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Através de seus livros, palestras e artigos populares, Ryan Holiday traduz a filosofia estoica, que contou com imperadores e estadistas entre seus adeptos na antiguidade, em frases de efeito expressivas e casos agradáveis para o século 21 | DREW ANTHONY SMITH/NYT
Através de seus livros, palestras e artigos populares, Ryan Holiday traduz a filosofia estoica, que contou com imperadores e estadistas entre seus adeptos na antiguidade, em frases de efeito expressivas e casos agradáveis para o século 21| Foto: DREW ANTHONY SMITH/NYT

Em um ginásio de Nova York, em outubro, o escritor Ryan Holiday falou para quase 350 pessoas sobre o poder transformador do pessimismo e da insegurança.

Não era bem o tipo de mensagem inspiradora que se esperaria de um estrategista de relações-públicas carismático, que se especializou em autoajuda e que agora é um guru muito procurado por técnicos da NFL, atletas olímpicos, astros do hip-hop e empresários do Vale do Silício; porém, parece que sua mensagem foi bem recebida pela multidão calma e reflexiva da Stoicon, conferência anual para acadêmicos e profissionais do Estoicismo, a antiga filosofia grega e romana que aconselha discrição e desapego das vicissitudes do sucesso e do fracasso.

Durante a palestra, Holiday foi autodepreciativo. “Vou começar com a pergunta que muitos de vocês devem estar se fazendo: ‘Quem diabos é esse cara?’”. E casualmente profano, recebendo risinhos das pessoas presentes quando as questionou sobre seu sentido da autoimportância. “Você pode se considerar atraente”, disse ele, acrescentando um substantivo que é melhor não mencionar, “mas a realidade, e os estoicos sempre dizem isso, não é bem assim.”

Quando um membro da plateia perguntou a Holiday se o Estoicismo “está muito na moda”, ele respondeu, defendendo sua participação na popularização da filosofia como uma estratégia de autoajuda.

“Nós capturamos apenas uma fração muito pequena do mercado potencial. O estoicismo é uma filosofia projetada para as massas, e se é preciso simplificá-la um pouco para que chegue a elas, que seja”, disse ele, soando mais empreendedor que filósofo.

Se o estoicismo está na moda, pode-se dizer que o crédito (ou a culpa) é de Holiday. Através de seus livros, palestras e artigos populares, ele traduz a filosofia, que contou com imperadores e estadistas entre seus adeptos na antiguidade, em frases de efeito expressivas e casos agradáveis para o século 21. Toma os preceitos centrais e os usa em histórias inspiradoras sobre a vida de pessoas bem-sucedidas (Steve Jobs? Bill Bradley? Modelos do estoicismo!), e remodela seus antigos princípios sobre as armadilhas do orgulho, transformando-os em chamarizes (”25 Maneiras de Acabar com o Ego Tóxico que Pode Arruinar Sua Vida”). No Twitter, distribui citações edificantes de antigos filósofos como Cleantes, Diógenes de Sínope, Platão e Zeno a seus mais de 80 mil seguidores.

O Exterminador do Futuro é seu fã

Seu livro de 2014, “The Obstacle Is the Way: The Timeless Art of Turning Trials Into Triumph” (O obstáculo é o caminho: a arte atemporal de transformar provações em triunfo), inspirado nos ensinamentos do imperador Marco Aurélio e outros estoicos, vendeu mais de 230 mil cópias nos Estados Unidos e foi traduzido para 19 línguas. Atraiu seguidores famosos, incluindo atletas profissionais, juízes federais, celebridades de Hollywood e capitalistas de risco. Arnold Schwarzenegger é um de seus fãs, assim como LL Cool J, que lhe enviou uma mensagem pelo Twitter depois de ler “Obstacle”.

Holiday, 29 anos, é um garoto-propaganda improvável do estoicismo: abandonou a faculdade e largou um emprego de estrategista em relações-públicas da American Apparel, quando se encarregou da imagem da companhia durante o controverso afastamento de seu fundador, Dov Charney. Dirige sua própria empresa de marketing, a Brass Check, e escreveu artigos se gabando das loucas táticas publicitárias que empregou em nome dos clientes, incluindo forjar e divulgar documentos, criar falsas contas no Twitter e comprar tráfego da rede para posts de blogs que escrevia. Lançou a campanha publicitária viral do escritor descaradamente devasso Tucker Max (”I Hope They Serve Beer in Hell”), que envolveu vandalizar outdoors de um filme baseado no livro e enviar por e-mail fotos desfiguradas dos anúncios para blogs na tentativa de incitar um boicote feminista ao filme nas universidades.

Agora, está aproveitando seu considerável talento em marketing para vender o estoicismo. Ele é como um vendedor de porcarias, que jura ter abandonado o produto, mas não as táticas de vendas altamente eficazes.

“Se você tiver bastante cara de pau, pode vender qualquer coisa”, disse ele sobre suas habilidades de marketing.

Alguns atuais seguidores do estoicismo dizem que o personagem meio hipster, meio vigarista de Holiday está em desacordo com os princípios da filosofia. “Há algum ceticismo em relação à trajetória pessoal do autor, já que algumas das coisas de seu primeiro livro não parecem estar alinhadas com os ideais do Estoicismo”, disse Gabriele Galluzzo, professor de Filosofia Antiga da Universidade de Exeter, na Grã-Bretanha, que participou da Stoicon.

Mas Holiday garante que ser um bom vendedor não entra em conflito com sua identidade de estoico.

Hollywood

Ele descobriu o Estoicismo lendo “Meditações” de Marco Aurélio, quando era um estudante de 19 anos na Universidade da Califórnia, Riverside. Leu quatro vezes seguidas e colou citações da obra na parede do quarto, sobre a cama. “A ideia essencial do estoicismo, na minha interpretação, é que você não controla o mundo ao seu redor, mas controla sua resposta a ele. Quando se tem 19 anos, isso é bem estimulante.”

Naquelas férias, Holiday fez um estágio em uma agência de talentos de Hollywood, a Collective. Ofereceram-lhe um emprego, com um salário inicial de US$ 30 mil ao ano, e ele abandonou a faculdade e se mudou para Los Angeles. “Eu era o cara que ia se dar bem”, afirmou.

Um ano depois, foi trabalhar para a American Apparel, onde foi o relações-públicas quando a empresa enfrentava alegações de assédio sexual contra Charney. Ele se desiludiu com seu trabalho e decidiu escrever uma confissão autoacusatória.

“Fiquei enojado com o jeito que a coisa funcionava. A ideia do livro foi colocar tudo isso em uma pilha gigante e tacar fogo.”

Confie em mim, estou mentindo

Holiday diz que recebeu um adiantamento de US$ 250 mil de sua editora, a Portfolio – muito menos que a soma de US$ 500 mil divulgada em blogs de fofoca, ideia que ele próprio ajudara a espalhar. Quando “Trust Me, I’m Lying: Confessions of a Media Manipulator” (Confie em mim, estou mentindo: confissões de um manipulador da mídia) foi publicado, em 2012, Holiday foi chamado de “lixo” em comentários no site da Amazon. O Financial Times classificou as revelações de Holiday de “perturbadoras” e “assustadoras”. A Business Insider publicou uma lista de seus atos mais provocativos, com a manchete “As 10 maiores mentiras ditas pelo RP da American Apparel”.

É difícil entender como a mesma pessoa que escreveu “Trust Me, I’m Lying”, um tratado bombástico sobre a arte da autopromoção através da manipulação da mídia, passou a escrever uma meditação sobre os perigos do egocentrismo e do orgulho. Mas Holiday não tem nenhum problema de conciliar as fases Jekyll e Hyde de sua carreira; marketing é o que ele faz e estoicismo é quem ele é.

Mesmo assim, há uma óbvia convergência dos dois. Alguns dos seus maiores divulgadores, incluindo os escritores de best-sellers James Altucher, Marc Ecko, Tim Ferriss e Robert Greene, todos entusiastas de seus livros sobre o estoicismo, também são seus clientes na Brass Check.

“Não sabia que eu era um estoico”

Nos últimos meses, ele deu palestras para o time de beisebol do Texas Rangers, para uma empresa de contabilidade de Seattle, uma empresa de telecomunicações em Austin, Texas, no HSBC em Londres e nos escritórios do Google em Londres, Nova York e Mountain View, na Califórnia. Os militares o convidaram para falar com a elite dos combatentes do Comando de Operações especiais dos EUA.

Holiday é reverenciado em alguns círculos do esporte profissional. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, seus livros foram lidos pelas atletas dos times de futebol e de voleibol feminino, além das equipes de luta e ginástica masculina dos Estados Unidos. “Não sabia que eu era um estoico até ler o livro”, disse Christopher Sommer, ex-treinador de ginástica da seleção americana.

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