ódio, de exclusão. Julgar que artistas são o câncer da sociedade e precisamos acabar com eles é o fascismo. Precisamos ver que existe luz e sombra em todas as pessoas. A democracia tem que ser garantida para que isso aconteça.

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