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Kim Kardashian: falta de empatia pela “marca” | Michael Buckner/AFP
Kim Kardashian: falta de empatia pela “marca”| Foto: Michael Buckner/AFP

Foi em Paris que Kim Kardashian teria sido assaltada, à mão armada, por homens mascarados que a amarraram no seu flat e fugiram com cerca de US$10 milhões em joias. Sua porta-voz afirmou que ela está bem, o que é uma boa notícia.

Mas o que fervilhou mesmo após essa história foi um gêiser de risos às custas da desgraça alheia, bem como uma dose saudável de ceticismo quanto à possibilidade ou não de que esse assalto tenha se desenrolado como descrito. É só falar com qualquer um nas ruas de Paris ou nas filas dos desfiles de moda, os quais ela veio frequentar aqui, e você vai ouvir rumores de que tudo foi só uma cena. Se for olhar nas seções de comentários dos sites de notícias, então, vai ver coisas muito piores. Será que isso foi só mais uma parte do reality show lucrativo que é a vida de Kim Kardashian? Houve piadas de humor negro e algumas que foram pura maldade.

Veja este comentário no Twitter, por exemplo:

“Kim Kardashian foi assaltada à mão armada num hotel em Paris. O homem será acusado por não ter puxado o gatilho e salvado a humanidade da sua mediocridade”.

É justo afirmar que a história de um único assalto acabou tendo uma cobertura desproporcional, com alertas “urgentes” e cenas ao vivo na TV. Ninguém menos que a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, chegou a comentar sobre o roubo no Twitter, condenando os criminosos e prometendo a Kardashian que ela sempre será bem-vinda em Paris. Incontáveis turistas anônimos que foram vítimas de crimes aqui também gostariam de ter sido consolados com um comentário parecido.

Decote espetacular

Ainda assim, um assalto à mão armada é coisa séria. Mas a gravidade do incidente com Kardashian parece desprovido de realidade pelo fato de que, em sua vida, – pelo menos tal como apresentada, com detalhes, ao público – nada é simplesmente real e tudo parece ter sido calculado.

Kardashian marcou presença nos desfiles de moda na cidade nos dias e horas anteriores ao assalto, registrando religiosamente suas peças e seu decote espetacular no Instagram. Ela esteve no desfile da Balmain, onde o estilista Olivier Rousteing fez sua homenagem às mulheres, inclusive ela própria, que o inspiraram. Ela ficou na primeira fileira do desfile da Off-White, ocasião na qual vestiu um tomara-que-caia transparente. E apareceu no da Balenciaga vestindo um dos sobretudos distintos da marca, sem maquiagem – ou, pelo menos, é o que ela afirmou no Instagram. E, nas horas anteriores ao assalto, ela esteve no da Givenchy.

Marca Kardashian

A todo momento ela era seguida por uma multidão enlouquecida de fotógrafos, que são os verdadeiros parceiros da marca Kardashian. Qualquer um que tivesse o interesse poderia saber com detalhes toda a agenda do seu dia inteiro através das redes sociais. Isso não quer dizer que ela merecesse ser assaltada ou que um incidente desses devesse ser já esperado. É claro que não.

Mas isso ajuda a explicar parte da reação cínica, que outros famosos – desde James Corden até Chrissy Teigen – condenaram como falta de empatia ou até mesmo de decência humana básica.

Kardashian não parece ser de verdade. Todas as partes de sua vida – os problemas de fertilidade, a gravidez e o casamento – são domínio público.

Ela parece ser menos uma pessoa e mais uma ideia, uma personalidade, um ícone, uma praga, uma curiosidade.

Quase todas as celebridades passam parte de suas vidas se debatendo com o modo como precisarão lidar com o público. Muitas só dão as caras quando têm um projeto para vender. Suas entrevistas promocionais são salpicadas de pequenos toques pessoais que dão aos fãs alguma dimensão de sua personalidade. Elas são humanizadas. Outras, no entanto, conseguem simplesmente viver as suas vidas de modo que sua presença nas escolas ou café locais se torna tão ordinária que a maioria das pessoas nem para mais para olhar.

Novo tipo de celebridade

Já Kardashian foi pioneira num novo tipo de celebridade – uma celebridade cujo trabalho é a própria fama em si. Que é onipresente, mas inatingível. Brilhante, retocada. Perfeitamente imperfeita. Alimentada pela moda e suas capacidades de criação de mitos. Mas, de certas formas, também vítima dela.

Os estilistas adoram o modo como ela está sempre disposta a vestir as combinações mais ousadas em público, precisamente do modo como eles as imaginaram – mesmo que essa fantasia penda para o ridículo. E então os editores de moda, por sua vez, são rápidos em expressar seu choque por ela ter usado uma peça dessas de fato.

Seus fãs, no entanto, é claro, a amam de qualquer jeito.

A reação ao assalto de Kardashian, em muitos aspectos, tem sido cruel. Mas isso não quer dizer que as pessoas não tenham empatia por uma mulher, mãe e esposa. O que elas não têm é empatia por uma marca vazia.

E, no processo de criar sua grande riqueza e fama, foi a marca – e não a pessoa – que acabou sendo conhecida do público.

*Robin Givhan é crítica de moda do Washington Post e faz cobertura da moda como negócio, como instituição cultural e como puro prazer.

Tradução: Adriano Scandolara
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