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Homem segura pedra enquanto corre da polícia | REUTERS/Siphiwe Sibeko
Homem segura pedra enquanto corre da polícia| Foto: REUTERS/Siphiwe Sibeko

Uma das grandes fases da carreira do diretor Antonio Abujamra se deu nos anos 1990, quando ele esteve à frente do grupo Os Fodidos Privilegiados, no Rio de Janeiro. Poucas vezes tivera tanto reconhecimento de público e crítica. Mas, no final da década, sessentão, afastou-se amigavelmente de uma companhia numerosa em que ninguém tinha mais de 30 anos.

"Acho que, para ele, nós estávamos ficando muito caretas", diz João Fonseca, que o sucedeu na direção. "Precisávamos organizar o caos dele para buscar uma forma de trabalho que nos permitisse sobreviver, que nos desse patrocínio. Isto ia contra o que ele queria, que era estar livre."

Liberdade, esse conceito tão fundamental quanto vago, é o motor da vida de Abu, como todos chamam este artista que completou 80 anos na última quinta-feira. "Enforquem-se na corda da liberdade" é um de seus bordões preferidos, normalmente dirigidos aos jovens, com quem prefere trabalhar.

"Atuar, dirigir e descobrir autores de que o Brasil nunca ouviu falar", responde ele à pergunta sobre o que ainda pretende fazer.

Neste momento, às voltas com questões familiares que exigem dedicação total, ele não está atuando ou dirigindo, mas em março estreou em São Paulo Paraíso. O espetáculo era supostamente baseado em texto de Dib Carneiro Neto, mas o autor exigiu que seu nome não fosse associado à encenação, por não reconhecer nela a sua história. É o caminho pela liberdade escolhido por Abu, que não quis comentar o caso.

"Ele é a pessoa mais moderna que existe", ressalta Fonseca. "Tem vários dogmas, mas os contradiz com um outro dogma, que é ‘Sou o rei da incoerência’."

Sem cânones

Paulista de Ourinhos que se formou em Filosofia e Jornalismo em Porto Alegre, Abu já mostrava nos anos 1950, fazendo teatro universitário, como não seguia cânones. Escolheu para dirigir textos de autores tão diversos quanto Georg Büchner e Fernando Pessoa, Tennessee Williams e Ionesco.

De 1959 a 1961 ficou na Europa acompanhando montagens de artistas como Roger Planchon e Jean Villar, além de estagiar no Berliner Ensemble, a companhia criada por Bertolt Brecht.

"Esses dois anos foram os definitivos para eu colocar a minha cabeça fora do Brasil e fora de mim mesmo, achando outro Abujamra e não tendo mais o temor do erro", avalia.

Foi baseado nos conceitos brechtianos que Abu criou, em 1963, o Grupo Decisão, que marcou época fazendo um tipo bem particular de teatro político, no qual cabiam autores improváveis como Lope de Vega e Harold Pinter.

"O Decisão já era um alternativo entre o Oficina, o Arena e os outros grupos. Fazíamos operações militares dentro de nossas cabeças, e os espetáculos eram corajosos, intensos. Assustamos e fracassamos bastante, mesmo tendo ótimos atores e atrizes, incluindo Glauce Rocha que fez questão de entrar no Decisão", recorda ele.

Abu teve vários embates com a Censura durante a ditadura militar, sofrendo com a proibição de, entre outras peças, O Berço do Herói (base da novela Roque Santeiro), de Dias Gomes, em 1965, e Abajur Lilás, de Plínio Marcos, em 1975. E fez vários espetáculos com o Teatro Livre, de Paulo Goulart e Nicette Bruno. O casal foi dirigido 14 vezes por ele até os anos 1990.

"É uma das figuras mais importantes do teatro moderno brasileiro", exalta Nicette. "São impressionantes sua cultura e sua criatividade. Cada trabalho que fazíamos juntos era como se fosse a primeira vez, porque ele propunha exercícios muito diferentes."

Em 1987, aos 55 anos, propôs algo bem diferente para si mesmo: tornar-se ator. Estreou logo com um monólogo, O Contrabaixo, que apresentaria, de forma intermitente, por oito anos. Passou, como dizia, a se divertir no palco, e ainda ganhou inédita popularidade graças ao Ravengar da novela Que Rei Sou Eu? (1989) — ele trabalhava em tevê desde a década de 1960, mas dirigindo.

"Demorei tanto a ser ator por uma falta de visão absoluta de minha parte. Foi uma alegria imensa mostrar que sou um verdadeiro pavão em cena, entrando em momentos e locais em que o diretor não entra. Ser ator é a visão da liberdade por inteiro", proclama.

Depois de bem-sucedidas realizações em São Paulo, nos anos 1980, com atores como Antonio Fagundes e Denise Stoklos, Abu iniciou no Rio a década seguinte ganhando um Prêmio Molière por Um Certo Hamlet, com Cláudia Abreu, Vera Holtz e outros. Era o ponto de partida dos Fodidos Privilegiados, que renderia outro prêmio ao diretor (o Shell de 1997 por O Casamento, ao lado de Fonseca) e temporadas cercado de dezenas de jovens.

"Eu me diverti muito e gostei de descobrir naquele tumulto todo um diretor que hoje é um darling: João Fonseca. Ele me ensinou tudo, me inventou, é meu pai artístico", diz o discípulo.

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